Capítulo 4 - Dona Charlotte.

Bati a porta com tanta força que o barulho ecoou pela casa inteira. Eu queria arrancar aquele momento da minha memória, esquecer a sensação da pele de James contra a minha, a forma como, em questão de segundos, ele destruiu qualquer ilusão que eu pudesse ter.

Caminhei até a cozinha, ainda respirando rápido. Peguei um copo e enchi de água, tentando acalmar os pensamentos caóticos na minha cabeça.

— Emma?

A voz sonolenta da minha mãe me fez olhar para trás. Ela estava parada na entrada da cozinha, vestindo seu roupão azul, os cabelos castanhos um pouco bagunçados pelo sono.

— O que aconteceu?

— Nada, mãe — respondi rápido demais.

Ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada.

— Não parece "nada". Você bateu essa porta com tanta força que deve ter acordado a vizinhança toda.

Soltei um suspiro e abaixei o olhar para a pia.

— Desculpa.

Ela me analisou por um momento, mas não insistiu.

— Vai descansar, filha. Amanhã você pode me contar o que aconteceu.

Balancei a cabeça, concordando, e segui para meu antigo quarto.

Assim que fechei a porta, me joguei na cama e encarei o teto. Minha mente girava sem parar, repetindo cada detalhe da noite. Eu era mesmo tão burra assim?

Eu deveria ter aprendido a lição há anos. Mas bastaram alguns olhares, um pouco de álcool e um toque conhecido para eu cair de novo no mesmo erro.

Nunca mais.

Fechei os olhos e tentei dormir, mas minha mente insistia em me torturar.

Acordei com o sol invadindo o quarto pelas frestas da cortina. Meu corpo estava pesado, como se a noite mal dormida tivesse sugado toda a minha energia.

Ainda de pijama, arrastei-me até a cozinha, onde meus pais já estavam sentados à mesa tomando café. Minha mãe me olhou com atenção assim que me viu.

— Você está abatida, Emma.

Peguei uma xícara e me servi de café.

— Só estou cansada.

Meu pai fechou o jornal que estava lendo e me encarou com um olhar firme.

— Você não vai fugir de novo, vai?

Engoli em seco.

Minha mãe desviou o olhar, encarando o pão que cortava no prato, mas era evidente que ela queria saber a resposta tanto quanto ele.

Fugir.

Foi exatamente isso que fiz há dez anos. Peguei tudo o que tinha e fui embora sem olhar para trás.

A diferença era que, naquela época, eu não queria só escapar da cidade. Eu queria fugir dele.

E agora… agora eu queria fazer a mesma coisa.

— Vou ficar aqui até juntar um dinheiro — murmurei. — Depois volto para Seattle.

O silêncio tomou conta da cozinha.

Meus pais trocaram um olhar, e minha mãe abaixou a cabeça, decepcionada. Meu pai respirou fundo e voltou a abrir o jornal, mas não antes de murmurar:

— Essa pequena cidade não te cabe, né?

Havia um peso nas palavras dele, como se quisesse dizer muito mais do que estava dizendo. Como se estivesse perguntando por que nós não bastamos para você?

O peso da culpa apertou meu peito, mas eu não sabia o que dizer.

Terminei meu café e me levantei.

— Vou dar uma volta.

Fui para o quarto me arrumar peguei minha bolsa e sair.

O centro de Davall não tinha mudado quase nada. As mesmas ruas de paralelepípedos, as mesmas lojas antigas, a mesma praça onde eu costumava sentar para ler quando era adolescente. O clima estava agradável, um leve vento balançava as folhas das árvores, e o céu azul sem nuvens tornava o dia ainda mais bonito.

Enquanto caminhava sem rumo, avistei uma senhorinha lutando para carregar algumas sacolas até a caminhonete estacionada na calçada.

Dona Charlotte.

Um sorriso nostálgico surgiu no meu rosto, e sem pensar muito, corri até ela.

— Deixa que eu ajudo!

Mas, assim que ela levantou os olhos e me reconheceu, sua reação foi totalmente inesperada.

As sacolas escorregaram de suas mãos e caíram no chão com um baque. Então, sem qualquer aviso, ela começou a me bater no braço com suas mãos enrugadas, mas ainda firmes.

