Três anos se passaram desde o acidente. Eu tinha doze anos agora, mas me sentia muito mais velha. Crescer naquela casa me forçou a amadurecer rápido. Cada dia era uma luta silenciosa, uma batalha entre suportar a dor e buscar uma forma de escapar. Meus tios não tornavam isso mais fácil. Eles estavam sempre ali, prontos para me lembrar do quanto eu era indesejada, de quanto eu era um fardo para eles.
– Você é inútil, menina. Só come e ocupa espaço – minha tia repetia, enquanto me obrigava a lavar as pilhas de pratos após o jantar, pratos que eu nem sequer tinha tocado.
Eu não respondia. Qualquer palavra, por menor que fosse, era tratada como insubordinação. E insubordinação tinha seu preço.
Naquela casa, tudo tinha um preço.
[...]
Um dos poucos lugares onde eu me sentia à salvo era no quarto pequeno e abafado que me deram, no sótão. Não havia muita coisa lá, só uma cama velha, uma escrivaninha quebrada e, em um canto, um computador antigo que meu tio jogou fora. Ele achava que estava quebrado, mas eu, por curiosidade, passei noites inteiras tentando consertá-lo.
Levei dias para entender como as peças se encaixavam, como os cabos funcionavam. As primeiras tentativas de ligar o computador foram frustrantes, mas eu não desisti. Tinha aprendido que desistir não era uma opção. Quando, finalmente, a tela piscou e o sistema iniciou, senti uma onda de adrenalina como nunca antes. Foi como abrir a porta para um novo mundo, um mundo onde eu poderia ser qualquer coisa, menos a garota insignificante que meus tios viam.
Ali, eu não precisava ser fraca. Ali, eu tinha controle.
Comecei a aprender sozinha. Eu passava horas lendo sobre programação, sistemas, segurança. O computador se tornou meu refúgio, e a tecnologia, minha obsessão. Eu conseguia ficar horas e horas presa na tela, fascinada por tudo o que descobria, enquanto lá embaixo meus tios brigavam ou me mandavam fazer tarefas.
[...]
– Por que a cozinha ainda está suja? – minha tia apareceu certa noite, os olhos faiscando. – Eu não te disse para limpar direito?
– Eu limpei – murmurei, sem sequer me virar. O cansaço pesava em minhas pernas, mas eu mal conseguia deixar o computador de lado.
O tapa veio antes que eu pudesse reagir. Minha cabeça girou com a força do golpe, o rosto queimando com a dor.
– Não me desafie! – ela gritou, segurando meu braço com força e me arrastando até a cozinha. – Vai limpar agora, e dessa vez direito!
Eu não lutei. Eu nunca lutava. O que ganharia com isso? Ela teria apenas mais um motivo para me castigar. Em vez disso, guardei o ódio e a dor no fundo do meu peito, como sempre fazia, e fiz o que ela mandou.
[...]
À noite, depois de mais um dia longo de insultos e agressões, voltava ao computador. A tecnologia era a única coisa que não me tratava como lixo. Quando eu me conectava, o mundo lá fora desaparecia. Eu me sentia livre. E, pela primeira vez, tive a sensação de que poderia usar aquilo a meu favor.
Enquanto as crianças da minha idade sonhavam com futuros brilhantes e cheios de oportunidades, eu sonhava com liberdade. E, para ser livre, eu precisava de dinheiro. Muito dinheiro.
Percebi que era boa em mexer com códigos, e quando comecei a explorar redes mais complexas, percebi que poderia fazer muito mais do que simplesmente navegar na internet. Ali, nos cantos mais obscuros da rede, encontrei formas de transformar meu conhecimento em algo rentável.
Hackers falavam sobre como driblar sistemas, como roubar informações, como manipular dados. Eu estava aprendendo a fazer isso. E quanto mais aprendia, mais via uma saída para a vida miserável que levava.
