...HORAS ANTES… ...
...(PARTE DOIS)...
EU CONHECI ANTONIA QUANDO tinha meus doze anos de idade. Quando passei a ser membro de uma Igreja que ficava perto de casa. Minha mãe e ela eram bastante amigas, com algumas experiências de vida em comum. Naquela época, eu estava em luta contra todo o sentimento que aflorou dentro de mim — a minha sexualidade ficando em evidência, incomodando a minha família, a igreja. Algumas pessoas me exortaram por causa do meu comportamento, e eu tentava mudar para não ter que ouvir cada absurdo sobre os meus trejeitos serem uma aberração e que me levariam direto para o inferno — sim, isso mesmo e entre outras coisas.
A minha negação me deixava cada vez mais deprimido e Antonia notou. Ela passou a querer me ajudar de alguma forma, transmitir conforto em meio a minha própria dor. Confesso que, quando fiz meus dezoito anos — e aconteceu um rebuliço na Igreja —, ela finalmente conseguiu ser de grande ajuda.
Antonia não frequentava mais o Templo, embora mantivesse a própria fé. Na nossa última visita, ela disse para mim que sempre soube da minha sexualidade e que um dia eu a aceitaria.
Confesso que duvidei — embora estivesse no auge da minha negação, querendo parar de me enganar. Hoje em dia paguei com a língua. E que bom! Que bom que paguei com a língua.
Agora eu estava ali, na frente dela, bebendo o copo de água que me ofereceu, me preparando para contar tudo o que aconteceu desde a última vez que nos vimos. E limpando minhas lágrimas.
— A minha vida mudou tanto, tia… — falei, pousando o copo na mesa.
— Eu sei. Eu imagino. — Ela sorriu, como quem realmente compreendia. — Posso ver isso na minha frente, agora. Você tá diferente.
— Isso é bom? — brinquei.
— Bom? É além, meu filho. — Ela deu uma batidinha na minha mão. — É ótimo!
— Tia, eu sou gay.
— Eu já sabia.
Houve um momento de silêncio.
— Um dia você acabaria sabendo disso também — ela disse. — E só você com você mesmo que poderia alcançar essa aceitação. Lembra da nossa última conversa?
— Me lembro sim.
— Eu sempre soube — ela sorriu. — Sempre soube e sempre vou amar você do jeitinho que é.
Eu não consegui falar nada ao ouvir tudo. Minha tia de coração, Antonia, uma mulher que já foi extremamente religiosa… dizendo aquilo. A vida muda para quem resolve mudar. Não só eu que mudei ali. Ela também.
— Eu sei — falei.
— E sua mãe? Como ela está?
— Está bem. Na igreja.
— Suponho que você não frequenta mais.
— Não — dei um sorriso fraco. — Quase dois anos, já.
— E suponho que essa circunstância esteja enlouquecendo ela.
— Óbvio.
Nós rimos juntos. Tanto eu quanto Antonia conhecemos a mãe que tenho.
— Ela pediu para que eu saísse de casa — falei. Imediatamente, Antonia parou de sorrir.
— O quê?
— Até o fim da semana, preciso conseguir um lugar pra ficar.
Ela ficou perplexa. Os olhos, arregalados. E suspirou.
— Por que eu estou surpresa com uma coisa dessas? — ela falou para si mesma. E continuou: — Mas chegar nesse ponto aí já é demais!
— Pois é, tia. A partir de segunda já saio para procurar um lugar. Tenho vários locais em mente…
— Ela já sabe? — Antonia me interrompeu. — Desculpe…
— Não. Não sabe, mas desconfia — suspirei. — Ah, tia, eu mereço viver… Gosto de chegar um pouco mais tarde em casa, ficar o dia fora… Isso a deixa irritada comigo. Chegou no limite, ela disse. Ontem à noite, me exigiu que saísse de casa até sexta ou sábado.
Antonia ficou em silêncio, refletindo o que acabara de ouvir.
— Ela deu esse prazo assim, na lata?
— Na lata — ressaltei.
— Mas você tem dinheiro pra isso?
— Felizmente, sim. Você se lembra que eu te falei sobre as minhas economias? Pois é. Parece que eu estava prevendo uma coisa assim, sabe…
— Ainda bem que você tem esse investimento — ela suspirou. — Mas se estiver precisando de alguma coisa, me ligue. Não quero ver você passando perrengue por causa de uma situação dessas.
— Pode deixar — prometi.
Antonia olhou o relógio, que marcava meio-dia.
— Eu preciso fechar a loja — se levantou e propôs: — Vamos almoçar fora? Aí você aproveita e me conta tudo o que aconteceu!
— Agora! Tem um restaurante por aqui perto, vamos?
— Vamos!
Assim que ela terminou de trancar as portas, puxou o meu braço para acompanhá-la.
— Então, você se formou… — ela sorriu. — Trabalha numa empresa grande… Fiquei sabendo!
Comecei a contar tudo enquanto andávamos.
— EU FICO TÃO FELIZ por saber mais de você, menino — nós terminamos de almoçar. A conversa rendeu aproximadamente uma hora e meia e deu para contar tudo. Pelo menos o essencial. — A gente precisa manter contato. Não quero te ver só daqui a cinco ou seis anos — brincou ela.
— Ah, claro que não! — Eu ri. — Vamos nos ver mais. Prometo ir na sua casa um dia. E quando eu tiver com o meu espaço pronto, vamos marcar um chá da tarde.
— Vou cobrar, hein?
— Pode cobrar mesmo! — Eu suspirei de alívio. — É tão bom conversar com a senhora, tia.
— Senhora não… — brincou ela. Eu ri.
— Prometo não usar mais esse vocativo — devolvi a brincadeira. — Enfim. Vai ficar tudo bem comigo.
— Vai sim, meu filho, vai sim.
Ela olhou o relógio. Tomei um susto, porque marquei de ir na casa do Guto às duas da tarde. Faltava meia hora. Nós pagamos a conta.
— A conversa foi ótima, mas vou precisar ir embora — ela se levantou e eu a acompanhei. — Tenho dois filhos adolescentes para cuidar, sabia?
— Imagino. Eles cresceram muito, né?
— Só você vendo, meu filho.
Na porta do restaurante, nos abraçamos na despedida. E cada um seguiu um caminho oposto.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Tania Maria Rufino
É muito bom ter alguém pra apoiar nessas horas ☺️
2024-09-08
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