Two

MAIY

Ao invés de continuar me martirizando com esses pensamentos, me levanto. Começo a me arrumar; tomo meu café e dou comida para meu amiguinho. Abro a porta, deparando-me com uma cena que há dias não via. Dia escuro, frio, triste.

Se o dia já está começando assim, agora tenho certeza, não terei um bom dia. — concluo em pensamento.

   Sinto algo me tocar de uma forma brusca. Alguém esbarrou em mim. Para minha infelicidade, é alguém conhecido, alguém que me odeia. Que tem como maior prazer, me irritar, me deixar brava.

   — Hã? É você? - Eric diz, já irritado.

   Sabia!

   — Cuidado por onde anda, idiota! — ele diz, já interpretando seu papel como "o arrogante que me odeia". Não consigo manter a calma, meu sangue começa a ferver quando ele ativa seu modo babaca.

   — Hã? Você que esbarrou em mim! - afirmo, irritada.

   — Eu uma ova! - ele retruca. — Você precisa usar óculos, não está enxergando direito - afirma, dando de ombros.

   Imbecil, ele que esbarrou em mim!

   — Seu idiota, você que está precisando usar óculos! - não consigo disfarçar minha voz, estou furiosa com esse babaca.

   — O que você dis—

   — Ei, ei! — Gabriel diz, interrompendo Eric. — Logo de manhã cedo os dois pombinhos já vão discutir?

   O que Gabriel acabou de comentar deixa Eric mais irritado do que já estava.

   — Cala a boca, Gabriel! — sua voz sai como um rugido de leão enfurecido, fazendo Gabriel recuar. No momento em que Gabriel recua, Pedro, outro amigo do Eric, surge.

   — Pô, Eric, se acalma, aí!

   — O que foi? Quer brigar, é? — Eric se exalta, desafiando Pedro.

   Eric é um idiota!

   — Se acalma, Eric! — Pedro diz, mantendo uma voz firme e calma. — Brigar não vai levar a nada.

   De uma maneira milagrosa, Pedro consegue resolver “minha discussão” com o Eric. Ambos, retomamos nosso trajeto à escola. Chego na sala, escolho um lugar para sentar. Enquanto o professor não chega, os que estão na sala, pegam cola de quem fez a atividade de biologia que devemos entregar em breve.

   — Maiy, cê fez a atividade de biologia? — Gabriel pergunta.

   — Fiz — respondo, dando de ombros.

   — Pode me emprestar? — indaga.

   “Emprestar”, o fato é: ele quer cola. Quer pegar as respostas.

   — OK— digo, entregando meu caderno a ele.

   — Vou comparar nossas respostas, tá?

   — Tudo bem — respondo. Mesmo sabendo que ele não fez a atividade, que irá apenas colar, pegar minhas respostas. Isso não me interessa. Não me importo.

   Fico olhando para o movimento do lado de fora, pela janela. Até que alguém, que sempre está com os nervos a flor da pele, querendo brigar, se posiciona em minha frente.

   — EI! — Eric grita, percebo irritação em sua voz.

   — O que você quer? — a pergunta sai fria, acompanhada de um olhar mortal.

   — Por que você andou espalhando que levei uma surra? — sua voz é como uma cobra venenosa, que se eu deixar suas presas cravarem em minha pele, posso morrer.  A acusação me pega de surpresa, meu corpo estremece, pois lembro que o vi surrar e não pegar uma surra.

   — Não sei do que você está falando — respondo, mantenho a calma. Sou fria. Não tenho motivo para sentir medo de sua acusação.

   — Como assim, “não sabe”? — sua voz me lembra uma avalanche. Fria. Perigosa. Podendo matar quem estiver por perto.

   — Eu não andei comentando nada desse tipo — afirmo, em um tom de voz firme.

   — Hã? Não? É quem foi, então? — me questiona, como se eu soubesse. Não fui eu quem espalhou esse boato, imbecil!

   — E vou saber? — digo, irritada com seu questionamento.

   — Ah! Sua—

   — Ei, Eric! — Gabriel o interrompe. — Calma, cara! — diz, se esforçando para não falhar a voz.