Naquele velho computador, no canto escuro do sótão, comecei a construir minha rota de fuga. Eu não era mais a órfã indefesa. Não por muito tempo.
Seis meses se passaram desde que comecei a mergulhar fundo no mundo da programação e da segurança digital. Eu aprendia rápido. Cada dia que eu passava naquela casa me dava mais vontade de escapar, e cada noite que eu passava no meu quarto, diante daquele computador velho, me trazia um pouco mais de esperança. Hackear sistemas não era apenas um passatempo ou um desafio. Era uma saída.
Eu me dedicava como nunca. O que antes era curiosidade, agora era habilidade. Entendia de códigos, conhecia falhas de segurança em redes e, o mais importante, sabia como usar isso a meu favor.
Mas a vida fora do quarto continuava um inferno.
– Você acha que pode ficar deitada o dia inteiro nessa porcaria de quarto? – meu tio gritou da porta, me assustando. Eu tinha acabado de descer para buscar algo na cozinha, e a presença dele ali, com aquele cheiro de álcool, só piorava tudo. – Eu trabalho o dia inteiro pra te sustentar, e o que você faz? Nada!
Eu me encolhi, segurando o copo de água, sentindo o estômago embrulhar de medo e raiva.
– Eu ajudo... – tentei dizer, mas ele me interrompeu.
– Ajudar? Você é um peso morto! Se eu soubesse que ia ser assim, teria te mandado pra um orfanato no primeiro dia que pisou aqui!
Ele se aproximou, seus olhos vidrados de raiva e desprezo. Eu tentava me afastar, mas estava encurralada na cozinha.
– Você não passa de uma ingrata! Sua mãe e seu pai ficariam envergonhados de ver o que você virou – ele cuspiu as palavras com ódio. – Não sei por que aceitamos te criar. Devíamos ter te deixado no carro com eles!
Essas últimas palavras foram como facadas. Mesmo depois de tanto tempo ouvindo aquelas coisas, elas ainda me machucavam profundamente. Eu me forcei a não chorar ali, na frente dele. Sabia que ele se alimentava disso. Ele adorava me ver quebrar.
Sem dizer mais nada, me virei e voltei para o meu quarto, fechando a porta com força. Lá, eu desabei.
As lágrimas vieram, pesadas e dolorosas. Por que eu tinha que passar por isso? Por que minha vida se resumia a ser humilhada, a ser maltratada por pessoas que deveriam cuidar de mim? Era como se toda a minha existência fosse um erro.
Mas, enquanto chorava, meus olhos se voltaram para o computador, o único lugar onde eu ainda tinha controle. Me aproximei, liguei a máquina, e as lágrimas continuaram a cair enquanto os códigos e sistemas apareciam na tela.
Naquele momento, decidi que não iria mais aceitar ser pisoteada.
Já sabia hackear pequenas redes, roubar dados simples. Agora, queria algo maior. Algo que pudesse mudar tudo. Meus dedos corriam pelo teclado enquanto minha mente calculava cada movimento. Eu estava conectada a uma rede que discutia vulnerabilidades de segurança em grandes sistemas. Um servidor específico chamava minha atenção há algum tempo, algo pesado, protegido por várias camadas de segurança.
Com um misto de adrenalina e raiva, comecei a invadir.
Era mais difícil do que qualquer coisa que eu já tinha feito antes, mas não parei. Durante horas, trabalhei, quebrando uma barreira de segurança após a outra, até que, por fim, consegui acesso.
Naquele servidor, encontrei um arquivo. O título era inofensivo, mas quando o abri, percebi que estava diante de informações confidenciais. Eram dados sobre pessoas importantes, ricas, influentes. Suas transações ilegais, seus esquemas, seus segredos. Era o tipo de coisa que poderia arruinar qualquer um.
Eu olhei para a tela, o coração acelerado. Ali, naquele momento, eu soube que tinha encontrado minha saída. Com aquelas informações, eu poderia começar a virar o jogo. Poderia finalmente ter uma chance de escapar daquela vida miserável.
