Assim que ambas terminaram a refeição a Senhora Helena deixou o estabelecimento primeiro, até iam sair juntas mas assim que foram ao balcão pagar pela comida da padeira a madame Pietra pediu para ter uma conversa com Elísis, a levando para uma salinha numa porta por trás do balcão.
– É alguma reclamação da Nelle?– ela pergunta apreensiva se sentando em uma das cadeiras de madeira espalhadas pela sala.
– Deixei de dar atenção às histórias da Nelle depois que começaram a ficar muito dramáticas, não sou boba sei quando minha filha está mentindo – ela dá um trago no seu largo cachimbo, cruzando as pernas depois de sentar.
A madame Pietra era uma mulher muito respeitável no vilarejo e não só por ser a pessoa mais bem sucedida dali apesar de não ser uma nobre, mas sim porque Pietra foi um grande suporte para o vilarejo durante a guerra contra as fadas. Ela sempre foi vista como uma figura fria e séria, usando vestidos longos de cores escuras com os cabelos preso em penteados simples de pouco esforço, e mesmo tendo uma filha de aparência muito chamativa a única coisa que Nelle herdou da mãe foram os olhos verdes pois a pele de madame Pietra era morena e seus cabelos pretos.
– Chamei você para avisar sobre o cronograma do Festival do reinício em algumas semanas, como é um dia de muita festividade pretendo manter a estalagem aberta até um pouco mais além do horário comum, e como o fluxo será maior o Geraldo e o Michael vão precisar de mão extra – a madame explica no típico tom frio e sereno dela, então dá uma nova tragada no cachimbo.
– Está dizendo que é para mim trabalhar o dia todo junto com os rapazes?
– Isso – ela afirma deixando a fumaça sair de sua boca – pensei em avisar logo, afinal fiquei sabendo que os organizadores do festival encomendaram muitos arranjos para você da sua barraquinha de flores, assim você se adianta e não fica preocupada com o tempo.
– Agradeço a consideração.
– Não tem de que. Era somente isso, já pode ir – ela avisa voltando para o balcão e deixando Elísis sozinha na salinha.
Mesmo sendo uma figura bastante fria, madame Pietra não era uma pessoa ruim para Elísis, além de ter ajudado muito a mãe dela depois do término da guerra. Como o pai de Elísis morreu durante uma epidemia que se espalhou pelo vilarejo durante o conflito, depois que tudo acabou a mãe de Elísis ficou viúva, desempregada, com duas filhas e pra piorar a casa onde costumava viver foi totalmente destruída na última batalha que deu fim a guerra, está impactou muito Lorent por ser o local mais próximo a fronteira. Foi a madame Pietra quem estendeu a mão a sua mãe, lhe oferecendo um acordo, ela poderia morar na estalagem com a alimentação garantida caso trabalhasse para ela com o pagamento de metade de um salário comum, sendo para sua mãe um acordo muito vantajoso visto que não tinha mais nada.
Mesmo agora Elísis ainda vive dentro dos termos deste acordo que não seria ruim se não fosse pela Nelle, por isso começou a juntar dinheiro para comprar uma casa só para ela e depois começar a investir mais na própria floricultura.
Tomando o caminho de volta para a barraca, a jovem florista passa pela praça da cidade onde os preparativos para o festival estavam evidentes, com fitas colorido colocadas interligando os postes de lampiões ao redor, também deixaram os locais reservados para os futuros arranjos de flores que seriam preparados por ela e a base da atração principal do festival do reinício montada para a grande fogueira no centro da praça, entretanto a decoração que mais chamou a atenção de Elísis foi o mural em homenagem a Sônia a dama de Lorent e sua falecida mãe.
A história da dama de Lorent se tornou obrigatória em todas as escolinhas do vilarejo cujo o ensino só ia até os catorze anos dos jovens, pois assim como a madame Pietra sua ajuda durante a guerra foi imprescindível. Enquanto madame Pietra dava um pequeno auxílio alimentar que durava no máximo duas semana a Dama de Lorent foi responsável por não deixar as pessoas do vilarejo passarem fome quando acabasse os suprimentos dados pela madame, mesmo com batalhas ferozes ocorrendo Sônia se arriscava procurando comida nos campos e florestas e depois de um tempo seu esforço foi tão recompensado que a cada busca ela achava comida o suficiente para alimentar duas famílias por dois meses.
O festival do reinício foi criado principalmente em comemoração a sobrevivência do vilarejo mesmo tendo suportado os piores conflitos da guerra, mas levaram em conta as grandes contribuições feitas pela mãe de Elísis e a transformaram em um símbolo do festival, todo ano uma jovem de quinze anos acima seria nomeada a dama de Lorent caso fosse bem votada, título esse que provavelmente seria entregue a Antonelle por sua popularidade, aquilo deixava um gosto amargo na boca de Elísis, mas não havia nada que pudesse fazer a respeito. Quando terminou de olhar o belo mural de sua mãe, Elísis voltou a caminhar para sua barraquinha.
