COM O BRAÇO, BRAD APOIAVA A CABEÇA DE BECCA, DEITADA em sua
cama. Passava das três da manhã, e não era incomum que a dupla preenchesse as
horas vazias da noite com conversas. Eles falavam de seus sonhos após se
tornarem advogados, de litigarem ações judiciais perante a Suprema Corte, e de
mudarem a maneira como Washington funcionava. Conversavam sobre que
faculdade de direito escolheriam para sua especialização, se isso fosse possível.
Falavam de amor e do que cada um esperava de um parceiro perfeito. Essas
discussões, que varavam a madrugada, que beiravam o íntimo, mas nunca
atravessavam para esse território, não eram mantidas de propósito em segredo
para Gail e Jack. Simplesmente aconteciam dessa maneira. Sem discutir o
porquê, Gail e Jack nunca compartilhavam suas noites. Elas só existiam entre
Becca e Brad.
— Tudo bem, Becca, me diga algo que seja um empecilho absoluto para
namorar alguém.
— Pelos nas costas — Becca respondeu, sem hesitar.
— Pelos nas costas?! Fala sério. Como um cara pode evitar pelos nas costas?
— Depilando ou raspando. Pelos nas costas são algo totalmente brochante.
— E se você namorar um cara durante dois meses, gostar dele de verdade e,
então, descobrir que ele é superpeludo?
— Termino o namoro — Becca afirmou.
— Simples assim?
— Bem, esse é o seu cenário. Não aceito a premissa da situação, pois jamais chegaria ao ponto de realmente gostar de um cara que tivesse um monte de pelos
nas costas.
— Mas como você saberia? É pleno inverno, e você nunca viu o cara sem
camisa. Você não deveria lidar com o problema antes de dar o fora nele? É um
problema menor.
— Comer com a boca aberta é um problema menor. Pelo nas costas é algo
muito pior.
— Tudo bem. — Brad se virou e apoiou a cabeça na mão, com o cotovelo
dobrado, de modo que eles ficaram cara a cara. — E as minhas costas? Qual é o
aspecto delas?
— O que é isso? Um teste?
— Só quero ver o quão sensível você é em relação a algo que a incomoda
tanto.
— Tudo bem. Alguns folículos não ameaçadores nas omoplatas e um tufo
benigno na parte inferior das costas. De modo geral, suas costas são
perfeitamente aceitáveis.
— Você tem um tipo de fetiche desagradável, hein? Essa descrição foi
bastante precisa.
— Passamos cerca de cem noites deitados um perto do outro, conversando
até o nascer do sol. Acho que conheço bem a aparência de suas costas. Além
disso, vi você e Jack jogando vôlei no início do ano letivo. As costas de vocês dois
são aceitáveis.
Becca se virou e pôs as mãos sob a cabeça. Ela usava uma camiseta rosa, que
estava justa ao redor do peito. Quando ergueu os braços, os dois ossos pélvicos se
revelaram, situados pouco acima da cintura da calça de moletom. Brad sempre a
achou bonita, com seus cabelos loiros, pele bronzeada e dentes perfeitos. Em
todos os lugares que Becca entrava, sempre atraía os olhares masculinos. Mas os
momentos que Brad mais gostava eram aqueles, quando Becca era toda sua, com
ninguém mais por perto para roubar a atenção dela. Ela ficava mais bela naquele
cenário íntimo, deitada na cama dele, relaxada e contente, não tentando ser
vistosa.
Brad sabia que aqueles curtos períodos durariam somente até a luz da manhã,
motivo pelo qual ele os saboreava tanto. Chegaria um momento em que ele
revelaria para ela seus sentimentos, mas queria que as coisas acontecessem naturalmente, sem forçá-las. Ele sabia que era a melhor maneira para um
relacionamento longo começar. E, de alguma forma, para um cara de vinte e um
anos, cheio de testosterona, deitar ao lado de Becca todas as noites nunca gerou
uma ansiedade por sexo. Brad sempre se sentia contente com o fato de conversar
e explorar a mente dela, e, quando Becca adormecia, de escutar sua respiração.