Eu limpei as lágrimas do rosto, olhando para a tela do computador com determinação. Naquele momento, minha vida estava prestes a mudar para sempre.
Com o tempo, fui ficando cada vez mais confiante nas minhas habilidades. Aos quatorze anos, o que começou como um pequeno experimento virou um jogo perigoso, mas altamente lucrativo. Por um ano inteiro, invadi sistemas e coletei informações comprometedoras sobre pessoas importantes – políticos, empresários, magnatas. Suas transações ilegais, adultérios, fraudes fiscais... Eu sabia tudo. E com isso, sabia que tinha o poder nas mãos.
Comecei a mandar mensagens anônimas para algumas dessas pessoas.
"Se não quiser que o mundo saiba sobre o seu envolvimento em fraudes fiscais, vai depositar cinquenta mil libras na minha conta até o final da semana – digitava, enviando uma das muitas ameaças que agora faziam parte da minha rotina."
O medo dessas pessoas de perderem suas reputações era meu trunfo. Eles pagavam sem fazer perguntas. Não podiam arriscar que alguém descobrisse o que tinham feito, e isso era perfeito para mim. A cada ameaça, a cada transação, mais dinheiro entrava na minha conta.
Mas com tanto dinheiro, eu sabia que precisava ser cuidadosa. Precisava esconder a origem dessas quantias e transformar aquele dinheiro sujo em algo "limpo", algo legal. Eu já estava acumulando muito para chamar a atenção. Foi aí que a ideia surgiu. Eu precisava criar uma fachada, um disfarce.
Passei a trabalhar discretamente, longe dos olhares dos meus tios. Comecei a oferecer pequenos serviços de tecnologia para vizinhos e conhecidos da região. Manutenção de computadores, ajuda com sistemas, aulas de informática para idosos. Tudo o que eu pudesse fazer sem levantar suspeitas.
– Ah, você conserta computadores? – uma vizinha perguntou certa vez, com um sorriso simpático, segurando uma máquina antiga nas mãos.
– Sim, posso dar uma olhada para você – respondi, com a mesma gentileza, mesmo sabendo que aquilo era o menor dos meus problemas.
Esses trabalhos não rendiam muito dinheiro, mas serviam ao seu propósito. Cada libra que eu ganhava com esses serviços era uma forma de justificar as quantias maiores que estavam entrando na minha conta. Aos olhos de qualquer um, eu era apenas uma adolescente talentosa e dedicada, que tinha uma pequena renda com seu trabalho honesto.
O que ninguém sabia era que, por trás dessa fachada, eu estava controlando pessoas poderosas. Eles eram como peões no meu tabuleiro, e eu era a mestre do jogo. Quanto mais eu ameaçava, mais dinheiro eles me davam, e quanto mais dinheiro eu conseguia, mais me aproximava do meu objetivo final: sair da sombra dos meus tios.
Mas isso era apenas o começo.
Meus tios, claro, não sabiam de nada. Para eles, eu era a mesma menina insignificante de sempre. A cada vez que me insultavam, me humilhavam, eu apenas sorria por dentro. O que eles não sabiam é que, em breve, eu não precisaria mais deles. Eu estava prestes a construir algo maior do que qualquer um poderia imaginar.
E o melhor de tudo: ninguém jamais desconfiaria que, por trás da garota quieta e sofrida, estava a mente que controlava segredos tão poderosos.
Minha reputação como "a menina boa com computadores" começou a crescer pela cidade. Cada vez mais pessoas me procuravam para serviços. O dinheiro começava a entrar de maneira mais consistente, e o que antes era apenas um disfarce se tornou uma forma real de construir um fundo que pudesse justificar tudo o que eu ganhava.
– Você pode consertar meu laptop? – me perguntou o gerente de uma loja local.
