Capítulo 3
Clara acordou cedo naquele dia. O sol ainda não havia nascido por completo, mas a claridade suave da manhã já começava a invadir a pequena janela de seu quarto. Ela se sentou na beira da cama e esfregou os olhos, tentando afastar a sensação de cansaço que persistia em seu corpo, mesmo após uma noite aparentemente tranquila. Dormir havia sido difícil. O medo ainda estava lá, como uma sombra que se recusava a deixar seu espírito em paz, mas ela tinha aprendido a ignorá-lo.
O broche estava sobre a mesa, como sempre, desde o momento em que ela o pegou do chão do beco. Clara não sabia exatamente o que fazer com ele. Durante a noite, se perguntou várias vezes se deveria jogá-lo fora, esquecer de tudo o que acontecera, mas a simples ideia de fazer isso parecia errada. Ele estava ali por uma razão, isso ela sentia em cada fibra de seu ser. Algo dentro dela dizia que o broche tinha algo mais a oferecer, algo que ela ainda não compreendia completamente.
Ela não queria saber. Ao mesmo tempo, sabia que não poderia seguir em frente sem descobrir.
Seus pensamentos ficaram dispersos enquanto ela se preparava para o trabalho. O ritual matinal de tomar café, vestir a roupa e sair apressada para o escritório parecia monótono, como sempre. Mas algo havia mudado dentro de Clara. A cidade, que ela sempre via como uma entidade distante e sem vida, agora parecia ter camadas mais profundas, como se houvesse algo oculto por trás de cada esquina, de cada beco e de cada rosto que ela encontrava. A cidade a observava, ela sentia isso. A cidade sabia o que ela estava escondendo.
O som da metrópole preencheu os seus ouvidos enquanto ela se dirigia para o trabalho. Os carros passavam apressados, as pessoas se esbarravam nas calçadas, falando ao telefone ou indo de um lugar a outro como se fossem peças de um grande tabuleiro de xadrez. Clara não era diferente. Ela andava apressada, sem olhar para os lados, sem querer se envolver com o que estava ao seu redor. Mas, em sua mente, as perguntas sobre o broche e o que ele representava continuavam a crescer.
A rotina do escritório era sempre a mesma. A sala de atendimento ao público, os arquivos organizados de maneira impecável, os papéis que chegavam e saíam da mesa de Clara como se estivessem sendo empurrados por um vento invisível. Seu chefe, um homem de meia-idade que se destacava pela pontualidade e pelo semblante fechado, a cumprimentou com um aceno breve, antes de se fechar em seu escritório. Clara nunca soubera se ele realmente se importava com o trabalho que ela fazia ou se apenas a via como mais uma engrenagem na máquina. De qualquer forma, a monotonia das tarefas diárias a afastava dos seus próprios pensamentos. Era um alívio, mas também um fardo.
Enquanto organizava os papéis, o olhar de Clara se desviou para a janela. Lá fora, o movimento na rua continuava frenético, mas ela não via mais a cidade da mesma maneira. As sombras pareciam mais densas, os rostos das pessoas mais ocultos. Ela tinha a sensação de que o mundo a observava, que não havia mais como escapar daquilo. A ideia de que o broche tinha algo a ver com o que ela estava vivendo começou a se infiltrar em seus pensamentos de forma mais intrusiva. Mas, ao mesmo tempo, ela tentava se convencer de que estava exagerando. Não poderia ser. Era só um broche. Apenas um objeto estranho encontrado por acaso. Não havia razão para que sua vida tivesse mudado tanto por causa dele.
Mas, por mais que tentasse se convencer disso, algo em seu peito dizia o contrário. Algo dizia que o segundo tom estava perto, mais perto do que ela imaginava. E que, talvez, ela já estivesse mais envolvida nisso do que gostaria.
O dia passou lentamente, como sempre. As horas se arrastaram, os minutos pareciam intermináveis. Clara cumpria suas tarefas de maneira automática, respondendo e-mails, atendendo telefonemas, arquivando documentos. No fundo de sua mente, tudo o que ela conseguia pensar era sobre a noite no beco, o sangue, o broche e a estranha sensação de estar sendo observada por algo que ela não compreendia.
No final da tarde, quando o expediente chegou ao fim, Clara pegou sua bolsa e se levantou para ir embora. Ela estava cansada, mas havia algo em sua mente que a impulsionava a ir até a livraria que ficava próxima ao escritório. Talvez uma distração fosse o que ela precisasse para afastar os pensamentos inquietantes.
A livraria era um lugar aconchegante, com prateleiras que se estendiam até o teto e o cheiro acolhedor de livros novos misturado ao de páginas envelhecidas. Clara sempre gostara de ir lá, apesar de raramente comprar algo. Era um lugar onde ela se sentia em paz, como se estivesse em um refúgio contra o caos do mundo exterior.
Ela percorreu os corredores da livraria com os dedos deslizando pelas lombadas dos livros, parando de vez em quando para olhar um título ou outro. A sua mente, no entanto, não estava no lugar. Estava longe, perdida nos próprios pensamentos, tentando entender o que estava acontecendo com ela. O que era esse mal-estar que a seguia? Por que a sensação de que algo estava prestes a acontecer nunca a deixava?
Clara se afastou da seção de ficção e foi até a área de livros sobre história e filosofia, onde costumava encontrar algo que a interessasse. Ela estava em busca de respostas, algo que explicasse o que ela estava vivenciando. Talvez um livro sobre o inconsciente, ou sobre mitologia, poderia ajudá-la a encontrar algum padrão nos eventos recentes. Mas, enquanto vasculhava as prateleiras, algo fez seu coração bater mais rápido.
Um livro antigo, com uma capa desgastada e sem título visível, estava escondido entre dois outros volumes. Clara pegou o livro com uma curiosidade súbita e o abriu, sem saber exatamente o que procurava ali. As páginas estavam amareladas, e as palavras estavam escritas em uma caligrafia elegante, mas difícil de ler. Ela folheou rapidamente, até que uma passagem chamou sua atenção.
“A cada tom de vermelho, uma verdade é revelada. A cada novo tom, o véu da realidade se afasta, expondo o que deve ser visto. Mas cuidado, pois, quando a última camada for desvendada, o preço será mais alto do que você imagina.”
Clara parou, os dedos tremendo levemente ao segurar o livro. O que isso significava? A frase parecia ter sido escrita para ela, como se tivesse sido deixada ali propositalmente. Ela virou a página, mas o texto seguinte estava borrado, quase ilegível. O mistério do livro a deixou ainda mais inquieta, mas algo dentro dela também se sentiu compelido a continuar.
Ela fechou o livro com rapidez, tentando afastar a sensação de que estava se aprofundando demais em algo que ela não compreenderia. Mas, ao olhar para a capa, agora sabia que não poderia ignorar aquilo. Havia uma ligação, ela podia sentir isso no fundo de sua alma. O que quer que o broche significasse, o livro havia confirmado: ela estava no caminho certo. Mas o que isso significava para o futuro dela? Para a sua própria vida?
A livraria parecia mais escura de repente, como se o tempo tivesse parado. Ela não queria saber mais, mas sabia que não podia evitar. O segundo tom estava mais perto do que nunca. E agora, Clara sabia que sua vida nunca mais seria a mesma.
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Atualizado até capítulo 30
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