— Menina malcriada! Como pode ter ido embora sem nem se despedir?!

Cada palavra era acompanhada por um novo tapa no meu braço.

— Desculpa! — tentei rir, massageando o local das batidas.

— Desculpa?! — ela bufou. — Você simplesmente sumiu! Nem uma carta, nem uma ligação, nada!

Abaixei a cabeça, sentindo o peso da culpa.

— Eu... eu precisava ir, dona Charlotte.

Ela cruzou os braços e me lançou um olhar severo.

— Você tinha um futuro pela frente e jogou tudo fora!

Engoli em seco.

Eu sabia exatamente do que ela estava falando.

Respirei fundo e me abaixei para pegar as sacolas do chão.

— Posso pelo menos carregar essas para a senhora?

Dona Charlotte estreitou os olhos, como se quisesse me dar outro sermão, mas por fim suspirou.

— Venha. Vamos tomar um chá.

A cafeteria ficava logo na esquina. Era um lugar pequeno e aconchegante, com móveis de madeira rústica e o cheiro inconfundível de café fresco. Sentamos perto da janela, e enquanto eu pedi um café simples, dona Charlotte pediu seu tradicional chá de camomila.

— E então, menina? Como você está?

Fiquei encarando minha xícara, rodando o café com a colher antes de responder:

— Um desastre.

Ela arqueou a sobrancelha.

— Foi para isso que você largou tudo?

Engoli o nó na garganta.

Sabia que essa conversa chegaria em algum momento, mas ainda assim não estava pronta para lidar com ela.

— Eu só achei que essa cidadezinha não me cabia mais.

Dona Charlotte me analisou por um longo momento, antes de soltar um suspiro pesado.

— E agora? O que vai fazer da vida?

— Arrumar um emprego, juntar dinheiro e voltar para Seattle.

Ela sorriu de canto, como se já esperasse essa resposta. Então, tomou um gole do chá e disse, com a maior naturalidade do mundo:

— Contratada.

Pisquei.

— Como é?

Ela tomou mais um gole e me encarou como se estivesse falando algo óbvio.

— Estou precisando de uma professora de montaria na fazenda.

Um frio percorreu minha espinha.

— Ah, não, dona Charlotte… Eu já não faço isso há anos!

— E o que tem? — ela deu de ombros. — Montar é como andar de bicicleta. Você nunca esquece.

Abaixei os olhos para minha xícara, sem saber o que responder.

Ela estava certa. Eu nunca esqueci.

A equitação fazia parte da minha vida desde criança. Passei anos competindo, treinando, vivendo para aquilo… até que tudo desmoronou.

Até que eu fui embora.

Dona Charlotte segurou minha mão com carinho.

— Vou te esperar hoje na fazenda, Emma. Não se atrase.

Fiquei olhando para ela, sem saber se aceitava ou não. Mas estou precisando de dinheiro.

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Comments

Eliene Lopes

Eliene Lopes

vai ema além de ser o que vc gosta e sabe , vc não tem qualificação profissional então não tem muita escolha em uma cidade pequena então /Tongue/
adoro livros quando a garota se vira nos trinta de dia trabalhando lanchonete,preenche o dia em bicos e a noite corre pra faculdade,são exemplos de guerreiras, já Ema 10 anos em satlle não pensou nos estudos

2025-04-02

2

Luisa Nascimento

Luisa Nascimento

Vai viver e esquece aquele imbecil que só te ver como uma mulher fácil.

