BECCA ECKERSLEY ESTAVA REUNIDA COM TRÊS AMIGOS NA biblioteca
da universidade. Pequenas luminárias conferiam luz à mesa ocupada por eles,
bem como aos livros, aos papéis e aos seus rostos. Três anos antes, Becca chegara
ao câmpus sem nenhuma de suas amizades do colégio, mas não teve problema
algum para se adaptar à faculdade de direito. No primeiro ano, ela dividiu um
quarto com Gail Moss, com quem desenvolveu uma boa amizade — bem como
com Jack e Brad, também colegas de curso. Todos eles estudavam juntos com
regularidade e formavam um quarteto incomum.
— As pessoas dizem isso o tempo todo — Gail afirmou.
— Que pessoas? — Brad quis saber. — Quem fala tanto da gente?
— Não sei — Gail respondeu. — Alguns caras. Algumas garotas.
— E qual é o problema deles?
— Acham que somos estranhos.
— Quem se importa com o que pensam? — Brad deu de ombros. — Falando
sério, acho que é tudo coisa da sua cabeça.
— Não é, não. — Gail respirou fundo. — Tudo bem, então vou fazer uma
pergunta que quero fazer faz tempo: por que somos amigos?
— Como assim? — Becca a fitou, surpresa. — Ora, porque gostamos uns dos
outros. Porque nos damos bem, temos coisas em comum. É por isso que as
pessoas se tornam amigas.
— Gail está se referindo a sexo, ou à falta dele, entre nós. — Brad falava
olhando para Gail. — Ela é muito tímida para externar isso dessa maneira. É melhor você achar um jeito de se expressar com mais clareza se quiser ser
advogada.
— Ótimo. — Gail fechou os olhos por um instante para evitar contato visual.
— Será que ninguém acha esquisito o fato de sermos amigos desde o primeiro
ano e não ter havido nenhuma transa, nenhuma suruba, nenhum drama?
— Você tinha um namorado quando nós a conhecemos — Jack lembrou. —
Qual era o nome dele?
— Gene.
Jack deu uma risada e apontou para Gail.
— Isso mesmo. Euge. Eu gostava daquele cara. Meio babaca, mas de um jeito
bacana.
Brad também riu.
— Tinha me esquecido dele. O cara detestava quando a gente o chamava de
Euge. "É só Gene", ele dizia. Vocês se lembram daquele fim de semana?
Naquele momento, Becca também achou graça.
— O fim de semana do "É só Gene". Ah, meu Deus, parece que faz muito
mais que três anos!
Gail tentou não rir.
— Sim, muito engraçado. Ele nunca voltou para Washington depois daquele
fim de semana.
— Euge terminou o namoro com você pouco depois, não foi?
— Sim, Jack, por causa daquele fim de semana.
— Fala sério! Só porque a gente o chamava de Euge?
— Esqueça, Jack — Gail pediu. — Minha conclusão é que nosso quarteto é
único. Duas garotas, dois caras. Bons amigos na faculdade, sem nenhuma
maluquice para balançar o coreto.
Jack fechou seu livro de direito comercial e deu um tapinha nas costas do
amigo.
— Brad será o senador mais poderoso do Congresso, vocês duas serão as
advogadas idiotas que vão trabalhar para ele, eu serei o lobista que conseguirá
todo o dinheiro necessário, e continuaremos sendo bons amigos. Quem se
importa se as outras pessoas não entendem? — Ele enfiou os livros em sua
mochila. — Para mim, já deu por hoje. Vamos beber uma cerveja.
— Amém! — Brad exclamou.
Os dois rapazes guardaram suas coisas e se levantaram para ir embora. Becca
olhou para Jack e perguntou:
— Ninguém está preocupado com o exame final do professor Morton?
— Eu estou — Jack respondeu. —Mas me encontro num processo de infusão
lenta, que permite que meu cérebro absorva suas aulas terrivelmente entediantes
em pequenas doses. Se meto tudo à força, a maior parte acaba vazando.
— Sim. — Becca sorriu. — É um grande plano para alguém que estuda
durante todo o semestre. Mas os demais precisamos rachar de estudar, e às
pressas. Rapazes, vão vocês. Gail e eu vamos ficar.
— Sem essa! Não sejam chatas. — Jack franziu a testa.
