...ENTRE OLHARES E PINCÉIS ...
Isabela cutucou Clara discretamente e apontou para a entrada da padaria:
— Olha, são eles. Os solteiros mais cobiçados da cidade — disse com um sorrisinho divertido.
Clara apenas lançou um olhar rápido em direção à porta antes de voltar ao trabalho. Ao redor, cochichos e olhares curiosos se espalhavam como vento. O clima mudou com a presença dos recém-chegados.
Os dois homens se aproximaram do balcão. Clara os atendeu com a mesma educação que usava com qualquer outro cliente.
— Olá, sejam bem-vindos. O que desejam?
— Eu gostaria do seu número de telefone... mas acho que seria ousado pedir isso logo de cara. Então vou querer só um beijinho mesmo — disse o moreno, apontando para o doce no balcão, com um claro duplo sentido na voz.
Clara ficou visivelmente desconfortável. Seu corpo enrijeceu.
— Não assuste a garota. Ela pode te denunciar por assédio, sabia? — disse o outro homem, em tom de advertência.
Clara ignorou a provocação, pegou o doce e entregou com rapidez. Virou-se para o segundo homem, esperando seu pedido.
— Eu só estava brincando, você entende, né? — disse o moreno, sorrindo. — Me chamo Mikael, e esse aqui é o Diogo. Ele é um pouco chato, mas você se acostuma.
— Prefiro que não faça esse tipo de brincadeira — respondeu Clara, firme. — Você é um cliente, então não posso ser indelicada, mas da próxima vez não serei tão paciente.
— Muito bem, menina. Não dá mole, ele é assim com todas — disse Diogo, rindo enquanto Mikael fazia uma falsa expressão ofendida.
Mikael, no entanto, recebeu uma mensagem no celular, leu rapidamente e se levantou.
— Parece que minha presença não está sendo apreciada. Vou nessa.
Ele saiu sem mais delongas.
— Acho que fiz besteira — murmurou Clara, preocupada. — Não posso perder o emprego que acabei de conseguir.
— Não foi por sua causa — explicou Diogo. — Ele recebeu uma mensagem do trabalho. E além disso, você só se defendeu. Fez certo.
— Obrigada — disse, ainda aliviada.
— Eu gostaria de um cappuccino, quatro pães de queijo e uma fatia de bolo de chocolate, por favor.
— Sim, senhor. Já preparo.
Alguns minutos depois, Clara entregou o pedido. Diogo tomou um gole do cappuccino e empurrou o prato com a fatia de bolo em direção a ela.
— É pra você. Senta aqui. Seu nome é Clara, não é?
Clara hesitou, mas acabou se sentando lentamente, sem saber o que esperar.
— Sim... Por quê? Tem algum problema comigo?
— Não. Só quero te conhecer. Aqui todo mundo se conhece, então quando aparece alguém novo, é natural que surja curiosidade.
Clara ficou em silêncio. Seus olhos se tornaram mais escuros, mergulhados em lembranças que não queria reviver.
— Por quê? Você está escondendo algo? — perguntou ele, encarando-a de forma intensa, como se quisesse enxergar o que havia por trás de seus olhos.
Clara tremeu. Sua mente correu por tudo o que precisou enfrentar para chegar até ali.
"Ele não pode saber. Ninguém pode saber", pensou, tentando manter a expressão neutra.
— Brincadeira. Não precisa ficar tão séria — disse Diogo, percebendo a tensão. — Me diz, quantos anos você tem?
— Dezenove. Faço vinte daqui a dois meses.
— Tenho vinte e sete. Sou o delegado da cidade, mas acho que você já sabia disso.
Clara assentiu.
— Não vai comer o bolo?
— Estou em horário de trabalho, senhor.
— Apenas Diogo. E você não vai ser demitida por comer uma fatia de bolo, prometo.
O sorriso dele era descontraído, quase desarmador. Clara acabou cedendo e provou o bolo, que de fato estava delicioso. Ainda assim, Diogo continuava a observá-la, como se tentasse entender os segredos por trás daquele olhar melancólico.
— De onde você vem? Tem família?
A pergunta a atingiu como um soco. Ela parou de mastigar. A tensão em seu corpo era visível.
— Não.
— Com "não" você quer dizer "não tenho família" ou "não vou te contar"?
— As duas coisas.
Diogo soltou uma risada breve.
— Você é interessante. E você não era loira antes, era?
Ela o encarou, surpresa.
— Como você sabe que meu cabelo era de outra cor?
— Tenho meus segredos. É o meu trabalho — respondeu com um sorrisinho enigmático. — Delegados precisam estar sempre por dentro das coisas.
Ele se levantou, pagou a conta e lançou um último olhar em sua direção antes de sair.
"Essa garota... por que me intriga tanto? Sinto que ela esconde algo. Preciso descobrir mais."
"Esse homem é perigoso. Não posso me aproximar dele. Ele não pode descobrir."
...----------------...
O expediente terminou. Em vez de ir direto para casa, Clara decidiu caminhar um pouco. O céu estava azul, o ar leve. Ela observava pessoas sorrindo, crianças correndo, pássaros cantando. Por um momento, sentiu-se distante de tudo aquilo.
Seus olhos foram atraídos por uma loja pequena, aconchegante, de materiais para pintura. Como se um chamado antigo a empurrasse para dentro, ela entrou.
Fazia tanto tempo desde a última vez que pintara...
Passou os dedos pelas tintas, pincéis e telas. Cada item parecia despertar nela uma memória, um fragmento da menina que fora um dia. Lembrou-se da alegria de criar — do caos inicial que, pouco a pouco, virava algo belo, seu.
Talvez a vida fosse mesmo como um quadro em branco. Bagunçada, imprevisível... Mas com potencial de se tornar algo bonito.
Comprou alguns materiais, mesmo sabendo que gastaria mais do que o ideal. Ainda assim, queria reencontrar a parte de si que ficou para trás.
Horas depois, já em casa, Clara ficou diante da tela em branco. Pincel em mãos, lágrimas nos olhos, ela pintou.
Cada traço era um pedaço da sua dor. Cada cor, uma cicatriz. E quando terminou, havia ali uma linda borboleta azul pousando delicadamente sobre uma rosa branca.
Uma pintura suave. Uma lembrança talvez... mas clara o suficiente para mostrar que, mesmo ainda com medo, ela estava tentando.
E isso já era um começo.
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Atualizado até capítulo 44
Comments
Gigliolla Maria
cada cor uma tempestade dentro dela .o que será que ouve com ela
2025-06-23
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