   — CALA A MERDA DA SUA BOCA, GABRIEL! — Eric grita, exasperado. — NÃO ESTOU FALANDO CONTIGO! — acrescenta.

   — Ela não iria ficar espalhando isso, você sabe! — Gabriel diz, tentando o acalmar.

   — As meninas falaram que ela disse que me viu levando uma surra no domingo passado — explica. Sua voz sai furiosa. Fico inquieta. Quem meteu meu nome no meio desta confusão? Alguém que me viu observando Eric naquele beco. Alguém que, obviamente, me odeia.

   — O quê? Eu não falei isso! — retruco, defendendo-me.

   — Mentirosa! — Eric exclama, me olhando com nojo e desprezo. Sou impotente diante deste babaca.

   — Eric, para! — Pedro diz, mantendo uma voz firme e suave. — Ela não fez isso!

   — Hã? Agora vai querer se meter também, Pedro? — incrédulo, Eric pergunta. Suas palavras saem como facas, prontas para tirar a vida de quem se meter na frente. — Como você pode ter tanta certeza de que não foi ela? — indaga.

   — Eric, fala sério! — Pedro o encara. — Você sabe muito bem que não foi ela. Você só quer brigar!— afirma. — Seu covarde, idiota! — exclama, em um tom de voz enojado. — Assume logo que você só usou esse boato como desculpa pra discutir com ela!

   — Cala a boca, Pedro! — Eric grita. — Você não entende nada, imbecil!

   — Não entendo o quê? Que você é um covarde? — ironiza. — Entendo muito bem isso!

   Posso sentir o corpo de Eric ferver de raiva. Ódio.

   — AH! SEU FILHO DA PUTA! - furioso, grita.

   — O que foi, Eric? — sorrindo, Pedro pergunta. — Vai querer me enfrentar? — se inclina para frente, o intimidando.

   — Pode vir, seu lixo! — Eric diz, sem hesitação.

   — O único lixo aqui é você, Eric! — Pedro adverte. — Seu babaca!

   Não se trata mais de mim, Eric esqueceu completamente o motivo pelo qual está aqui. Agora, sei que o que ele mais quer é acabar com Pedro.

   — Ei, melhor vocês não brigarem! — Gabriel alerta.

   — Fecha a merda dessa boca, Gabriel! — Eric solta, sem dar a mínima para o aviso de Gabriel. Está concentrado em sua luta. Quer derrotar Pedro.

   — Agora você vai ver, seu babaca! — Eric exclama.

   — Vem. Pode vir! — Pedro responde, sem medo algum.

   Porém, sua luta nem chega a acontecer, o professor entra na sala. Fica perplexo ao ver que dois alunos iriam brigar. Os professores não toleram alunos problemáticos e Eric é um desses. Antes de o cronômetro marcar cinco segundos da entrada do professor, ele já expulsa Eric e Pedro, manda-os à diretoria, eles não protestam.

   Uma garota da sala, chamada Beatriz, que não gosta de mim, diz ao professor que eles iriam brigar por minha causa. O professor não quer saber disso, ignora o comentário dela e mantém sua decisão firme: somente Eric e Pedro, à diretoria. Não consigo conter um sorriso, quando o professor a manda ficar quieta, ele não tem o mínimo interesse em saber se sou a causa da briga ou não.

   — Maiy — Gabriel balbucia, entregando-me meu caderno. — Desculpa por não ter conseguido te ajudar

   — Não, tudo bem — digo.

   — Obrigado por me emprestar o caderno — diz, voltando para seu lugar.

   Depois que termina a aula, começo a ensaiar o que vou dizer para Pedro, no dia seguinte, quando o encontrar. Irei me desculpar, não consigo esquecer o que aconteceu. Me martirizo. Tenho culpa. Mas Eric também tem. Esse boato que inventaram é culpado também. O fato é: quem espalhou isso? Quem espalhou, com certeza viu quando passei perto daquele beco e vi o Eric. Era alguém conhecido. Alguém que possui conhecimento sobre minha relação com ele, o quanto somos estáveis. Eric me odeia e esta pessoa que espalhou o boato também. Querem me torturar, me matar lentamente. Não há necessidade de fazer isso, minha própria mente se encarrega disso, droga!

