Dez Tons De Vermelho

Dez Tons De Vermelho

A Primeira Mancha

O céu daquela noite estava manchado de cinza, como uma tela incompleta que esperava por suas primeiras pinceladas de cor. Clara caminhava pela rua estreita e silenciosa, sentindo o peso de um mundo que parecia sempre à beira de desmoronar. As luzes dos postes piscavam como estrelas artificiais, e o ar frio cortava sua pele com a precisão de uma navalha.

Ela apertava o casaco contra o corpo enquanto seus passos ecoavam pela calçada molhada. À sua volta, a cidade parecia um organismo vivo, pulsante, mas exausto. No entanto, havia algo diferente naquela noite, algo que fazia os pelos de sua nuca se arrepiarem.

Foi quando Clara viu.

No beco entre dois prédios decrépitos, uma poça vermelha reluzia à luz amarelada de um poste. Ela hesitou, o coração batendo forte. Aproximou-se com cuidado, os olhos fixos na mancha que, à primeira vista, parecia tinta. Mas ao chegar mais perto, o cheiro metálico denunciou a verdade: era sangue.

O sangue formava um desenho estranho, quase deliberado, como se alguém tivesse pintado o chão com uma mensagem que ela não conseguia decifrar. Havia linhas curvas, círculos imperfeitos, e algo que lembrava uma assinatura, embora fosse ilegível.

Clara olhou ao redor, mas o beco estava vazio. Um frio diferente percorreu sua espinha – não o frio do clima, mas o frio do medo. De repente, ela ouviu um ruído. Passos.

— Quem está aí? — ela perguntou, a voz trêmula.

Uma figura emergiu das sombras, envolta em um manto que parecia absorver a pouca luz ao redor. Os olhos do estranho brilhavam como brasas, fixos nela com uma intensidade que fazia seu coração quase parar.

— Você não deveria estar aqui — disse a voz rouca e grave.

Clara deu um passo para trás, mas tropeçou e caiu de joelhos, sentindo o chão frio contra a pele. O homem se aproximou lentamente, como um predador que sabia que sua presa não tinha para onde fugir.

— O que significa isso? — ela perguntou, apontando para o sangue.

Ele inclinou a cabeça, um sorriso ligeiramente curvado surgindo em seus lábios.

— É apenas o primeiro tom.

Antes que Clara pudesse perguntar o que aquilo significava, a figura desapareceu na escuridão, como se nunca tivesse estado ali. Ela ficou ali, sozinha, respirando com dificuldade, encarando a mancha de sangue que parecia brilhar mais intensamente sob a luz fraca.

Aquela era apenas a primeira noite. E o primeiro tom de vermelho.

Clara ainda estava ajoelhada no chão frio quando percebeu que algo mudara no ar ao seu redor. O silêncio da noite não era mais apenas o vazio natural de uma rua deserta; era pesado, opressor, como se a própria cidade prendesse a respiração. Ela olhou para a poça de sangue mais uma vez, tentando encontrar algum sentido no padrão estranho, mas o desenho parecia vivo, quase pulsante sob a luz do poste.

Então, ela notou.

No canto do beco, algo refletia a luz amarelada. Um pequeno objeto, parcialmente escondido sob uma pilha de lixo. Clara hesitou. Cada instinto gritava para que ela se afastasse, mas a curiosidade era mais forte. Com mãos trêmulas, esticou o braço e puxou o objeto para si.

Era um broche. Oval, com bordas douradas desgastadas e um fundo vermelho profundo, como se estivesse tingido de sangue. No centro, havia uma gravura delicada: uma rosa cercada por espinhos. Por um momento, Clara ficou hipnotizada pelo artefato. O vermelho parecia mudar de tom conforme ela o movia sob a luz.

Um som cortou o ar. Uma risada.

Clara girou o corpo, mas o beco estava vazio. Ou quase. Porque, no limite da sua visão periférica, havia algo. Não alguém, mas algo. Uma sombra que não deveria estar lá, com contornos que desafiavam a lógica.

Ela se levantou apressada, o broche ainda em sua mão, e correu para fora do beco. A sensação de estar sendo seguida era tão palpável que ela não ousou olhar para trás.

Ao chegar em casa, fechou a porta com força, trancando-a com todas as fechaduras disponíveis. Foi só então que olhou para a mão que segurava o broche.

O sangue que escorria de seus dedos não era dela.

E o vermelho no broche brilhava como fogo vivo.

...

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