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Água na papa

E mais sal no mingau

Não enche a barriga

Nem dá para o gasto

– Vamos fazer o que temos de fazer – disse um dos mercadores. Sua vozfoi um convite para que se rompesse o silêncio. Nem mesmo uma notícia estranha assim conseguiria retardar os negócios mais importantes do ano.

– Enrik! – Miri foi correndo até o mercador, com quem vinha negociando nos últimos dois anos. Ele era magro e pálido, de nariz afilado, e seu jeito de esticar os olhos para ela dava a impressão de um passarinho há muito sem comer.

Enrik direcionou sua carroça para a pilha de pedras acabadas que representavam o quinhão de trabalho da família dela nos últimos três meses. Miri destacou o tamanho incomum de um dos blocos e a qualidade dos veios prateados noutros, o tempo todo de olho no conteúdo da carroça do homem, calculando a quantidade de alimentos que sua família iria precisar para passar o inverno.

– Essas pedras valem bem o esforço de carregá-las – disse Miri, esforçando-se ao máximo para imitar o tom de voz cálido e firme de Doter. Ninguém discutia com a mãe de Esa e Peder.

– Mas, para ser gentil, trocarei nossas pedras por tudo em sua carroça,exceto um barril de trigo, uma saca de lentilhas e um engradado de peixe salgado, contanto que você inclua aquele pote de mel.

Enrik soltou um estalido com a língua. – Mirizinha, é uma sorte para sua aldeia os mercadores virem tão longe atrás de pedras. Dou metade do que você está pedindo.

– Metade? Está brincando.

– Dê uma espiada por aí – ele disse. – Você não percebeu que há menoscarroças este ano? Nossos mercadores levaram mantimentos para a academia, e não para sua aldeia. Além disso, seu pai não vai precisar de tanto com você e sua irmã fora de casa. Miri cruzou os braços.

– Esse negócio de academia é apenas um truque para nos enganar, nãoé? Só pode ser fingimento, porque nunca alguém da planície levaria uma menina de Monte Eskel para a realeza.

– Depois da notícia da academia, nenhuma família com possíveis candidatas vai ter chance igual na vida, de modo que é melhor aceitarem minha oferta antes que eu me vá.

Um burburinho de frustrações ecoou por todo o centro da aldeia. A mãe de Peder ficou com o rosto vermelho e se pôs aos berros, e a mãe de Frid estava prestes a bater em alguém.

– Mas eu... eu queria... – Ela já estava prevendo chegar em casa triunfante com suprimentos suficientes para alimentar duas famílias.

– Mas eu queria... – Enrik a imitou com a voz esganiçada. – Ora, nãoprecisa ficar com o queixo tremendo. Vou lhe dar o mel, mas só porque um dia você pode ser minha rainha. Diante disso, ele soltou uma risada. Contanto que conseguisse levar algum mel para casa, Miri não se importava que ele risse. Não muito, na verdade.

Enrik a acompanhou até a casa dela e, pelo menos, ajudou a descarregar os mantimentos. Assim ela teve uma chance de se divertir um pouco ao vê-lo andar cambaleante, tropeçando pelo chão pedregoso.

A casa havia sido construída de cascalho, lascas de pedra cinzenta que os operários tiravam da terra para descobrir aquela que dava boa cantaria. Os fundos davam para a parede lisa de um filão abandonado, que, na infância de seu pai, oferecera matéria-prima com delicados veios azulados. Era cercada de montes de pedra boa e de cascalho, em pilhas que chegavam até o parapeito das janelas.

Miri passou a tarde em casa, ocupando-se com a tarefa de separar e guardar os mantimentos e encabulando-se ao pensar que não bastariam para os três passarem o inverno. Poderiam comer muitos dos coelhos e talvez matar uma cabra, mas um prejuízo desses os deixaria mais apertados no próximo inverno, e ainda no seguinte. Povo trapaceiro esse da planície.

Quando os raios do sol que atravessavam as persianas já perdiam o brilho, ficando alaranjados, o barulho das marretadas começou a diminuir. Quando o pai e Marda abriram a porta, já era noite. Miri havia preparado carne de porco, aveia e ensopado de cebola, com repolho fresco para comemorar os negócios do dia.

– Boa-noite, Miri – disse o pai, dando um beijo no alto da cabeça.

– Consegui que Enrik nos desse um pote de mel – disse Miri.

Marda e o pai ficaram impressionados com o pequeno triunfo, mas os negócios alquebrados e a estranha notícia da academia não saíram de seus pensamentos, e ninguém conseguiu fingir alegria, nem mesmo com o mel.

– Eu não vou – disse Miri enquanto remexia o ensopado que esfriava noprato. – Você vai, Marda?

Marda deu de ombros.

– Então eles acham que a aldeia pode ficar sem metade das meninas? –perguntou Miri. – Quem o ajudaria na pedreira sem a Marda por aqui? E, sem mim, quem daria conta de todo o trabalho de casa e cuidaria dos coelhos e das cabras e faria tudo que eu faço? – Ela mordeu metade do lábio e olhou para o fogo. – O que você acha, papai?

O pai passou um calejado dedo sobre a superfície bruta da mesa. Miri ficou atenta, estática como um coelho na escuta.

– Sentiria muita falta de minhas meninas – ele disse.

Miri soltou um suspiro. Ele estava do seu lado, e não deixaria o povo da planície tirá-la de casa.

Mesmo assim, sentiu dificuldade em terminar o jantar. Murmurou em seu íntimo uma cantiga sobre o porvir

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Comments

Luciana

Luciana

que lobinho mais gostoso 😍❤️

2023-05-02

0

Amanda

Amanda

😏😉

2022-12-05

0

•☆~ 𝒦 ~☆•

•☆~ 𝒦 ~☆•

eu queroooo mais 🥺🥺🥺

2021-12-03

3

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