Chega de trabalho por hoje

Os dias passaram-se como um flash no ar. Um flash pesado e tenso, mas passaram. Mike assumiu tudo na casa e só deixou Ametista preparar os bolos nesse período porque prometeu fazer tudo sentada.

Ela ainda evitava olhá-lo nos olhos algumas vezes e se assustava com barulhos simples, o que foi dito no hospital foi apenas uma amostra de como ela estava frágil. Foi a única vez desde o ocorrido que ela saiu de casa. E não tocou mais nele também.

No início, Mike até dormia com ela, ia para cama depois que ela dormia, mas ela tinha pesadelos com o ocorrido e por alguns dias foram assim. Ela acordava gritando e ficava por horas chorando até conseguir dormir outra vez. Ele começou a dormir na sala por conta disso.

Mike aguentou tudo com ela com o coração apertado. Mesmo com as visitas dos amigos, não parecia que ela superaria tão cedo. Ele teve a chance de retribuir um pouco do que ela fez por ele e se empenhou em fazer isso, do jeito dele.

Conversou com Ruan e Rian e propôs-lhes fazerem as entregas, e eles concordaram. Bom, Rian concordou logo de cara, mas Rian teve que ser chantageado para aceitar.

Lavínia estava aprendendo a confeitar os bolos para ajudar na produção e Marcinha estava cuidando da parte de marketing digital. Todos estavam animados em começar a fazer a pequena fábrica funcionar.

Os pedidos eram em sua maioria, feitos para a padaria e confeitaria de André. O homem investiu um bom dinheiro para que ela começasse a produção o mais rápido possível e estava satisfeito com a parceria.

Eles conseguiram alugar a casa ao lado para ter mais espaço para a confecção e armazenamento dos bolos, e descongestionar a casa de Ametista que virou uma bagunça. Quando piscaram, já era fim de ano.

Aquela agitação acabou por ser uma ótima distração para Ametista, que ao longo desse tempo foi voltando a ser o que era e já sorria e cantava normalmente em suas atividades. Mike decidiu adiar a sua volta para casa para ajudá-la a se curar emocionalmente e estava feliz em vê-la sorrir outra vez, mas não apenas isso.

Com o sorriso dela, antigas sensações que haviam sido deixadas de lado, retornaram lentamente para a atmosfera da casa. Ele por vezes a pegava olhando para ele com desejo ou mordendo os lábios, mas disfarçava quando percebia que foi pega em flagrante.

Já havia mais contato novamente entre os dois, mas Mike queria esperar um pouco mais. Ele havia esperado por todos os meses desde que acordou, mais alguns dias não o mataria. Era um recorde para ele.

Faltando um dia para a véspera de Natal, Ametista estava agitada com os pedidos de panetone e chocotone ainda. Com as encomendas maiores adiantadas, ela abriu alguns dias para fazer kits gourmet e estava louca com os pedidos em cima da hora que tinha que entregar.

Ela não pensou que fosse dar tão certo. Ametista embalou os últimos vinte e jogou-se no sofá cansada da correria do dia.

— Cansada, pequena? – Mike a pegou distraída.

— Quebrada, carcumida... cansada é apelido! – Ela virou para ele. – só esperando os gêmeos chegarem pra fechar aqui e ir tomar um banho pra ficar na minha cama no para sempre de hoje!

— Eu juro que um dia vou descobrir como você faz isso.

— Isso o quê?

— Inventa esses termos filosóficos pra narrar a própria vida de forma cômica.

— ‘Cê quer dizer como posso ser tão sem noção, né?!

— Também.

— No dia em que a NASA vier, tu descobre! – ela deu um sorriso travesso para ele.

— Eu amo esse sorriso, sabia?!

— Só isso?

Mike engoliu em seco, ela mudou de postura tão rápido, ele não estava preparado... o corpo dele começou a se agitar e ele sentou ao lado dela se segurando para não agarrá-la ali mesmo. A qualquer momento alguém podia chegar.

Ametista estava mais segura de si e não via a hora de conseguir tocá-lo outra vez. Ela se pegava pensando no dia em que eles se pegaram no sofá... os beijos aleatórios... o boquete tântrico... mesmo fazendo de tudo pra disfarçar o desejo que corria por suas veias. Ela não aguentava mais.

— Não fala assim, pequena. Isso... me provoca.

— Agora não posso mais falar, é isso?

— Pequena... – Mike mirou os lábios dela com os olhos escuros de luxúria.

— Fala, Mik! Sabe o quanto eu gosto de ouvir sua voz? – Ela sorriu se insinuando.

