O Segundo Tom

Capítulo 2

Clara passou a noite inteira sem dormir, o broche ainda repousando sobre a mesa de cabeceira, como se a cada instante chamasse sua atenção. O som do vento batendo nas janelas e o farfalhar das folhas no jardim pareciam mais distantes, como se o tempo tivesse desacelerado ao redor dela. Cada vez que seus olhos se fechavam, uma imagem da sombra do beco a perseguia, aqueles olhos brilhando como brasas em uma escuridão impenetrável.

Ela não sabia o que havia acontecido ali, naquela rua. Não entendia o que o homem queria com a ameaça de um “primeiro tom”. E, o pior de tudo, o que significava aquele broche? Clara tocou nele pela manhã, como se esperasse que algo acontecesse, mas nada mudou. Era apenas um objeto inofensivo, certo? Ou será que ele possuía algum poder sombrio?

O dia passou como uma névoa densa, sem clareza. As horas se esticaram em um ciclo interminável de incertezas. Clara tentou ir ao trabalho, mas a sensação de desconforto era insuportável. Não conseguia se concentrar, nem manter a mente fixa nas tarefas diárias. Seu pensamento se dispersava sempre que ela tentava se distrair. Cada passo que dava era como se o chão debaixo dos seus pés fosse mais frágil.

Quando a noite finalmente chegou, ela sabia que precisava voltar àquele beco. Algo em sua mente a empurrava para lá, como um ímã invisível. E, mais importante, o broche parecia chamar por ela de uma maneira inexplicável. Por que ele estava ali, naquele momento, na sua vida? O que ele tinha a ver com o sangue no chão, com a sombra ameaçadora, com o homem que sussurrou as palavras que até agora martelavam em sua cabeça: “É apenas o primeiro tom”?

Decidida, Clara vestiu um casaco grosso e saiu de casa. O ar da noite estava gelado, mas o frio parecia ser a menor das suas preocupações. O caminho até o beco estava vazio, mas não vazio o suficiente para fazer com que ela se sentisse tranquila. Cada passo ecoava em sua mente, enquanto ela se aproximava do ponto onde tudo começara.

A rua parecia diferente à noite. A iluminação das lâmpadas de poste agora era fraca e distorcida, como se estivesse tentando esconder algo. Clara sentiu uma sensação de déjà vu ao chegar na esquina, como se já tivesse percorrido aquele caminho milhares de vezes, e, ao mesmo tempo, nunca tivesse estado ali antes. Quando virou a esquina e entrou no beco, o que encontrou foi exatamente o que ela temia: mais sangue.

A poça vermelha estava maior agora, espalhando-se como uma mancha grotesca sobre o asfalto. Clara parou, o ar lhe faltando momentaneamente. A mesma sensação de medo tomou conta de seu corpo. E foi então que ela percebeu que não estava sozinha.

Dessa vez, o homem não estava nas sombras. Ele estava ali, à vista, parado diante dela, como se tivesse aparecido do nada. Sua presença era inconfundível, como se ele tivesse sido moldado pela própria noite. O manto escuro que ele usava parecia ser feito da própria escuridão. Seus olhos, ainda ardendo em um brilho intenso, estavam fixos nela. Clara sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

— Você voltou — disse o homem, a voz mais profunda e rouca do que ela lembrava.

Clara deu um passo para trás, o broche apertado em sua mão. O que ele queria dela?

— O que está acontecendo? — sua voz soou mais fraca do que ela esperava.

Ele sorriu, mas não era um sorriso acolhedor. Era um sorriso frio, que não chegava aos olhos.

— Você já começou a entender, Clara. Está vendo o que acontece quando você toca o broche? — ele apontou para o objeto em sua mão.

Clara olhou para o broche, e pela primeira vez, algo dentro dele pareceu pulsar. O vermelho intenso parecia mais vivo do que nunca.

— O que ele significa? — ela perguntou, sentindo que estava na beira de uma revelação, mas sem saber como alcançá-la.

— Ele é a chave, Clara. A chave para os outros tons. O primeiro já está aqui. E o segundo... — ele fez uma pausa dramática, olhando para a poça de sangue no chão.

Clara olhou para o sangue e, de repente, tudo fez sentido. A mancha parecia estar desenhada de forma a formar uma nova figura, algo que ela não conseguia decifrar, mas que parecia tão familiar. Como se tivesse visto aquela forma antes, em um sonho ou em algum lugar distante.

— O segundo tom... — ela murmurou, mais para si mesma do que para o homem.

Ele assentiu lentamente.

— O vermelho é mais do que uma cor, Clara. Cada tom tem seu significado. E cada tom traz uma consequência. Quando você tocar o terceiro, você terá cruzado a linha. Não há volta depois disso.

A pressão no peito de Clara aumentou. Ela não sabia se estava pronta para o que ele estava sugerindo. Mas o que aconteceria se ela desistisse? O que aconteceria se ela não descobrisse o que tudo isso significava?

Ela não queria ser fraca, mas a dúvida e o medo estavam começando a dominá-la. O que mais ela teria que perder?

O homem deu um passo à frente, como se soubesse exatamente o que ela estava pensando.

— Lembre-se, Clara. O vermelho nunca é apenas vermelho. Ele é a porta para outros mundos, outras realidades. E você está mais perto do que pensa de cruzar para o próximo.

Clara sentiu o broche vibrar novamente. Era como se algo estivesse se movendo dentro dele. A luz da rua piscou, e, por um breve momento, ela jurou ter visto uma figura atrás do homem, uma sombra distante, mais alta e mais assustadora. Mas quando piscou os olhos, a figura desapareceu.

Ela respirou fundo. O caminho à sua frente estava mais claro agora, mas também mais perigoso. Ela não podia voltar atrás.

— Então, o que devo fazer? — Clara perguntou, a voz agora firme, como se estivesse decidida a descobrir a verdade, não importando o custo.

O homem sorriu novamente, e suas palavras ecoaram no ar, como se fossem uma sentença.

— Você já sabe o que precisa fazer. Apenas não se arrependa quando o segundo tom chegar.

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