2025-04-27

0

Onilda Furlan

Onilda Furlan

vai Emma aceita ela gosta muito de você

2025-03-15

1

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 - De volta para Davall
2 Capítulo 2 - Bom ter ver James.
3 Capítulo 3 - Caí como um patinho.
4 Capítulo 4 - Dona Charlotte.
5 Capítulo 5 - Estrela.
6 Capítulo 6 - Eu era feliz.
7 Capítulo 7 - Acordou com o pé esquerdo.
8 Capítulo 8 - Indiferença.
9 Capítulo 9 - Sacrifícios
10 Capítulo 10 - Orgulho.
11 Capítulo 11 - Primeira aluna.
12 Capítulo 12 - Filha de James.
13 Capítulo 13 - Primeiro dia de treino.
14 Capítulo 14 - Clima Passado.
15 Capítulo 15 - Não a Decepcione.
16 Capítulo 16 - Orgulho.
17 Capítulo 17 - Quebrando o Gelo
18 Capítulo 18 - Recepções
19 Capítulo 19 - Desculpa, Mas Eu Quase Morri
20 Capítulo 20 - Outro Dia
21 Capítulo 21 - Você é Impossível
22 Capítulo 22 - Cerca
23 Capítulo 23 - Histórias Felizes
24 Capítulo 24 - Um Até Logo
25 Capítulo 25 - Despedida Não Dita
26 Capítulo 26 - Amigo Especial
27 Capítulo 27 - Médico Davi
28 Capítulo 28 - Promete
29 Capítulo 29 - Mensagem de Texto
30 Capítulo 30 - Seria Tarde de Mais?
31 Capítulo 31 - Evolução
32 Capítulo 32 - Emoções Demais Para Hoje.
33 Capítulo 33 - Coitado do Dylan.
34 Capítulo 34 - Saudades
35 Capítulo 35 - Resultado da Ação Heroica.
36 Capítulo 36 - Esperança
37 Capítulo 37 - Sempre Fui Seu.
38 Capítulo 38 - Mike.
39 Capítulo 39 - Declaração.
40 Capítulo 40 - Uma verdade Não Dita
41 Capítulo 41 - Um Pé na Porta
42 Capítulo 42 - Eu Vou Com Você
43 Capítulo 43 - Não Estava Sozinha
44 Capítulo 44 - Seattle
45 Capítulo 45 - Dia da Cirurgia.
46 Capítulo 46 - Emy
47 Capítulo 47 - A Paz
48 Epílogo - Happily Ever After
49 Obras Concluídas
50 Recomendo de Obra.
51 NOVIDADE NA ÁREA
Capítulos

Atualizado até capítulo 51

1
Capítulo 1 - De volta para Davall
2
Capítulo 2 - Bom ter ver James.
3
Capítulo 3 - Caí como um patinho.
4
Capítulo 4 - Dona Charlotte.
5
Capítulo 5 - Estrela.
6
Capítulo 6 - Eu era feliz.
7
Capítulo 7 - Acordou com o pé esquerdo.
8
Capítulo 8 - Indiferença.
9
Capítulo 9 - Sacrifícios
10
Capítulo 10 - Orgulho.
11
Capítulo 11 - Primeira aluna.
12
Capítulo 12 - Filha de James.
13
Capítulo 13 - Primeiro dia de treino.
14
Capítulo 14 - Clima Passado.
15
Capítulo 15 - Não a Decepcione.
16
Capítulo 16 - Orgulho.
17
Capítulo 17 - Quebrando o Gelo
18
Capítulo 18 - Recepções
19
Capítulo 19 - Desculpa, Mas Eu Quase Morri
20
Capítulo 20 - Outro Dia
21
Capítulo 21 - Você é Impossível
22
Capítulo 22 - Cerca
23
Capítulo 23 - Histórias Felizes
24
Capítulo 24 - Um Até Logo
25
Capítulo 25 - Despedida Não Dita
26
Capítulo 26 - Amigo Especial
27
Capítulo 27 - Médico Davi
28
Capítulo 28 - Promete
29
Capítulo 29 - Mensagem de Texto
30
Capítulo 30 - Seria Tarde de Mais?
31
Capítulo 31 - Evolução
32
Capítulo 32 - Emoções Demais Para Hoje.
33
Capítulo 33 - Coitado do Dylan.
34
Capítulo 34 - Saudades
35
Capítulo 35 - Resultado da Ação Heroica.
36
Capítulo 36 - Esperança
37
Capítulo 37 - Sempre Fui Seu.
38
Capítulo 38 - Mike.
39
Capítulo 39 - Declaração.
40
Capítulo 40 - Uma verdade Não Dita
41
Capítulo 41 - Um Pé na Porta
42
Capítulo 42 - Eu Vou Com Você
43
Capítulo 43 - Não Estava Sozinha
44
Capítulo 44 - Seattle
45
Capítulo 45 - Dia da Cirurgia.
46
Capítulo 46 - Emy
47
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