Na noite daquele mesmo dia a jovem florista trocou de profissão tornando-se a garçonete noturna na estalagem da madame Pietra, e o fluxo das noites variava de acordo com o dia da semana, sendo ainda o meio da semana o volume de clientes estava manejável, as piores coisas que tinham de lidar eram as brincadeiras de mal gosto da Nelle jogando comida no seu vestido junto a um de seus grupos de babões, mas aquilo já era rotina. Atendendo ao chamado de uma nova mesa, Elísis ignora as risadas na mesa da Nelle junto com a mancha de purê no avental para anotar os novos pedidos, quando fica em frente à mesa ela faz a pergunta tradicional com um sorriso profissional alegre no rosto:
– O que vão pedir para esta noite?
– Pequena Elísis! Faz um tempo que não te vejo – Diz um dos dois homens na mesa.
– Senhor Cezar, realmente não o vejo desde que encomendou um conjunto de coroas de flores para o aniversário da sua filha.
– Verdade já faz um tempo, fiquei sumido porque estava ensinando meu sobrinho Bile a manejar a forjar – ele dá uma cotovelada no rapaz ao lado dele.
– Então é seu sobrinho que vai assumir seu posto de ferreiro?
– Pois é, minha irmã quer que ele tenha um bom trabalho e eu não quero minha princesinha com as mãos queimadas.
– Entendo sua preocupação, já decidiram o que vão querer?
– Verdade – o senhor Cezar volta a pegar o cardápio – Antes de você chegar eu estava namorando as opções dos pratos com carne de porco, então vou querer o número cinco da lista – Ele diz e Elísis o anota imediatamente.
– Cuidado para sua esposa não ficar com ciúmes– ela brinca arrancando algumas risadas dele.
– Na verdade é bem capaz dela roubar o prato de mim – ele retribui na mesma vibe fazendo agora a jovem garçonete rir.
– E o seu sobrinho já sabe o que vai pedir?
– Ainda tem torta de carne de caranguejo?– o rapaz pergunta apontando a opção no cardápio.
– Deu sorte ainda tem alguns pedaços, vão querer mais alguma coisa?
– Por enquanto não, vamos deixar as bebidas para quando a comida chegar.
– Ótimo, pego a torta de caranguejo em dois minutos e o número cinco da lista sai entre quinze e vinte minutos– ela avisa então vai em direção ao balcão para deixar os pedidos registrados.
Terminado seu turno Elísis se recolhe para o seu quarto subindo as escadas até o segundo piso onde pretendia se jogar na cama e apagar por aquela noite, mas ao atravessar a porta a primeira coisa a entrar no campo de sua visão é uma carta sobre a mesa da escrivaninha, provavelmente a madame Pietra a pôs lá. Ao ler o nome do remetente automaticamente ela fica feliz em ver o nome da irmã mais velha a fazendo abrir a carta na hora sem qualquer cuidado e ler o conteúdo:
" Minha querida irmãzinha
Já faz algumas semanas que não entro em contato, peço desculpas por isso, aqui na casa do marquês houve uma celebração devido a visita do duque Douglas e por conta disso fiquei muito ocupada com os preparativos.
Mas fora isso por aqui está tudo tranquilo, a Lara está adorando a escolinha dela e meu marido não teve que lidar com nada perigoso nos últimos tempos, sinceramente minha maior preocupação ainda é com você. Sei que não quer deixar Lorent e que é complicado você vir morar comigo, mas não fique calada caso esteja acontecendo algo ruim, eu também sei o quão difícil é lidar com a Antonelle por isso me deixe saber caso não suporte mais. Também quero saber como estão as coisas por aí com a senhora Helena, com a Madame Pietra, mas principalmente com você. Estarei aguardando sua resposta.
Beijos Melinda "
As cartas que Elísis costumava receber principalmente da irmã mais velha tornaram-se o maior consolo desde a morte da mãe, isso a mostrava que não estava sozinho e que existem muitas pessoas importantes para ela. Elísis escreveu uma resposta colocando na carta todo conteúdo pedido pela irmã e também fez questão de tranquilizá-la em respeito às ações de Antonelle.
Melinda e Elísis tinham uma diferença de idade de cinco anos, ambas cresceram em Lorent sob os cuidados da mãe e auxílio da madame Pietra, mas ao contrário da irmã mais nova Melinda não foi capaz de suportar as implicâncias de Nelle nem assistir as humilhações a qual ela submetia a mãe então como não podia fazer nada, três anos antes da morte da mãe juntou dinheiro e se mudou para o marquesado de Lidong o território mais próximo de Edwine onde se casou, teve uma filha e arranjou um emprego como empregada na mansão do Marquês Lidong sendo esse o principal motivo de Elísis não poder ir morar com a irmã pois Melinda morava com o marido um cavaleiro do marquesado e a filha em um anexo da mansão feito exclusivamente para abrigar funcionários, a própria sobrinha de Elísis só morava lá porque ambos os pais trabalham na mansão, o único jeito de conseguir ir morar com a irmã mais velha seria conseguindo um trabalho na mansão também, porém para conseguir isso precisaria da carta de recomendação de um nobre de influência.
