02

– Resolvi permutar com o Enrik de novo – Miri falou – e estou determinada a arrancar mais alguma coisa dele. Não seria um feito e tanto? Marda sorriu, cantarolando. Miri reconheceu a melodia: era uma daquelas que os trabalhadores da pedreira cantavam enquanto arrastavam as pedras para fora do buraco. A cantoria os ajudava a manter o ritmo enquanto puxavam.

– Talvez um pouco mais de cevada ou de peixe salgado– Miri falou.

– Ou de mel – disse Marda.

– Melhor ainda. – Sua boca ficou aguando só de pensar em comer bolinhos quentes e nozes com mel no feriado, guardando um pouco para embeber biscoitos numa das áridas noites de inverno.

Por solicitação do pai, Miri assumira as permutas nos últimos três anos. Agora estava determinada a fazer com que aquele pão-duro mercador do pé da montanha entregasse mais do que pretendia. E ficou imaginando o sorriso silencioso no rosto do papai quando lhe contasse o que havia conseguido.

– Não consigo parar de pensar – disse Marda, segurando a cabeça De uma cabra particularmente resmungona enquanto Miri a ordenhava – depois que você saiu, por quanto tempo a mosca ainda ficou lá pendurada nele?

Ao meio-dia, Marda não saiu para ajudar na pedreira. Miri nunca falava desse momento cotidiano quando Marda ia embora e ela ficava. Não deixaria ninguém saber que se sentia muito pequena e feia. Pois fiquem achando que não ligo, pensava. Porque não ligo. Não ligo mesmo.

Quando tinha 8 anos, as outras crianças da sua idade já começavam a trabalhar na pedreira: carregando água, buscando ferramentas e executando outras tarefas básicas. Um dia foi perguntar ao pai por que não podia. Ele a abraçou, beijou-a na testa e a embalou com tanto carinho que Miri teve a sensação de que bastaria ele pedir para que ela saísse pulando de uma montanha à outra. Então ele falou, em sua voz baixa e tranquila:

– Nunca vai precisar pôr os pés na pedreira, minha flor. Ela não tornou a perguntar a ele por quê. Miri sempre foi pequenina, desde que nasceu, e aos 14 anos era menor que meninas muito mais novas. Dizia-se pela aldeia que algo considerado inútil era "mais fraco que o braço de um homem da planície". Quando ouvia esse ditado, Miri tinha vontade de cavar um buraco na rocha e se esconder lá nas profundezas.

– Inútil! – dizia, rindo. Ainda sentia mágoa, mas preferia fingir, até parasi mesma, que não ligava.

Miri subiu a rampa atrás da casa tangendo as cabras até onde se encontravam os últimos trechos de pasto. No inverno, elas arrancavam os tufos de capim pela raiz. Na aldeia, todo verde desaparecia. Os fragmentos da cantaria se acumulavam tanto que Miri não conseguia escavar o suficiente e as encostas beirando as trilhas da aldeia ficavam cobertas de cascalho. Ela ouvia os mercadores da planície reclamando, mas estava acostumada a andar o tempo todo pisando em cima das lascas de pedra, assim como à poeira no ar e ao som das marretadas que marcavam a pulsação da montanha.

Cantaria. A única lavra da montanha, o único meio de sustento de sua aldeia. Ao longo dos séculos, sempre que se esgotava uma jazida, os aldeões abriam uma nova, mudando a aldeia do Monte Eskel para a pedreira antiga. Cada escavação produzia pequenas variações de brilho e brancura. Já haviam extraído pedra mosqueada por suaves tons de rosa, azul, verde e, agora, prateado.

Miri amarrou as cabras a um arbusto retorcido, sentou-se no chão de relva e arrancou uma das minúsculas florezinhas cor-de-rosa que cresciam nas frestas do rochedo. Uma flor de miri.

O veio que estava sendo agora explorado fora descoberto no dia em que Miri nasceu e o pai quis dar a ela o nome da pedra.

– Este filão é o mais lindo que já surgiu – disse ele à mãe dela –, branco puro com raias prateadas.

Mas, na história que ela tantas vezes já arrancara do pai, sua mãe se recusava: "Não quero filha com nome de pedra", dizia, preferindo dar a ela o nome da flor que conquistava os rochedos e despontava para o sol.

O pai dizia que, apesar da dor e da fraqueza após o parto, a mãe não largava o minúsculo bebê. Uma semana depois, ela morreu. Embora não se recordasse de nada além do que criara na própria imaginação, Miri considerava aquela semana nos braços da mãe a coisa mais preciosa que já tivera e acolhia esse pensamento bem no fundo do coração.

Girou a florzinha entre os dedos, fazendo soltarem-se as finíssimas pétalas, que foram levadas pela brisa. Dizia a sabedoria popular que ela poderia fazer um desejo caso todas caíssem em um único giro.

Que desejo poderia fazer?

Mais populares

Comments

Amanda

Amanda

🌹🌹🌹🌹🌹

2022-12-05

0

Marianna Da Silva🥀🍃

Marianna Da Silva🥀🍃

Q sobrenomes são esses kkkjk'

2021-12-03

5

Débora Nogueira 💫

Débora Nogueira 💫

Que isso princesa 😅😅😅

2021-12-02

3

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!