— O exame final é daqui a duas semanas — Becca o lembrou.
— Deem por encerrado o assunto por esta noite, e amanhã vamos investir
um tempo extra.
— Pessoal, Bradley Jefferson Reynolds tem a solução para os seus problemas.
— Brad arqueou as sobrancelhas. — Devia ser uma surpresa, mas vejo que todos
vocês têm de saber disso agora. Na próxima semana, conseguirei uma cópia do
exame final de direito comercial do professor Morton. Para ser usada e abusada,
se vocês julgarem conveniente.
— Papo-furado — Becca o desafiou.
— Não é, não. Tenho uma fonte, e isso é tudo que posso dizer por enquanto.
Então, vamos todos beber uma cerveja para celebrar.
Becca olhou para Jack, que encolheu os ombros, em sinal de desdém, e
afirmou:
— Quem somos nós para duvidar desse cara?
Com relutância, Becca guardou suas coisas e disse a Gail:
— Será como aquela vez em que ele, no primeiro ano, prometeu a todos nós
redações para o exame de história da Ásia. Ficamos acordados até as cinco da
manhã, terminando o trabalho, depois que Brad teve um chilique. Lembra-se
disso?
— Desta vez é diferente — Brad contrapôs.
— Claro que é. — Becca pendurou a mochila no ombro, agarrou Brad pelo
braço e pousou a cabeça no ombro dele, enquanto saíam da biblioteca. — Mas
gosto de você mesmo quando não cumpre o que promete. Ainda que eu tire uma
nota C e manche meu histórico acadêmico.
Nenhuma das faculdades de direito mais prestigiadas do país a aceitará
para pós-graduação com uma nota C em seu histórico. — Brad deu um tapinha
na cabeça de Becca enquanto caminhavam. — Parece que terei de cumprir o que
lhe prometi.
O 19th Bar, no bairro de Foggy Bottom, em Washington, tinha o público
normal de uma noite de terça-feira; ou seja, uma multidão de estudantes
universitários no auge de sua existência. A maioria vinha de famílias ricas da
costa leste e tinha planos associados a carreiras políticas ou direito. Alguns
queriam outras coisas, mas eram minoria.
Os amigos acharam uma mesa vazia junto à janela da frente, uma vidraça que
permitia que os transeuntes observassem o interior do bar, invejando a vida dos
jovens universitários a caminho do estrelato. Eles pediram cervejas e caíram em
sua rotina comum de discutir política.
Após alguns copos, Brad começou sua bravata recorrente e repleta de
maldições sobre nunca ter existido um presidente americano que viveu
realmente de acordo com seus princípios e, depois, governou da mesma maneira.
— Eles sempre se tornam vítimas da política de Washington, sempre cedem a
interesses específicos. Alguém pode citar um presidente que tinha mesmo o povo
em mente na maioria de suas decisões no poder? Nenhum tinha, e o atual
também não tem. É tudo uma questão de poder, manter o poder e repartir o
poder com aqueles que investem o dinheiro neles.
— E você vai pôr um fim nisso tudo, certo?
— Ou morrerei tentando, Becca. E vou começar com o escroque filho da puta
que se diz meu pai. — Brad tomou um gole de cerveja. — Assim que receber o
diploma.
— Eu buscaria contatos e apoio antes de atacar meu próprio pai — Becca
disse.
— Boa ideia. — Brad apontou para Becca, e em seguida tomou outro gole de
cerveja, como se estivesse num pub irlandês prestes a começar uma
briga. Limpou a boca com o antebraço, num gesto dramático, e encarou o teto do
bar.
Os outros começaram a rir ante o espetáculo.
Brad continuou:
— Precisa vir de repente, de modo totalmente insuspeito. Sim, vou criar
Uma coalizão, e quando meu pai achar que está numa boa, vou mandá-lo para
a prisão, como Giuliani fez com Teflon Don, aquele mafioso seboso.
— Nem foi ainda aceito para pós-graduação numa faculdade de
direito oficialmente reconhecida e já se compara com Rudy Giuliani. — Jack deu
uma risada. — Amo sua autoconfiança.
Becca e seus amigos adoravam as tiradas de Brad. Jack e Gail as escutavam
por entretenimento, mas Becca possuía uma percepção mais aguçada. Ela
conhecia Brad melhor. Sabia de seus segredos, seus desejos e seus conflitos.