    No dia seguinte. Como sempre, acordei cedo para ir à escola. Não é atoa que eu nunca me atraso. Sou a primeira a chegar na sala.

   Escuto vozes, passos, alguém está vindo. Alguém abre a porta, de repente, a sala que estava silenciosa, se torna eufórica.

   — Bom dia, Maiy! — Larissa diz, encostada no batente da porta, me encarando. Sua voz sai um pouco rouca e cansada.

   — Bom dia — digo. Minha voz sai sem nenhuma emoção, como se estivesse respondendo por pura educação. E eu realmente só estou respondendo por isso.

   — Você sempre chega cedo — ela argumenta, ainda me encarando. Se aproxima de mim, percebo sua inquietação. Algo a está incomodando.

   — Sabe — introduz, mantendo seus grandes olhos castanhos em mim —, eu soube que o Eric brigou com o Pedro depois que saíram da diretoria.

  O quê? Brigaram?

   — Mesmo? — pergunto, demonstrando interesse no assunto.

   — Foi! — exclama — Quem viu a briga comentou que os dois estavam emanando ódio!

  “Emanando ódio”?  Vários pensamentos surgem em minha cabeça, a fazendo latejar. Tudo isso é minha culpa! — concluo, frustrada. Não sei o que fazer para resolver. Estou ciente dei que se não estivesse aqui, na mesma turma que eles, isso não teria acontecido… Eles se conhecem a tanto tempo, são próximos, e mesmo assim, sempre brigam, por minha causa. Culpo-me.

   — Maiy? — Larissa me faz sair do transe em que estava.

   — Sim? — respondo.

   — Sabe que não foi sua culpa, né? — ela diz, de forma que não consegue me convencer.

   — Na verdade — digo, de cabeça baixa. —, sei que é minha culpa — admito.

   — Não, claro que não! — Larissa afirma, inclinando-se para frente, chamando minha atenção.

   — Eric está sendo injusto com você, e o Pedro sabe. Por isso, sempre quer te ajudar, mas acaba brigando com o Eric, mas não significa que é sua culpa.

   Abaixo a cabeça. Não sei o que lhe dizer.

   — Você sabe que estou certa! — diz, retirando-se.

   Estou pensativa.

   Enquanto estiver aqui, sei que haverá discussões, e brigas, entre Eric e qualquer outra pessoa que queira me defender de suas garras. Preciso me defender sozinha. Não posso envolver ninguém. Primeiro de tudo: porque Eric me odeia afinal?

   Olho para fora, percebo que Pedro está a caminho da sala. Quero agradecê-lo por me ajudar. Saio da sala, quero conversar com ele a sós, sem ninguém por perto. Chego até ele.

   — Pedro — digo, demonstração minha inquietação.

   — Maiy… - balbucia.

   O que a Larissa me contou é verdade, Pedro está machucado, ele e o Eric brigaram.

   — Que incomum, você veio falar comigo… — ele diz, mantendo seus olhos em mim.

   — Vim agradecê-lo, por sempre estar ajudando-me — abaixo a cabeça, em reverência. — e - continuo: - me desculpar, por tê-lo envolvido em algo que não lhe diz respeito — digo, sincera.

   — Por que você está sendo tão formal? — indaga, erguendo meu queixo, fazendo-me o encarar. — Por que está se desculpando? Não foi sua culpa. — diz, de forma suave. — O Eric é um idiota, você sabe muito bem disso! — diz, sorrindo para mim. — Ele não te conhece direito. Fica implicando com você, sem nenhum motivo.

   — Ele tem motivo — argumento, o encarando. — Seu ódio por mim, é o motivo.

   Assim que termino de falar. Pedro dá um passo para trás, fica surpreso, incrédulo. Leva suas mãos até a boca.

   — Ele não te odeia! — afirma, sua fala sai por entre os dedos, baixa e fraca, como um sussurro.

   Percebo sua inquietação. Ele quer me dizer algo. Porém, antes dizer mais alguma coisa, meu fiel inimigo surge.

   — Olha só — Eric diz, conseguindo nossa atenção para si. —, esse casalzinho. Estam de namorinho aqui, é? — diz, franzindo o nariz. — Que nojo!