Depois de um breve banho para relaxar os músculos, Elísis finalmente se joga na cama e se entrega ao sono.
Na manhã seguinte colocou a carta da irmã mais velha para ser entregue como primeira ação do dia, então seria costume ir até à entrada da feira para abrir a barraquinha, mas naquela manhã havia algo para fazer antes. Graças ao aviso da madame Pietra com relação ao festival do reinício, Elísis decidiu se adiantar em preparar os arranjos e buquês encomendados pelos organizadores do evento por isso seguiu o caminho até os limites do vilarejo contrários a direção da fronteira dando numa trilha de campo aberto, seguindo aquele caminho por meia hora até chegar no início de um morro de altura mediana onde no topo estava o destino de Elísis.
Um gigantesco, vasto e maravilhoso campo colorido com centenas de milhares de flores diferentes tendo as suas pétalas e folhas balançadas pelas brisas do vento, aquele era o lugar onde Elísis pegava as flores para vender na barraquinha, antes costumava ser bem mais próximo do vilarejo, porém infelizmente Antonelle um dia decidiu simplesmente destruir o pequeno campo que tanto trabalhou para cultivar por isso teve que procurar um lugar mais distante para cultivar as suas flores, foi quando durante uma caminhada com o Dilam bem antes dele se mudar para mansão Edwine, que os dois tiveram a sorte de achar aquele local por acaso e ela o tem usado desde então.
— Se não fosse físico, eu diria que aqui é o próprio paraíso de Elixios — ela comentou consigo mesma respirando profundamente a brisa limpa e fria do lugar.
Com uma cesta pendurada no braço direito, Elísis começa a coletar as flores necessárias para combinar com a paleta de cores do festival, sendo essas rosa, vinho, laranja e amarelo, e para melhorar naquele lugar não faltava opção de cor. Ela caminha pelo vasto campo florido observando os arredores quando fica de frente para um arbusto quase completamente murcho.
— Que estranho, eu passei aqui a poucos dias e você estava bem, não era para estar tão murcho assim — curiosa ela agacha, afastando um pouco as folhas para ter uma visão do caule em que constata um conjunto de várias manchas – Uma praga não é mesmo.
Nesse momento Elísis se levanta olhando os arredores para ter certeza de estar sozinha, confirmado o fato ela se agacha novamente estendendo as mãos sobre o arbusto e se concentra, é então que das mãos dela começa a brotar um belo brilho verde se derramando sobre o arbustos que de pouco em pouco vai melhorando o seu aspecto. Quando Elísis para, a planta parece nova, folhas mais erguidas mostrando um verde vívido e algumas pequenas flores lilases entre elas, terminada a missão a jovem florista volta a vasculhar o campo parando apenas quando a cesta no braço direito estava completamente cheia.
Tendo tudo que precisava no momento Elísis anda rumo a mesma trilha pela qual veio, quando de repente surge uma ventania pela suas costas tão forte que quase não dá tempo de segurar as flores colhidas e bagunça completamente seu cabelo, achando estranho algo assim acontecer ali ela olha para trás acabando por se surpreender com a presença de alguém surgido do nada.
Um belo homem, com cabelos brancos ficando entre os ombros e a cintura, olhos verdes tão chamativos quanto os da Nelle, uma pele pálida com toques avermelhados, ombros largos e vestido com roupas de aparência super elegante como a de um nobre, porém o mais impressionante foram as longas asas de um tom verde translúcido que são encolhidas até sumir segundos depois, aquele homem era uma fada. Sem querer devido a surpresa Elísis acaba por o encarar durante muito tempo e ela só se dá conta quando o mesmo diz em tom bastante frio:
– Algum problema?
– Não desculpe… só não esperava encontrar com ninguém aqui – ela explica de forma nervosa.
O homem não diz nenhuma outra palavra apenas dá as costas para ela e adentra o campo florido, Elísis teve curiosidade em saber o que um fada estaria fazendo do outro lado da fronteira entretanto levou em consideração a atual relação entre as espécies decidindo por ir embora dali.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Ísis Nery
Uaaau 😯
Eu adorei o desenrolar e as explicações ainda mais contextualizadas!!
Só achei que o fator "salário mínimo" talvez tenha ficado um pouco desconexo, devido ao fato de uma falta de referência a que se tem em um salário mínimo, se é o de hoje no Brasil, em qualquer outro país... não deixa claro. Então acho que uma micro síntese sobre o tipo da moeda usada no universo da história cairia bem nesse momento apenas para a explicação.
De qualquer forma, eu continuo amando!!!
❤️❤️❤️❤️❤️
2022-12-17
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