Capítulo 4 – Vozes e Desencontros
Yon girava a caneta entre os dedos, olhando para o celular sobre a mesa. O número desconhecido piscava na tela, como se o provocasse.
— Conhece esse número, Nicolas? — perguntou, entregando o aparelho ao secretário.
Nicolas ajustou os óculos e analisou. — Não. Por quê?
— Me ligaram ontem à noite. E quase ninguém tem esse número. — O olhar de Yon ficou pensativo, fixo na tela, como se tentasse decifrar o mistério.
— Deve ter sido engano, senhor. Alguém que discou errado. É só ignorar se voltar a ligar.
Mas Nicolas conhecia bem aquele olhar. O chefe estava intrigado. Curiosidade era seu ponto fraco.
— Sabe de uma coisa? — Yon encostou-se na cadeira, cruzando os braços. — Descubra pra mim quem é a dona desse número.
— O senhor quer que eu... investigue?
— Exatamente. — Um meio sorriso surgiu em seu rosto. — Quero saber quem tem uma voz tão doce e tão triste a ponto de ligar pra mim chorando.
Nicolas disfarçou a surpresa. — Certo, senhor. Vou ver o que descubro.
Quando o secretário saiu, Yon pegou novamente o celular. O polegar pairou sobre o número.
— Ligo ou não ligo? — murmurou, rindo de si mesmo. Parecia um adolescente indeciso.
Estava prestes a apertar o botão quando a secretária entrou.
— Senhor Yon, o fornecedor está aqui para a reunião.
Ele suspirou. — Mande entrar.
O mistério teria que esperar.
🌻🌻🌻
Do outro lado da cidade, Natália lutava contra o próprio reflexo no retrovisor. As lágrimas borravam o rímel e a visão.
— Que inferno! Por que eu tô chorando? — resmungou, enxugando o rosto com o dorso da mão.
O estômago ainda revirava pela ressaca e pela raiva. — Aquele estrupiço acabou com meu dia!
As palavras de Marcos ecoavam em sua cabeça como facadas. “Feia. Fria.” Ela sempre fingiu que não ligava, mas doía — doía muito.
— Otário. Estúpido. Asno! — gritou dentro do carro, buzinando sem querer.
O celular vibrou. Ela respirou fundo e atendeu.
— Pronto!
— Você tá atrasada! — rosnou o supervisor.
— Já tô chegando, chefe.
— Dez minutos, Natália, dez minutos! — e desligou.
Ela revirou os olhos. — Quando a mulher dele coloca ele pra dormir no sofá, sobra pra mim.
Pisou fundo no acelerador. Quando estacionou na empresa, saltou do carro quase correndo.
— Bom dia, Camila! — disse, pegando os papéis das entregas. — O chefe tá muito bravo?
— Tá um terror hoje — respondeu a colega. — Se puder, mantenha distância.
— Ótimo. Era tudo que eu precisava — ironizou. — Qual é meu itinerário?
Camila mordeu o lábio antes de responder. — Vila Palhoça.
Natália bufou. — De novo? É o fim do mundo, Camila!
— Eu sei, amiga. Mas alguém tem que ir, e o senhor Carvalho já tá de olho na gente.
Naty suspirou, pegou as caixas e jogou a mochila no ombro. — Eu te odeio.
Camila riu. — Não, você me ama. E vai entregar tudo antes do almoço, se quiser sobreviver.
— Tô indo, antes que ele me exorcize.
Saiu quase correndo, prometendo pra si mesma que aquele dia não pioraria.
🌻🌻🌻
Na estrada rumo à Vila Palhoça, o celular tocou de novo. Era Paloma.
— Onde você tá? — perguntou a amiga, sem sequer dizer “alô”.
— Bom dia pra você também — respondeu Naty, rindo.
— Verdade, desculpa. É que o Thiago me contou tudo. Cê tá bem?
Natália respirou fundo. — Tô, já acostumei.
— O Marcos não tem jeito! — reclamou Paloma. — Se eu soubesse, tinha dado outro tapa nele.
— Relaxa. — Naty tentou disfarçar o aperto no peito. — Não vale a pena.
— Mas vale um sorvete. — A voz da amiga amoleceu. — Quando você chegar, vamos na sorveteria. Preciso afogar as mágoas em doce.
Natália sorriu. — Combinado. Depois da décima cerveja, só sorvete salva.
— Mas sério, Naty... — Paloma hesitou. — Por que beber tanto?
Ela sabia a resposta, mas queria ouvir da amiga.
Silêncio. Só o som do motor e do vento.
— Eu só precisava, tá? — respondeu Natália, firme. — Agora tenho entrega pra fazer. Te ligo depois.
E desligou antes que Paloma dissesse o que ela mais temia ouvir: que estava na cara que amava Thiago.
Mas ela jamais admitiria. Jamais.
Enquanto o carro seguia pela estrada, o mesmo número que Yon analisava naquela manhã piscava novamente — o número de Natália.
Mas dessa vez, o toque ficou só na tela.
O destino, ao que parecia, começava a brincar com os dois.
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Atualizado até capítulo 57
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