O som da chave girando na ignição do carro novo ainda arrancava um sorriso de Erika. Era um modelo simples, nada luxuoso, mas para ela, simbolizava liberdade. Havia comprado com o dinheiro da herança do pai — um gesto que a fazia sentir orgulho e dor ao mesmo tempo. Não era o carro em si, mas o que ele representava: o recomeço.
Quando deixou a casa da família de Leon, saiu apenas com a roupa do corpo e a dignidade ferida. Não quis discutir bens, muito menos lutar por algo que sabia que viria acompanhado de mais humilhações. Preferiu recomeçar com o pouco que tinha. Trabalhou duro, aceitou o que aparecia, deu aulas em bancas de cursinhos, reforço escolar, até em supermercados — e nunca abaixou a cabeça.
Agora, estava vivendo um novo momento.
Havia conseguido o cargo de coordenadora em uma escola de ensino fundamental, uma instituição particular bem estruturada e respeitada. A entrevista fora um sucesso, e o currículo sólido em pedagogia, somado à sua experiência de vida, pesaram a seu favor. No dia em que recebeu a ligação da diretora com a notícia, chorou por quase uma hora com a mãe, Laura, ao seu lado.
Foi então que tomou outra decisão: alugou um pequeno apartamento para morar com a filha, perto da escola. Um lugar só delas, com móveis novos escolhidos com cuidado, cores claras, quadros nas paredes, flores na varanda. Cada detalhe era um lembrete de que ela estava livre. E viva.
Naquela manhã de sexta-feira, Erika estava na sala da escola organizando a semana pedagógica quando Isis lhe mandou uma mensagem.
📱 “Amiga, hoje vou passar no fórum no fim da tarde. Vai estar por lá?”
📱 “Sim. Vou entregar uns documentos na vara da infância. Nos encontramos lá?”
📱 “Perfeito. Talvez o juiz apareça... aquele lá. 👀”
Erika riu, mas sentiu o estômago leve. Desde o encontro na praia, há poucos dias, ela não conseguia parar de pensar em Guilherme. O jeito como ele falava. O modo como olhou para ela sem julgamento, sem pena. Como homem. Fazia anos que não se sentia vista assim.
No fim da tarde, com o sol já mais baixo, Erika caminhava pelos corredores do fórum com sua pasta sob o braço. Usava um vestido azul marinho que marcava sua cintura com elegância. Clássica, mas com um toque de feminilidade que ressurgia aos poucos. Cabelos soltos, maquiagem leve, salto discreto.
E foi então que o viu.
Guilherme, de paletó cinza escuro, parado próximo à recepção da sala da infância. Ele estava lendo algo, mas levantou o olhar ao sentir a presença dela. Um sorriso discreto surgiu em seus lábios.
— Boa tarde, doutora Erika.
Ela parou, sentindo o coração dar um pequeno tropeço.
— Boa tarde, doutor Guilherme… não precisa do “doutora”, pode me chamar só de Erika.
— Então só se me chamar de Guilherme também — respondeu, e os dois sorriram.
Houve uma pausa. Um daqueles silêncios confortáveis que dizem mais do que muitas palavras.
— Está bem? — ele perguntou com gentileza.
— Estou… reconstruindo. Mas estou bem, sim.
Ele assentiu devagar.
— Você parece estar indo muito bem.
Ela agradeceu com um olhar tímido, mas confiante.
E antes que a conversa pudesse se encerrar, ele completou:
— Não costumo fazer isso, mas… se algum dia quiser tomar um café, fora dos corredores do fórum… me avise.
Erika congelou por um segundo. Não esperava. Não naquele momento.
Mas sorriu. Um sorriso verdadeiro, de mulher que está voltando a acreditar.
— Eu te aviso sim, Guilherme.
E ali, entre paredes de justiça e histórias quebradas, um novo capítulo começou a ser escrito.
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Atualizado até capítulo 45
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