Capítulo 2 – Os Anos de Aguardo
No orfanato, o tempo se movia lentamente, como se cada dia fosse arrastado por correntes invisíveis. Os anos eram marcados não por aniversários, mas por despedidas — crianças que eram adotadas ou atingiam a maioridade e partiam sem garantia de volta. Heitor observava cada partida com uma mistura de anseio e tristeza. Ele mesmo nunca foi adotado. Passou despercebido pelos olhares curiosos dos casais que visitavam o local, que preferiam crianças mais novas ou mais alegres.
Aos poucos, compreendeu que o seu futuro dependeria unicamente dele. Não teria uma família à espera, nem um quarto confortável em um lar afetuoso. Tinha apenas as suas mãos, a sua mente e um sonho que surgia pequeno, mas persistente: sair dali e conquistar o mundo.
Durante o ensino fundamental, Heitor não se destacava muito. Era o tipo de aluno que se sentava nas últimas carteiras, evitava conversas e entregava todas as tarefas no prazo. A diretora da escola o via como “aplicado, mas sem vivacidade”. Mal sabiam que a vivacidade estava oculta por trás de uma defesa que ele criou para se proteger da rejeição e da solidão.
Foi no nono ano que tudo começou a se transformar. Um novo professor de matemática, Sr. Jonas, notou em Heitor uma mente perspicaz, uma sede de conhecer o mundo e uma aptidão natural para a lógica e o planejamento.
— Já considerou cursar Administração? — perguntou um dia, ao corrigir um trabalho em que Heitor havia sugerido um plano de arrecadação para a feira da escola.
Heitor apenas encolheu os ombros. Aquilo parecia muito distante. Faculdade, para ele, era para pessoas ricas, com pais e estabilidade.
Mas as palavras permaneceram. Administração. A palavra soava importante. Imponente. Era uma profissão que envolvia decisões, empresas, liderança. E ele apreciava a ideia de planejar, organizar, entender como as coisas funcionavam internamente.
Com o tempo, passou a utilizar os computadores da escola pública para pesquisar sobre o curso. Leu artigos, assistiu a vídeos em canais educacionais e começou a nutrir esperanças, mesmo sem saber como realizaria aquilo.
No orfanato, as regras eram severas, mas ele encontrava tempo para estudar. Lia livros emprestados da biblioteca pública e aproveitava apostilas descartadas por ex-alunos. Trabalhava nas horas vagas limpando pátios, ajudando no depósito de um mercadinho e até vendendo balas no ponto de ônibus. Guardava cada moeda em uma lata escondida embaixo do colchão.
Com apenas dezessete anos, Heitor já tinha traçado seu futuro: deixar o orfanato, alugar um cantinho modesto e prestar o vestibular numa universidade pública. Ele sabia que não teria condições de bancar uma faculdade particular. Seu foco era um só: Administração na Universidade Estadual. Era um dos cursos mais concorridos, mas isso não o intimidava.
No orfanato, as outras crianças viam Heitor como um irmão mais velho, mas também como alguém "diferente". Ele não ambicionava ser jogador de futebol ou influenciador digital. Sonhava com ternos, gravatas, reuniões e planilhas. Seu universo era feito de objetivos e listas, não de sonhos.
Uma noite, no dormitório, Rafael, seu único amigo de verdade, perguntou:
— E se não rolar, Heitor? E se você não for aprovado?
Heitor hesitou por alguns instantes antes de responder:
— Eu tento outra vez. E outra. Até conseguir. Eu não nasci para definhar aqui.
Aquilo tocou fundo em Rafael. Ele sabia que Heitor era especial. Não pelo que falava, mas pelo que fazia. Tinha disciplina, determinação, e uma paixão que nem o orfanato conseguia extinguir.
Ao completar dezoito anos, o dia da partida chegou. Sem celebração, sem comoção. Apenas uma caixa com seus pertences, uma pasta com documentos essenciais, e a porta aberta. A diretora lhe deu um último conselho:
— Você foi um bom menino, Heitor. Espero que consiga se cuidar lá fora.
Ele apenas concordou com a cabeça. Não esperava mais que isso.
Com a ajuda de um conhecido do mercadinho onde fazia serviços extras, achou um quarto para alugar no fundo da casa de dona Judite, uma senhora viúva que vivia de aposentadoria e alugava dois quartos para estudantes de baixa renda. O quarto era diminuto, com paredes descascadas, cheiro de umidade e sem janela. Mas era suficiente. Era liberdade.
Ali, com uma lâmpada pendurada e um ventilador ruidoso, organizou sua "base de estudos". Improvisou uma mesa com blocos de concreto e uma tábua de madeira. Colou folhas de metas na parede e horários de estudo escritos à mão. Era o começo.
Estudava até tarde, mesmo com fome. Tomava café forte e comia pão amanhecido para acalmar o estômago. Pegava apostilas de cursinhos populares e assistia videoaulas em lan houses, pagando por hora. Às vezes, pedia ajuda a colegas da escola. Quase nunca tinha dinheiro para imprimir resumos. Anotava tudo à mão.
A inscrição para o vestibular foi feita com o apoio da assistente social do orfanato. Ele escolheu o curso sem hesitar: Administração. A prova seria em dois meses. Ele teria 60 dias para alcançar quem estudava há anos com recursos e cursinhos caros.
A situação era complexa, gerando frequentes momentos de abatimento. Por vezes, a ideia de abandonar seus objetivos o assaltava. No entanto, um simples olhar para o teto deteriorado, a lembrança do aroma característico do orfanato, do pão amanhecido com leite ralo e do isolamento da juventude eram suficientes para reanimá-lo. Ele almejava uma vida melhor. Acreditava ser merecedor de mais.
Na antevéspera do exame, dirigiu-se a pé ao local de aplicação — um colégio técnico situado na região central da urbe. Chegou com antecedência, analisou a entrada, os demais concorrentes deixando as aulas preparatórias, os grupos gargalhando e exibindo mochilas novas. Sentia-se diminuído, quase imperceptível. Contudo, respirou profundamente e mentalizou: "Amanhã, retornarei a este lugar. E darei o meu máximo naquela prova."
Durante a noite, o sono tardou a chegar. Refletiu sobre sua genitora. Sobre seu progenitor. Sobre o compromisso assumido.
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Atualizado até capítulo 35
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