Capítulo 4

Samara

— O que aconteceu comigo? — tomei um gole do meu café esperando que ele me iluminasse com sua resposta.

— Hein? — Kai continuou devorando uma panqueca com calda.

— Estes dias. Eu... Eu não era eu, não sei como explicar. Era como se algo dominasse meu corpo e eu fosse uma mera espectadora. Veja, não é que eu seja uma santa, mas jamais teria dito as coisas que disse nem teria feito tudo o que fiz, e menos ainda com um desconhecido se estivesse em meus sentidos. Por favor, esqueça estes três dias, sim? — expliquei irritada e sobrecarregada pela vergonha que sentia.

O loiro me dedicou um olhar de compreensão, deixando o garfo com um pedaço de panqueca no prato.

— Samara, o que você sabe sobre os metamorfos?

— Você se refere a lobisomens e essas coisas? — ele assentiu — São personagens de histórias de terror, contos...

— Você sabe que é uma loba, certo? — perguntou divertido o loiro, erguendo uma sobrancelha — O que é a última coisa que você lembra antes de acontecer tudo aquilo da — fez uma pausa como buscando as palavras adequadas — da sua mudança de atitude?

— Eu estava com minhas amigas em um bar e de repente comecei a me sentir mal e a ter muito calor. Depois senti como se tivesse algo dentro de mim, algo que lutava para sair. Tive que sair correndo e depois, depois... — meus olhos se encheram de lágrimas ao lembrar da terrível dor de meus ossos se partindo. Kai agarrou minha mão e um formigamento se espalhou por onde roçava minha pele — Senti como se todos os ossos do corpo se quebrassem e se deslocassem e depois me transformei em uma loba.

— Você nunca tinha se transformado antes? — perguntou sem me soltar. Seu polegar fazendo pequenos círculos no dorso da minha mão. Neguei com a cabeça em resposta à sua pergunta.

— Que idade você tem?

— Vinte e três — ele ficou pensativo — O que está acontecendo?

— Oh, nada, nada — disse despreocupado — Só estava preocupado que você fosse menor de idade.

— Não, pode ficar tranquilo, não sou uma criança. Que idade você tem? — seria que ele era muito mais velho e por isso se preocupava com a minha idade? Não parecia que ele tinha mais de vinte e poucos anos.

— Tenho 28.

— Então — disse voltando ao tema principal — O que aconteceu comigo? Você também se transforma em lobo? — separei minha mão da de Kai e me servi mais café.

— O que aconteceu com você foi que você experimentou sua primeira transformação. Da próxima vez não doerá tanto, prometo —

— O quê? Ah, não, não, não. Não haverá uma próxima vez. Não penso em me transformar novamente nunca. Tem que haver uma maneira de controlar isso, não é? Você me ensinará a controlar para que não aconteça outra vez, certo? — me levantei deixando a xícara na mesa, só de pensar que deveria passar outra vez por aquelas terríveis dores fez com que minha ansiedade disparasse.

— Ei, calma — Kai se levantou de um salto e me envolveu em seus braços. Por alguma razão, seu aroma, que horas antes me excitava muitíssimo, agora me acalmava — Você não voltará a se transformar enquanto você não quiser. Te prometo que essa dor só é experimentada na primeira vez, mas até que você não esteja preparada, não faremos com que você volte a se transformar.

— E se eu não estiver preparada nunca? — afundei minha cabeça em seu peito inalando seu delicioso aroma.

— Nesse caso, você não voltará a se transformar — notei como ele beijava a parte alta da minha cabeça.

— Obrigada — sorri enquanto me separava de seu corpo e voltava a me sentar no banquinho.

— Seus pais nunca te disseram nada, nunca os viram se transformar? — o loiro voltou ao seu ataque às panquecas.

— Meus pais não são meus pais biológicos, sou adotada. Não acho que eles saibam o que sou. Tenho que falar com eles.

— Você não é da cidade Ametista, certo?

— Não, sou de Greenforest. Vim com uma amiga ver a prima dela que mora aqui e passar o fim de semana. Ai, meu Deus! Lina vai me matar! — nesse momento fui consciente de que tinha saído do bar sem dizer nada, deixando todas as minhas coisas e que minha amiga, possivelmente, teria mobilizado até o exército para me encontrar. — Você tem um telefone? Tenho que ligar para minha amiga.

— Claro, espera — Kai saiu da cozinha e em segundos o tinha me entregando um smartphone de última geração.

Marquei o número da minha amiga e ela atendeu na primeira chamada.

— Alô.

— Lina, sou eu.

— Samy! Onde diabos você está? Estava muito preocupada.

— É uma história um tanto estranha, mas estou bem.

— Você deixou suas coisas no bar e desapareceu. Estava muito preocupada! Fiquei te procurando, mas... — ela ficou um momento calada — Você foi embora com alguém? — perguntou indignada.

— Sim, fui embora com alguém, de fato, continuo com esse alguém — sussurrei para que Kai não escutasse — Mas não é o que você pensa, Lina. Aconteceu algo comigo, algo horrível, você não vai acreditar, eu...

— Algo horrível vai acontecer com você quando eu te pegar, Samy! Sabe o quão preocupada eu estava? Liguei para a polícia, Cristal ligou para o namorado dela, tenho metade da cidade Ametista te procurando e você estava com alguém! — Lina estava realmente irritada.

— Não é o que você pensa! — me defendi — Fui embora porque aconteceu algo comigo. Comecei a me sentir mal, como se algo dentro de mim quisesse sair e... — não sabia se minha amiga ia acreditar em mim. Como ela ia acreditar em algo assim?

— Você se transformou em loba — afirmou.

— O quê? Como? Como você sabe...? — meu cérebro estava tendo um curto-circuito neste momento.

— Porque eu também sou uma loba.

— Queeeeeee? Como assim você é uma loba? Como você pôde me esconder algo assim, Lina? Sabe o quão aterrorizada eu estava sem saber o que estava acontecendo comigo? — rosnei, agora quem estava realmente irritada era eu.

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