– Claro. Vai ser rápido – respondi, já acostumada com esse tipo de serviço.
Meus dias começaram a se dividir entre os trabalhos pequenos e a vida por trás da tela, onde eu controlava milhões em dinheiro sujo e o "limpava" pouco a pouco. A cada semana, recebia novos depósitos secretos de empresários desesperados, políticos medrosos, ou qualquer outro influente que não queria ver seus segredos expostos. Eu sabia o poder que tinha sobre eles.
Com o tempo, criei duas contas bancárias. Uma, onde guardava o dinheiro das chantagens, estava sempre sob vigilância e era cuidadosamente protegida para que ninguém pudesse rastrear suas transações. A outra, a "conta limpa", era onde eu depositava o dinheiro dos meus trabalhos honestos na cidade, fruto dos pequenos consertos e manutenções. Sempre que recebia um grande montante de dinheiro sujo, eu movia uma parte para a conta limpa, diluindo as transações aos poucos, para que não chamassem atenção.
Meus tios, porém, eram uma pedra no meu sapato. Sempre me tratando mal, sempre exigindo mais do que eu podia dar. Não sabiam o que eu fazia, mas começaram a desconfiar que havia algo a mais. Certo dia, eles me pegaram voltando para casa com uma pilha de dinheiro – fruto dos trabalhos honestos que eu fazia.
– O que é isso? – minha tia gritou, arrancando o dinheiro da minha mão.
– Meu dinheiro, dos trabalhos que fiz na cidade – respondi, já esperando o confronto.
– Então está trabalhando pelas costas da gente? – meu tio interveio, com o rosto vermelho de raiva.
– Sim, e daí? – repliquei, com a voz firme. – Vocês não se importam comigo, nunca se importaram. Tudo o que faço é para sair daqui.
Minha tia me olhou com um desprezo que eu já conhecia bem, mas dessa vez havia algo diferente. Ela estava furiosa.
– Se está ganhando dinheiro, então deve uma parte pra gente – ela exigiu, apontando o dedo na minha cara. – Vivemos te sustentando! Você mora debaixo do nosso teto, come a nossa comida. Acha que vai trabalhar e ficar com tudo sozinha?
Meu tio concordou, cerrando os dentes.
– Se não der uma parte do que ganha, vamos te colocar pra fora.
A raiva crescia dentro de mim, mas eu mantive a calma.
– Eu não vou dar dinheiro nenhum pra vocês – declarei, cruzando os braços.
– O quê? – minha tia gritou, incrédula.
– Não vou. Esse dinheiro é meu, e não devo nada a vocês. Vocês me maltrataram a vida toda. Eu não devo nada pra quem me fez tanto mal.
Os dois se aproximaram, me encarando com a mesma ferocidade de sempre, mas dessa vez, eu não me intimidei.
– E se tentarem mexer no meu dinheiro – continuei, com a voz gelada – boa sorte. Tudo está em uma conta no banco, com meu nome. Vocês não podem tocar nisso.
Os rostos deles empalideceram por um instante. Eles não tinham como acessar minhas contas, e sabiam disso. O medo de perder o controle sobre mim fez com que eles recuassem.
– Vamos ver até quando você consegue se segurar, mocinha – minha tia resmungou, mas eu vi que ela sabia que tinha perdido.
Eu tinha finalmente ganho um pouco de poder sobre eles. O dinheiro que eu acumulava me dava uma liberdade que eles não podiam controlar. Mesmo assim, eu sabia que essa era apenas uma batalha pequena. Ainda havia muito a ser feito para eu me livrar completamente deles.
E por enquanto, eu seguiria mantendo meus segredos intactos. Enquanto meus tios dormiam tranquilos à noite, eu ficava acordada até tarde, digitando no computador, manipulando informações, criando redes seguras, fazendo transferências, apagando rastros.
Se eles soubessem o que eu realmente fazia...
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Atualizado até capítulo 39
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