— Não brinca assim... – as mãos dele já estavam nas coxas dela.

— Assim... rouca, fica melhor ainda. – ela passava a ponta da língua nos lábios sorrindo.

— Ametista... – ele disse baixinho. Os olhos fixos nela.

— Mike... – ela sussurrou de volta sem desviar o olhar.

A respiração de ambos já estava pesada, Mike se aproximou devagar, a pôs nos braços dele com cuidado e a beijou lentamente. Suas línguas dançavam famintas por mais um do outro em uma dança sensual os fazendo gemer durante o beijo e as carícias só intensificaram as sensações. Ela adorava aquele mix de pegada firme com carinho que ele tinha com ela.

Quando as coisas iam esquentando eles ouviram o barulho do bonde chegando e se separaram com certa relutância,

Mike voltou para o computador e Ametista foi dar uma última conferida nas encomendas.

Quando todos entraram na sala, suspeitaram do que estava rolando; Mike estava sem camisa e todo vermelho, não estava tão quente assim para tanto. Sem deixar de mencionar que ele não ficava sem camisa. Ametista estava normal, mas olhava para os produtos embalados de forma estranha.

Lavínia e Marcinha se olharam, depois olharam para Juninho e caíram na gargalhada. Ametista acabou rindo junto, pois já conhecia os seus amigos. Rian encarou Mike por um tempo avaliando a sua postura, mas quando o mesmo virou-se para ele, desviou o olhar e foi direto pegar as entregas e saiu.

Ruan foi atrás com a parte dele ainda rindo, deu uma piscadela para Ametista com um sinal de “joinha” e saiu também. Marcinha se aproximou da amiga que estava limpando o que faltava para fechar a fábrica.

— Dando uns amassos, não é, Linn?!

— Do que tu tá falando, doida?

— Desse ponto meio avermelhado aqui... – ela apontou para os seios de Ametista. – desse outro aqui...

— Para, Marcinha! Posso mais beijar o meu namorado não?! Foi só isso!

— Ainda não conseguiu ir mais longe que isso, gata? – Lavínia finalmente parou de olhar para Mike trabalhando sem camisa e falou algo.

— Não é fácil assim superar o que ela passou, Lavínia! Tu devia era parar de ficar secando o boy da tua amiga e se preocupar mais com ela. Se continuar assim, vai se tornar a segunda Mara!

— Não sou tão idiota, Márcia! Sem ofensas, Lavínia! – Mike disse de repente da sala.

— Tu não és perfeito, Mike! Pode com certeza não ser eu, mas pode ser outra!! Tu nem lembra da tua vida! E não, não ofendeu.

— Ganhou mais um ponto comigo, Mike! Se continuar assim, não vai demorar muito pra eu deixar você casar com a Linn! – Marcinha brincou.

— Vou anotar isso! Por favor, continuem! Não quero atrapalhar. – Mike disse num tom divertido, sem desviar os olhos do computador.

— Deus me livre! Não sou santa, mas me comparar com aquela desqualificada?! Aí já é demais, puta eu não sou!! Peguei o Rian depois que terminaram, ‘cês já sabem!

— Até porque dessa vez, não vai sair barato uma traição, fica o aviso!

— Mesmo que eu quisesse, o teu boy ignora as pessoas de uma forma tão chique que deixa a gente até mal. Ele é um gato?! De fato é! Mas não pegaria ele, amiga.

— Então já pode parar de secar o cara, né?! – Marcinha deu três tapinhas no ombro de Lavínia. – temos mais o que fazer.

— Eu já fiz a minha parte! Ametista, está melhor?

— Estou sim, Lavínia.

— Ótimo! Já não precisa mais da minha ajuda. Tô indo e nunca mais volto! Trabalhar não é nada que eu goste de fazer.

— Vai viver de fotossíntese? Porque sem cuidado, até árvore seca! – Ametista retrucou.

— Vou achar o meu boy da carruagem dourada! – Lavínia ignorou a todos.

— Rian só tem uma academia e uma casa com piscina de herança que ainda vai ter que dividir com o irmão. Porque o carro, o pai deles não deixa eles usarem! Ao menos vai ficar em forma pra sempre! – Marcinha zombou da amiga. – Ah! A beldade lá também não quer trabalhar tão cedo, tá?!

— Ai, me deixem em paz! Desde quando o que eu faço da minha vida interessa a vocês?

— Desde quando tu veio correndo pra gente te ajudar a se livrar daquele maluco do Abel que queria te espancar. Somente! – Ametista a relembrou.

— Ainda tem outros casos interessantes sobre isso... – Marcinha começou.

