Capítulo 3 – O soco das verdades
Naty sentia o corpo ser balançado e uma voz distante tentando atravessar a névoa em sua cabeça.
— Natália, acorda, você perdeu a hora!
Parecia a voz da mãe, mas devia ser sonho. Helena só chegava em casa depois das sete.
— Acorda! — repetiu a voz, agora seguida de um tapa seco em seu braço.
Ela abriu os olhos num susto. Tudo girava. A claridade do quarto doía como navalha.
— Até que enfim — murmurou Helena, de braços cruzados.
— Eu... que horas são? — perguntou Naty, com a voz rouca.
— Sete e vinte.
— Misericórdia! — ela se sentou de um pulo, mas o mundo rodou e o chão a recebeu de braços abertos.
De quatro, ela engatinhou até o banheiro. Ligou o chuveiro e entrou vestida mesmo, sentindo a água quente bater no corpo e o arrependimento escorrer junto.
— Natália, sua irmã disse que você chegou tarde... e bêbada.
Helena estava encostada no batente da porta, observando a filha como quem vê um filme repetido. Só havia um motivo para Natália beber daquele jeito: Thiago.
— Fui ao bar, mãe. Mas... acho que passei da conta.
Depois da décima cerveja, sua memória se apagava. Lembrava apenas de risadas, música e o vazio de quem tenta esquecer algo que não sai da cabeça.
— Termina logo esse banho — disse Helena. — Mas saiba que vai chegar atrasada no trabalho.
— Inferno... — resmungou Naty, fechando os olhos sob o chuveiro.
Helena sorriu de canto. A filha era o retrato do pai: teimosa, brava e com o coração maior do que admitia.
Quando saiu, Naty tirou a roupa molhada e prendeu os cabelos cacheados numa trança apressada. Gostava deles soltos, mas odiava chamar atenção. O boné era seu escudo.
— Vai tomar café? — perguntou a mãe da cozinha.
— Não dá tempo, tenho que buscar o carro.
— Como chegou em casa?
Helena já sabia — a filha mais nova contara que Thiago a trouxera carregada, com a ajuda de um amigo. Mas queria ouvir da própria Natália.
— Depois conversamos, mãe. Tô atrasada. — E saiu com a mochila nas costas.
Helena balançou a cabeça, suspirando. Quando a filha fugia de uma pergunta, era sinal de que a verdade doía.
🌻🌻🌻
O carro estava exatamente onde ela o deixara: meio torto na calçada, testemunha muda da noite anterior. Não era novo, mas era o bem mais precioso que tinha — fora de seu pai, que morrera dirigindo um caminhão de entregas.
— E aí, Natália, tudo bem?
A voz era conhecida e irritante. O estômago revirou.
— Tudo. — respondeu fria, sem olhar.
Mas se virou ao sentir o riso debochado de Marcos, irmão de Thiago.
— Fiquei sabendo que deu PT ontem! — zombou.
— E se dei, o problema é meu. Vai cuidar da sua vida e daquela tua mulher xexelenta.
Marcos ficou vermelho. Detestava quando ela falava da esposa, Magali.
— Pelo menos ela casou. E você? — alfinetou.
Natália gargalhou alto.
— Acha que eu ligo pra isso? Me poupe, Marcos. Vai procurar o caminhão que você caiu.
Ela abriu a porta do carro, mas ele avançou, cego de raiva.
— Vai morrer encalhada! Nenhum homem vai querer uma mulher feia e fria como você!
O sangue ferveu. Naty desceu do carro num impulso e, antes que pensasse, seu punho encontrou o rosto dele.
O estalo ecoou.
— Sua vadia! — ele rugiu, levantando o braço.
Mas uma mão firme o segurou no ar.
— Marcos, o que pensa que está fazendo? — A voz de Thiago cortou o ar como uma lâmina.
Ele observava de longe, divertido no início, mas agora o limite fora ultrapassado.
— Ela me bateu! — gritou o irmão, o rosto já inchando.
— E você ouviu o que disse pra ela? — retrucou Thiago, empurrando-o para trás. — Vai pra casa, antes que eu perca a paciência.
Natália respirava com dificuldade, o coração disparado.
— Desculpa, Naty... — tentou ele, se aproximando.
— Não. Deixa pra lá. Já basta pra uma manhã. — entrou no carro e bateu a porta.
Antes de ir, Thiago disse baixinho:
— Você não é feia.
Ela sorriu sem humor. — Não precisa mentir, Thiago. Já aceitei.
O motor roncou, e ela partiu, deixando o cheiro de gasolina e mágoa no ar.
Thiago ficou ali, observando até o carro sumir. Depois, virou-se furioso.
— Vou matar o Marcos.
Entrou na casa do irmão e o encontrou no sofá, com um saco de gelo sobre o olho.
— O que deu em você? — perguntou. — Queria ser preso?
— Eu só... quis zoar.
— Zoar? Você ainda gosta dela e não admite. Mas já passou, Marcos. Você é casado, tem um filho a caminho.
Marcos abaixou a cabeça, os olhos marejados.
— É difícil ver ela todo dia.
Thiago respirou fundo. — Então aceita aquele emprego em Blumenau. Vai embora. Fica na casa da vovó, tenta recomeçar.
— Você acha que é o melhor?
— Tenho certeza. Pra você... e pra ela também.
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Atualizado até capítulo 57
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