Entendia que suas opiniões eram fruto da rebelião. Um pai opressivo, que
acumulou uma fortuna dirigindo um dos maiores escritórios de advocacia da
costa leste, tentava dirigir a vida do filho numa direção que Brad não desejava
seguir. Numa mistura de rendição dissimulada e vingança secreta, Brad
concordou com uma formação acadêmica na George Washington e, em breve,
suportaria cursar pós-graduação numa universidade da Ivy League — o grupo
das oito universidades mais prestigiadas do país. No entanto, em vez de se juntar
ao pai na roubalheira — como costumava dizer —, Brad usaria o diploma pago
por ele para, algum dia, acabar com a carreira do grande sr. Reynolds. Esse era o
plano.
Naqueles três anos de amizade, Becca encontrara o pai de Brad algumas
vezes. O pai dela também o conhecia, pois tinha um relacionamento profissional
com Reynolds. Todos os anos, o pai de Brad organizava um fim de semana na
cabana de caça dos Reynolds, para onde alguns advogados ricos iam para caçar
alces, fumar charutos e falar de negócios. No ano anterior, o pai de Becca
fora convidado, e voltou para o lar dizendo que o sr. Reynolds era um
verdadeiro idiota. Um homem frio e severo, que pressionava os filhos de maneira
doentia.
Becca nunca teve dificuldade para entender o ressentimento de Brad. Como
punição pela ausência permanente do pai nos torneios de beisebol, nos treinos de
futebol, nos jogos do Baltimore Orioles e em qualquer coisa no colégio além de
breves aparições em reuniões para tomar conhecimento das deficiências do filho,
Brad decidiu utilizar a vontade do pai contra ele. Era um plano pérfido, que
levaria anos para ser consumado. Se alguma vez se tornasse realidade — se o
ressentimento de Brad não definhasse na maturidade, e se seus interesses não
mudassem com o tempo —, Becca considerou que não haveria pior tapa na cara
de um pai do que o filho usar a educação paga por ele para liquidar sua própria
carreira. Assim, Becca sabia que havia um propósito além das bravatas de Brad:
era terapêutico para ele tramar uma rebelião de muitos anos contra o pai. Era sua
Maneira de liberar sua frustração sem arruinar o relacionamento com o pai, que,
na maturidade, talvez tivesse uma chance de conserto.
Eles pediram mais cerveja quando Brad se acalmou.
— Todos vão para casa no Natal? — Gail quis saber. — Porque estamos indo
para nossa casa na Flórida, minha mãe disse que vocês podem vir conosco.
— Meus pais me matariam se eu não fosse para casa — Becca revelou.
— Sim. Minha mãe não iria gostar. O Natal é uma data muito importante.
— Jack torceu o canto da boca.
— Talvez.
— Sério, Brad? — Os olhos de Gail brilharam.
— Sim, talvez por alguns dias. A véspera do Natal e o Natal são o máximo de
tempo que consigo ficar ao lado de meu pai. Talvez eu vá para a Flórida logo
após o Natal. Caso contrário, voltarei para cá, para esperar, neste lugar morto, o
retorno de todos.
— Vamos passar o tempo na praia pensando no pobre Jack congelando de
frio em Wisconsin — Gail brincou.
— Jogue sal na ferida, jogue — Jack resmungou.
— Vai ser muito divertido. — Gail sorriu, animada. — Vocês deviam pensar
nisso.
Jack tomou um gole de cerveja, e olhou para Becca e para Gail, de novo.
— Talvez no recesso da primavera. Mas não posso fazer isso no Natal.
— A semana do saco cheio! — Gail exclamou, arregalando os olhos. — Meus
pais vão para a Europa. Teremos a casa só para nós!
— A menos que vocês, rapazes, prefiram ir para South Beach para pegar
umas garotas da Universidade de Miami — Becca sugeriu.
Brad e Jack se entreolharam e trocaram brindes.
— Sim, nós avisaremos vocês sobre a semana do saco cheio. Talvez tenhamos
de fazer uma breve parada por lá. — Jack piscou, sorrindo.
— Seus idiotas! — Gail gracejou.
Todos riram e pediram mais cerveja. Faltavam duas semanas para os exames
finais. Naqueles dias todos pareciam imortais.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 39
Comments