Houve, é claro, aquela noite, no primeiro ano da faculdade, quando eles
voltaram de uma festa, num porre homérico de vodca, e acabaram se beijando no
dormitório dele antes de perderem a consciência. Brad e Becca nunca
conversaram sobre aquela noite, nunca discutiram se algum sentimento se
desenvolvera. Em vez disso, o fato ficou escondido sob a fácil cobertura da
embriaguez, e os dois fingiram não se lembrar do incidente. Agora, três anos
depois, jamais se insinuaram desde aquela ocasião, embora isso só fizesse Brad se
apaixonar ainda mais por ela. Talvez acontecesse algo entre eles após a
formatura, quando estivessem fora do ambiente da faculdade e longe de Jack e
Gail. Quem sabe então fosse menos embaraçoso... E tudo bem, ele podia esperar.
Brad escutou a respiração de Becca assumir um ritmo lento e profundo
quando ela adormeceu. Ele apoiou a cabeça no travesseiro, encostando a testa na
têmpora dela e pousando o braço sobre os dois cumes dos ossos pélvicos dela.
Brad cerrou as pálpebras.
Naquelas noites, o sol sempre nascia muito cedo.
PELA MANHÃ, BECCA NUNCA PERMANECIA MUITO TEMPO, E a cama
sempre estava vazia quando Brad acordava. Entusiasta de corridas e viciada em
estudos, ela devia estar correndo pelo câmpus com fones de ouvido; ou na
biblioteca, com os cabelos presos num rabo de cavalo, óculos em vez de lentes de
contato e uma xícara grande de café perto do lugar onde estudava.
Provavelmente, direito comercial. Os exames finais aconteceriam em duas
semanas, e Brad sabia que ela vinha se esforçando.
Brad achou o bilhete de Becca sobre o travesseiro, onde sempre os deixava.
Algumas vezes, num post-it; outras, num pedaço rasgado de folha de fichário; e
ainda outras num guardanapo. Continham suas palavras, e era algo que ele
adorava. Bilhetes como aqueles se destinavam a ser lidos e jogados fora.
Descartados sem pestanejar. Mas Brad nunca era capaz de se livrar deles. Nesse
vinha escrito: B., eu me diverti muito ontem à noite. Obrigada por dividir seu travesseiro.
Não encane: suas costas
parecem ótimas para mim! B.
Brad dobrou o post-it e o colocou na caixa de sapatos sob sua cama, que
continha todas as outras mensagens bb deixadas por Becca ao longo dos anos.
Em seguida, tomou um banho e trabalhou o dia todo em seu plano. Becca lhe
disse que não estava bem preparada para os exames finais, e aquilo era toda a
motivação de que ele precisava. Brad tinha de cumprir o que prometera a ela.
Levou a maior parte do dia e foi preciso uma ajuda secreta, mas, quando Brad
surgiu na biblioteca naquela noite, ostentava uma expressão de satisfação. Era
tarde. Gail e Becca já tinham ido embora. Apenas Jack estava ali, sentado a uma
mesa e lendo com toda a atenção um livro didático, com anotações espalhadas ao
seu redor.
— Consegui — Brad afirmou, ao chegar próximo da baia levemente
iluminada que marcava o lugar de estudo deles.
Uma lâmpada elétrica única e embutida, que contrastava fortemente com os
arredores escuros da biblioteca, iluminava a mesa de Jack. Com frequência, eles
estudavam ali: uma área do segundo andar, onde publicações antigas se
encontravam guardadas em estantes de metal marrom. Quatro mesas tinham
sido abandonadas, mas, durante o primeiro ano de faculdade, eles as espaçaram e
as limparam, e rosquearam novas lâmpadas elétricas. Quando o estudo sério era
necessário, eles utilizavam as mesas, que ofereciam privacidade. Quando o
estudo em grupo era mais fácil, sentavam-se à mesa grande, com lâmpadas de
teto verdes embutidas.
Não havia movimento nessa parte abandonada da biblioteca, e eles jamais
precisavam se preocupar com o barulho que faziam. Abriam latas de cerveja
gelada após sessões de estudo particularmente boas, ou no fim de semana dos
exames finais, quando sabiam que não voltariam à biblioteca por semanas. Brad
conseguia desarmar o alarme de uma porta de emergência quase nunca usada, e
ela se tornou a rota de fuga dos garotos quando a biblioteca fechava e eles
permaneciam para horas extras de estudo.
