Bati a porta com tanta força que o barulho ecoou pela casa inteira. Eu queria arrancar aquele momento da minha memória, esquecer a sensação da pele de James contra a minha, a forma como, em questão de segundos, ele destruiu qualquer ilusão que eu pudesse ter.
Caminhei até a cozinha, ainda respirando rápido. Peguei um copo e enchi de água, tentando acalmar os pensamentos caóticos na minha cabeça.
— Emma?
A voz sonolenta da minha mãe me fez olhar para trás. Ela estava parada na entrada da cozinha, vestindo seu roupão azul, os cabelos castanhos um pouco bagunçados pelo sono.
— O que aconteceu?
— Nada, mãe — respondi rápido demais.
Ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Não parece "nada". Você bateu essa porta com tanta força que deve ter acordado a vizinhança toda.
Soltei um suspiro e abaixei o olhar para a pia.
— Desculpa.
Ela me analisou por um momento, mas não insistiu.
— Vai descansar, filha. Amanhã você pode me contar o que aconteceu.
Balancei a cabeça, concordando, e segui para meu antigo quarto.
Assim que fechei a porta, me joguei na cama e encarei o teto. Minha mente girava sem parar, repetindo cada detalhe da noite. Eu era mesmo tão burra assim?
Eu deveria ter aprendido a lição há anos. Mas bastaram alguns olhares, um pouco de álcool e um toque conhecido para eu cair de novo no mesmo erro.
Nunca mais.
Fechei os olhos e tentei dormir, mas minha mente insistia em me torturar.
Acordei com o sol invadindo o quarto pelas frestas da cortina. Meu corpo estava pesado, como se a noite mal dormida tivesse sugado toda a minha energia.
Ainda de pijama, arrastei-me até a cozinha, onde meus pais já estavam sentados à mesa tomando café. Minha mãe me olhou com atenção assim que me viu.
— Você está abatida, Emma.
Peguei uma xícara e me servi de café.
— Só estou cansada.
Meu pai fechou o jornal que estava lendo e me encarou com um olhar firme.
— Você não vai fugir de novo, vai?
Engoli em seco.
Minha mãe desviou o olhar, encarando o pão que cortava no prato, mas era evidente que ela queria saber a resposta tanto quanto ele.
Fugir.
Foi exatamente isso que fiz há dez anos. Peguei tudo o que tinha e fui embora sem olhar para trás.
A diferença era que, naquela época, eu não queria só escapar da cidade. Eu queria fugir dele.
E agora… agora eu queria fazer a mesma coisa.
— Vou ficar aqui até juntar um dinheiro — murmurei. — Depois volto para Seattle.
O silêncio tomou conta da cozinha.
Meus pais trocaram um olhar, e minha mãe abaixou a cabeça, decepcionada. Meu pai respirou fundo e voltou a abrir o jornal, mas não antes de murmurar:
— Essa pequena cidade não te cabe, né?
Havia um peso nas palavras dele, como se quisesse dizer muito mais do que estava dizendo. Como se estivesse perguntando por que nós não bastamos para você?
O peso da culpa apertou meu peito, mas eu não sabia o que dizer.
Terminei meu café e me levantei.
— Vou dar uma volta.
Fui para o quarto me arrumar peguei minha bolsa e sair.
O centro de Davall não tinha mudado quase nada. As mesmas ruas de paralelepípedos, as mesmas lojas antigas, a mesma praça onde eu costumava sentar para ler quando era adolescente. O clima estava agradável, um leve vento balançava as folhas das árvores, e o céu azul sem nuvens tornava o dia ainda mais bonito.
Enquanto caminhava sem rumo, avistei uma senhorinha lutando para carregar algumas sacolas até a caminhonete estacionada na calçada.
Dona Charlotte.
Um sorriso nostálgico surgiu no meu rosto, e sem pensar muito, corri até ela.
— Deixa que eu ajudo!
Mas, assim que ela levantou os olhos e me reconheceu, sua reação foi totalmente inesperada.
As sacolas escorregaram de suas mãos e caíram no chão com um baque. Então, sem qualquer aviso, ela começou a me bater no braço com suas mãos enrugadas, mas ainda firmes.
— Menina malcriada! Como pode ter ido embora sem nem se despedir?!
Cada palavra era acompanhada por um novo tapa no meu braço.
— Desculpa! — tentei rir, massageando o local das batidas.
— Desculpa?! — ela bufou. — Você simplesmente sumiu! Nem uma carta, nem uma ligação, nada!
Abaixei a cabeça, sentindo o peso da culpa.
— Eu... eu precisava ir, dona Charlotte.
Ela cruzou os braços e me lançou um olhar severo.
— Você tinha um futuro pela frente e jogou tudo fora!
Engoli em seco.
Eu sabia exatamente do que ela estava falando.
Respirei fundo e me abaixei para pegar as sacolas do chão.
— Posso pelo menos carregar essas para a senhora?
Dona Charlotte estreitou os olhos, como se quisesse me dar outro sermão, mas por fim suspirou.
— Venha. Vamos tomar um chá.
A cafeteria ficava logo na esquina. Era um lugar pequeno e aconchegante, com móveis de madeira rústica e o cheiro inconfundível de café fresco. Sentamos perto da janela, e enquanto eu pedi um café simples, dona Charlotte pediu seu tradicional chá de camomila.
— E então, menina? Como você está?
Fiquei encarando minha xícara, rodando o café com a colher antes de responder:
— Um desastre.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Foi para isso que você largou tudo?
Engoli o nó na garganta.
Sabia que essa conversa chegaria em algum momento, mas ainda assim não estava pronta para lidar com ela.
— Eu só achei que essa cidadezinha não me cabia mais.
Dona Charlotte me analisou por um longo momento, antes de soltar um suspiro pesado.
— E agora? O que vai fazer da vida?
— Arrumar um emprego, juntar dinheiro e voltar para Seattle.
Ela sorriu de canto, como se já esperasse essa resposta. Então, tomou um gole do chá e disse, com a maior naturalidade do mundo:
— Contratada.
Pisquei.
— Como é?
Ela tomou mais um gole e me encarou como se estivesse falando algo óbvio.
— Estou precisando de uma professora de montaria na fazenda.
Um frio percorreu minha espinha.
— Ah, não, dona Charlotte… Eu já não faço isso há anos!
— E o que tem? — ela deu de ombros. — Montar é como andar de bicicleta. Você nunca esquece.
Abaixei os olhos para minha xícara, sem saber o que responder.
Ela estava certa. Eu nunca esqueci.
A equitação fazia parte da minha vida desde criança. Passei anos competindo, treinando, vivendo para aquilo… até que tudo desmoronou.
Até que eu fui embora.
Dona Charlotte segurou minha mão com carinho.
— Vou te esperar hoje na fazenda, Emma. Não se atrase.
Fiquei olhando para ela, sem saber se aceitava ou não. Mas estou precisando de dinheiro.
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Eliene Lopes
vai ema além de ser o que vc gosta e sabe , vc não tem qualificação profissional então não tem muita escolha em uma cidade pequena então /Tongue/
adoro livros quando a garota se vira nos trinta de dia trabalhando lanchonete,preenche o dia em bicos e a noite corre pra faculdade,são exemplos de guerreiras, já Ema 10 anos em satlle não pensou nos estudos
2025-04-02
2
Luisa Nascimento
Vai viver e esquece aquele imbecil que só te ver como uma mulher fácil.
2025-04-27
0
Onilda Furlan
vai Emma aceita ela gosta muito de você
2025-03-15
1