   Pedro o encara. Sinto o clima ficar tenso. Ambos olham um para o outro, com o olhar feroz, capaz de matar. Sinto que se der um movimento em falso, estarei em perigo.

   — Já quer brigar, Eric? — Pedro fala, como uma mãe vendo seu filho fazendo algo idiota. — Não foi o bastante a surra de ontem? — se vangloria de uma vitória que eu sei que não aconteceu. Eric está machucado, mas ele não perderia para o Pedro, e Pedro não perderia para o Eric.

   — Cala a boca, Pedro! — Eric grita, sua voz sai como o rugido de uma fera.

  Meus olhos o examinam. Podem começar a brigar a qualquer momento.

   — Sério, Eric, o que fiz para você? — indago, demonstrando minha súbita tristeza. — Por que você me odeia?

   Eric se contorce, seus olhos tremem. Posso sentir sua hesitação. Pedro mantêm seus olhos cravados nele, esperando sua resposta, que não vem.

   — Ele não quer encarar a verdade! — Pedro afirma.

   Verdade? Que verdade? — pergunto-me.

  Como se Pedro estivesse lendo meu pensamento, responde.

  — Ele gosta de você!

   Não consigo acreditar que Eric tem algum sentimento, que não seja ódio, por mim.

   — JÁ MANDEI CALAR A BOCA, IDIOTA! — Eric grita, exasperado.

   — E desde quando você manda em mim? — Pedro o provoca. — Acha mesmo que só porque você aumenta o tom de voz, vou te obedecer? — gargalha. — Que ingênuo!

   — O QUE VOCÊ DISSE, SEU IDIOTA?

   Tenho a impressão de que Eric vai explodir tudo. Sua raiva cresce ao extremo, em frações de segundos.

   — Ei! — ouço alguém dizer. — Melhor não começarem a brigar. — a voz demostra autoridade. Pedro e Eric recuam, ao verem William, amigo de infância de ambos, em sua frente.

   — Eric — William diz, impondo autoridade. —, se acalma!

   O que ele consegue fazer, me surpreende. Eric recua. Se acalma. Sei que Eric não tem medo dele, mas o respeita, isso é evidente.

   — Vai logo pra sala! — William diz, firme.

   — Tsc! — isso é tudo que escuto vindo de Eric. Ele está irritado, mas se retira, sem protestar.

   — Valeu, William! — Pedro o agradece.

  Imagino que Pedro o agradece por conter os dois. Nenhum deles iria recuar, se William não tivesse aparecido.

   — Sei bem que é difícil de lidar com ele - William admite.

   Pedro assente com a cabeça e diz:

  — É. Mesmo assim, ele te escuta, sempre te escuta!

  — Ele me respeita, só isso — William dá de ombros. Eric é uma pessoa difícil. É arrogante. Mandão. Impaciente. William deveria se sentir especial por ter seu respeito.

   Está na hora de ir para sala.

   As aulas não demoram, o tempo passa rápido. Logo, já estamos na última aula. Assim que a sétima, e última, aula termina, saio da sala. Não quero permanecer por muito tempo no mesmo local em que o Eric está.

   À noite, estou em casa, deitada no sofá. Distraída. Não consigo escutar nada, além dos meus pensamentos.

   Por que ele é assim? - pergunto-me. O que fiz a ele?

   Sinto minha cabeça latejar. Estou pensando demais, porém, não consigo parar.

   Ele realmente me odeia?

   Fecho os olhos. As palavras de Pedro invade minha mente. Suas palavras ressoam em mim.“Ele gosta de você!”. Não entendo porque Pedro disse isso. “Ele gosta de você!”. Talvez tenha dito apenas para provocar o Eric. “Ele gosta de você!” Mas não acredito que o Pedro falaria algo assim apenas para o provocar, o deixar irritado, ele não é assim. “Ele gosta de você!”

   — Ah! — suspiro. — Isto é cansativo! — exclamo, enquanto olho para o teto.

  Junto as minhas mãos, como se fosse orar, fecho os olhos e sussurro:

   — Que amanhã o sol venha para aquecer, não queimar.

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