— Conseguiu o quê? — Jack se reclinou na cadeira para se livrar da tensão nos ombros.
Brad sorriu e balançou uma chave entre o polegar e o dedo indicador.
— Acesso ao escritório de Milford Morton e ao exame final de direito
comercial.
— Como? — Jack quis saber.
Brad se aproximou.
— Mike Swagger. Ele me disse que conseguiu a chave com alguém no ano
passado, mas, como o velho professor Morton estava de licença sabática, Mike
nunca a usou. Tive de implorar para que a entregasse para mim. Mike me
garantiu que se alguém importante ficar sabendo que ele me deu essa chave, vai
cortar fora o meu saco. Literalmente.
Jack pegou a chave e a estudou. Durante todo o ano, circulou pelo câmpus —
e sobretudo entre os cerca de cem alunos do curso de direito comercial do
professor Milford Morton — a história lendária de que alguém tinha a chave de
sua sala. E, nos anos anteriores, operações secretas foram realizadas para se
perpetrar o roubo do exame final. As histórias eram muitas e, em geral, não
passavam de conversa-fiada, Jack pensava. Até aquele momento. Até segurar o
que supostamente era a chave da sala do professor.
Jack a estudou por mais algum tempo.
— Não, é tudo parte da lenda — ele por fim afirmou.
— O que quer dizer?
— Brad, você não será assim ingênuo quando seu oponente tentar colocá-lo
contra a parede na sala do tribunal, não é? Pense nisso. A chave aparece após a
licença sabática de Morton. Desse modo, não há ninguém para confirmar se de
fato funciona. Nós tomamos todas as providências para usá-la, incluindo
arrombar a entrada do prédio, e então bancamos os idiotas quando, diante da
porta da sala do professor Morton, no meio da noite, forçamos a fechadura com
uma chave que não funciona.
— Swagger falou que a conseguiu no ano passado com um veterano que
invadiu a sala de Morton um ano antes e achou uma cópia do exame. A prova de
múltipla escolha exata, palavra por palavra.
— Certo. Três anos atrás. É como um sujeito que tem um primo que conhece
um cara que teve o rim roubado.
— Do que você está falando?
— O cara conhece uma garota e a acompanha até um hotel. Ao acordar,
descobre que está dentro de uma banheira cheia de gelo, com um bilhete que
pede para ele chamar imediatamente uma ambulância porque seu rim foi
roubado para ser vendido no mercado negro.
— Cala a boca, Jack. Essa chave é de verdade.
— Assim como a história do rim roubado.
Brad arrancou a chave da mão de Jack.
— Confie em mim. Funciona.
— É o que Mike Swageer diz. Quantas vezes o cara já repetiu de ano?
— Você está com medo, Jackie Boy?
— Você precisa mesmo de uma cópia da prova? Achei que estivesse tirando
boas notas nesse curso.
— Estou indo bem, mas o professor Morton é muito chato e confuso. Assim,
por que não contar com uma pequena ajuda? — Depois de um breve silêncio,
Brad prosseguiu: — Sei que Becca pode usar. Ela está se esforçando muito.
— Esforçar-se para nossa querida amiga não significa batalhar uma nota A.
Para a estudante perfeita, basta tirar uma nota B pela primeira vez na vida.
— Ela está falando de uma nota C se as coisas forem mal. Talvez pior.
— Becca sempre diz que vai tirar C, até sua pontuação chegar e ela manter a
média 4 que tem tirado desde o primeiro ano. Essa é a mágica que ela faz. Becca
chama atenção para si e, depois, todos a parabenizam por superar o desafio e
obter uma nota A. Não caia nessa, Brad.
— Você não vai se safar dessa, Jack.
— Me safar do quê?
— Nós vamos invadir aquela sala.
— Seremos expulsos se formos pegos. — Jack sorriu.
— Não deixaremos que nos peguem.
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Atualizado até capítulo 39
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