NAS MONTANHAS DE SUMMIT LAKE, KELSEY CASTLE OBSERVAVA de
um penhasco o sol nascente tingir de vermelho o horizonte e converter as nuvens
esparsas em algodão-doce cor de cereja. Ao longe, sobre o centro do lago, nuvens
escuras se formavam. Uma tempestade se aproximava, o que fez Kelsey se
lembrar de sua juventude: as pancadas de chuva iluminadas pelo sol que sempre
aconteciam em seu aniversário, e a risada sonora de seu avô ao ver as nuvens
chegarem. O aguaceiro vinha rápido, e seu avô murmurava junto ao seu ouvido,
enquanto gotas de água rolavam pelos rostos e pregavam as roupas contra os
corpos: "Feliz aniversário para a fazedora de chuva". Todas as outras pessoas
corriam em busca de abrigo, com jornais ou jaquetas sobre a cabeça, mas Kelsey
e o avô dançavam e chutavam poças enquanto a chuva caía. Ao mesmo tempo,
um céu azul luminoso, pouco além das nuvens carregadas, lançava raios de sol e
iluminava os pingos como diamantes se precipitando do firmamento. E tão
rápido quanto a tempestade surgia ela desaparecia, deixando árvores gotejantes e
poças na rua que refletiam o céu azul. Era um fenômeno estranho, que Kelsey
começou a amar. Pelo fato de acontecer todos os anos, em seu aniversário,
tornou-se uma marca especial em sua vida, que dizia que alguém, em algum
lugar, zelava por ela em seu dia especial. Pelo menos era o que seu avô sempre
dizia.
Kelsey caminhou até a beira do penhasco e respirou fundo diversas vezes
para pôr a respiração sob controle. Ela chegara a Summit Lake na noite anterior,
e logo cedo deixou o hotel. Em meio ao silêncio e tranquilidade das horas do amanhecer, Kelsey levou vinte minutos para conhecer o centro da cidade,
passando por lojas e galerias, e explorando ruas secundárias para sentir o lugar.
Após duas voltas ao redor da praça principal, a cachoeira foi a próxima parada.
Era, além do próprio lago, a atração mais famosa que a cidadezinha tinha para
oferecer. E naquele momento, parada sobre o penhasco de origem da cachoeira,
observando o nascer do sol e a cidade, Kelsey desejou telefonar para Penn
Courtney e agradecê-lo por tirá-la da cidade e de sua casa. Por lhe dar algum
tempo em outro lugar, que ela não queria admitir que precisava.
Existiam livros e especialistas que talvez a ajudassem, mas Kelsey não era do
tipo que confiava nessas ajudas estruturadas. Sempre confiou na força interior
para superar as dificuldades da vida, e não seria diferente em relação àquela dura
situação.
A cachoeira tinha trinta metros de altura, e caía rente à face da montanha,
atingindo a lagoa abaixo. Abetos ficavam ao lado da queda d'água e cobriam a
encosta, fundindo-se com a mata densa que isolava a lagoa. No lado oposto das
árvores, o lago Summit tomava forma.
Do ponto de observação de Kelsey, sobre o penhasco, a cidade parecia um
cartão-postal. Uma rua principal — a Maple Street — cortava o centro de
Summit Lake, com cinco transversais, cada uma delas com diversas lojas,
butiques, restaurantes e galerias, que Kelsey conhecera mais cedo. Na
extremidade norte ficava o Winchester Hotel, um prédio vitoriano antigo que
hospedava os turistas de Summit Lake havia décadas, e onde Penn Courtney
providenciara a estada de Kelsey.
A cinco quadras do Winchester, na extremidade sul da Maple Street, a igreja
de São Patrício constituía uma estrutura majestosa, construída com pedras
brancas e decorada com portas de entrada góticas de madeira e uma torre alta,
que parecia uma agulha pronta para perfurar o céu. No lado leste ficava a vasta
extensão do lago, em cuja homenagem a cidade fora batizada, que, junto com as
montanhas do lado oeste, onde Kelsey estava, encaixava a cidade de Summit
Lake num cenário aconchegante, conhecido por casas de veraneio e escapadas de
fim de semana.
As residências se espalhavam pelas encostas das montanhas e circundavam o
lago. Algumas se apoiavam sobre estacas na água. Essas palafitas, com telhados
cobertos com telhas e grandes janelas salientes, eram arranjadas em duas fileiras
Longas e arqueadas, o que permitia a cada uma delas uma bela visão do lago.
Naquela manhã, as janelas refletiam a luz do sol como uma explosão de estrelas.
Kelsey observava tudo. Em algum lugar naquela cidade turística singular,
uma garota fora assassinada. Parecia um lugar muito agradável para uma coisa
assim acontecer.
Observando Summit Lake do penhasco, Kelsey sentiu-se ligada à cidade, que
tinha uma história para lhe contar. E ainda que Penn Courtney a enviasse para lá
para ela recuperar lentamente sua altivez, para resgatar suavemente a profissão
que dominou até pouco tempo atrás, Kelsey não pretendia relaxar. Havia
entrevistas a fazer, fatos a coletar e provas a descobrir.
No entanto, Penn sabia o que estava fazendo. Kelsey passara o fim de semana
em Miami investigando o caso Eckersley e coletando os detalhes escassos acerca
da morte da garota. Naquele momento, em Summit Lake, ela fazia um
reconhecimento da cidade, vasculhando pontos de vista, traçando seu caminho
para a descoberta. Mergulhando num mundo distinto e num cenário
desconhecido. Kelsey estava de volta à ação, e, em cinco semanas, era a primeira
vez que se sentia viva.
Kelsey sabia, porém, que o recreio não duraria para sempre. Viera a Summit
Lake para escrever a história do assassinato de uma garota, mas também para
sossegar seus demônios interiores. Isso exigiria autorreflexão, algo em que ela
não era boa.
Sentada na beira de uma pedra, Kelsey respirou fundo. O riacho murmurava,
com a correnteza arrastando a água transparente ao redor das rochas e sobre
troncos submersos, dirigindo-se para a beira do penhasco, onde a água começava
a rugir enquanto caía. Observando a água escorregar sobre a borda, Kelsey sentiu
um pingo de chuva bater de leve em seu nariz. Em seguida, outro e outro mais.
Após um minuto, um chuvisco começou a se precipitar, evoluindo aos poucos
para uma chuva forte, que bombardeou o riacho e agitou sua superfície.
Sorrindo, Kelsey sentia a chuva encharcá-la, molhar suas roupas e emaranhar
seus cabelos. Ela dirigiu o olhar para o lago Summit. As palafitas continuavam
iluminadas pela luz do sol da alvorada.
Uma pancada de chuva iluminada pelo sol; e nem era seu aniversário.
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Atualizado até capítulo 39
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