— Ah, caralho! Começou a inquisição? A forca ou a fogueira já estão me esperando ou o quê? Só quero encontrar um homem maduro, estabilizado e que realmente goste de mim.

— Com os moleques que tu arruma, ninguém diz ser o oposto que tu tá procurando. Acho melhor consertar o radar, amiga. Tá quebrado! – Marcinha brincou enquanto ajudava Ametista com as embalagens por guardar.

— Ué! Miss filha de marinheiro. Vai conhecer os filhos dos amigos do seu pai então! Tá aqui na favela porque quer! – Ametista jogou. – ele veio te buscar e não quis morar com ele.

— E aturar a namoradinha ridícula dele? Nem morta! Minha pensão é o suficiente!

— Mas atura o marido ridículo da tua mãe! Trocou seis por meia dúzia e ainda pensa que é esperta. – Marcinha riu.

Ametista só sabia rir das duas, elas se alfinetavam sempre.

— Querer um bom relacionamento é pecado? Um homem que possa me proporcionar o melhor é o que eu quero, uai!

— Com esse pensamento tu só vai arrumar problema. Adoro homens... e dinheiro então, nem se fala! Tu sabe, mas não quero depender financeiramente de um. Trabalhar não mata ninguém!

— Ah! Falou a que estava louca no dono da lanchonete que trabalhava. Me poupe, Marcinha!

— E não ficamos juntos! Mike estava certo, então só aproveitei a minha vontade e saí. Estava louca no homem, não no dinheiro dele! Quantos homens com dinheiro eu já dispensei por serem completos idiotas? Inclusive uns que você julgava que eram perfeitos! Mas bom, faz o que tu quiser, baby! Não estarei lá quando tu se der mal, tô avisando antes. Ainda mais você, Lavínia, só atrai homem problemático.

— Melhor que você que não arruma homem nenhum! Tá mais pra hospedaria de “picas” isso aí. Quando vai namorar sério?

— Embora goste muito de “picas”, a minha vida não gira em órbita delas, Lavínia! Sou bem resolvida quanto a isso e não preciso de uma fachada de relacionamento pra ter uma vida sexual ativa para que ninguém me julgue. Tô nem aí! Vou correr atrás do meu dinheiro e quando for a hora, vou encontrar alguém que me deixe como Mike deixa Ametista.

— Toda marcada de uns amassos? – Lavinia arqueou a sobrancelha com sarcasmo.

— Não, idiota! Com os olhos brilhando nível ciclope! Se não for assim, nem quero! – ela riu.

Mike ouvia tudo se divertindo com o assunto. Aprendeu a gostar dos amigos dela e já nem ligava para a falta de filtro deles em certos assuntos.

Mas a melhor amiga de Ametista era sem dúvidas a que ele mais gostava, tanto pela personalidade quanto pelas atitudes. Ela sabia o que queria e não ligava para opiniões, aproveitava a vida, mas mantinha os pés no chão. Ele queria saber o que aconteceria quando ela e Elias se vissem.

Ametista ainda estava de pé ouvindo o debate em meio a risos. Ela amava as suas amigas e mais ainda a implicância que elas tinham entre si.

— Meninas, o papo está ótimo, mas temos que fechar aqui. Lavínia, obrigada por me ajudar esse mês, você se saiu muito bem pra quem não gosta de trabalhar.

— Não gostar não tem nada a ver com saber fazer ou não. – Lavínia cruzou os braços. – Eu só não gosto de fazer!

— Mesmo assim. Obrigada por tudo! Vou procurar outra pessoa depois... agora estou entrando de férias! – Ametista terminou de limpar a mesa e bateu palmas.

— Foi bom ajudar, mas não conte mais comigo. Isso tudo é tentador demais e preciso manter a forma. Então, não se acidente! Minha cintura aumentou dois centímetros e apareceu uma espinha aqui, ó! – ela apontou para o rosto.

— Que tragédia, a tábua estufou! – Marcinha riu alto e puxou a amiga pelo braço. – vamos embora, Lavínia!

— Tchau, meninas. – Ametista acenou rindo das duas. – não se matem na saída!

— Então tira essa estraga prazeres do meu lado, Linn! Vou acabar esganando a Márcia! – Elas saíram discutindo deixando Mike e Ametista sozinhos novamente.

Assim que elas saíram, Mike levantou e foi até Ametista a pegando no colo e a enchendo de beijos.

— Vamos? Chega de trabalho por hoje!

— Deixa eu fechar tudo e saímos, tá?

— Tudo bem. Vou desligar o computador.

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