Capítulo 4 – Sob Pressão
O plantão da noite começou mais agitado do que o normal.
Helena havia acabado de trocar o jaleco quando foi chamada às pressas para o pronto-socorro.
Um menino de nove anos havia dado entrada com fortes convulsões e suspeita de trauma craniano.
O tipo de caso que exigia atenção imediata.
Quando chegou à sala de emergência, encontrou Laura já ao lado da maca.
O cabelo ruivo estava preso de qualquer jeito, algumas mechas caindo no rosto.
Mesmo no caos, ela mantinha a calma, a voz firme enquanto orientava a equipe de enfermagem.
— Saturação em 94, pressão caindo! — gritou uma enfermeira.
Helena pegou o exame de imagem rapidamente.
— Há hematoma subdural — disse, quase para si mesma. — Ele precisa de neurocirurgia agora.
Laura olhou para ela, séria.
— Ele tem histórico de cardiopatia congênita. Vai precisar de estabilização antes de você abrir a cabeça dele.
Por um segundo, houve silêncio.
Era a primeira vez que Laura a confrontava em uma decisão médica.
Helena ergueu os olhos azuis, avaliando-a de cima a baixo.
— Cada minuto que ele sangra, aumenta o risco de morte — disse, seca.
— E cada minuto que ele é sedado sem preparo, aumenta o risco de parada — rebateu Laura, sem desviar o olhar.
O clima na sala ficou pesado.
Os residentes e enfermeiros se entreolhavam, esperando a decisão da chefe.
Helena respirou fundo.
— Três minutos para estabilização. Não mais. — Sua voz foi um fio de aço.
Laura assentiu, voltando imediatamente a agir.
Os dois mundos — o da precisão cirúrgica de Helena e o da delicadeza pediátrica de Laura — encontravam-se ali, em meio ao som dos monitores.
Minutos depois, o menino foi levado para o centro cirúrgico.
Helena lavou as mãos, colocou a touca e entrou na sala.
Laura, ainda de máscara, ficou observando da antecâmara, o coração acelerado.
A cirurgia foi longa, mas um sucesso.
Quando Helena finalmente tirou as luvas, estava suada, cansada, mas satisfeita.
Ao sair, encontrou Laura esperando.
— Ele vai ficar bem — disse Helena, enxugando o rosto.
Laura sorriu, aliviada.
— Obrigada por não ter começado antes.
Helena a olhou por um instante.
— Você estava certa.
Foi a primeira vez que Laura viu a neurocirurgiã admitir algo assim.
E aquilo acendeu uma faísca de respeito que se misturava a algo mais.
As horas seguintes foram de acompanhamento no pós-operatório.
As duas passaram a noite no hospital, monitorando o menino.
Em algum momento, já quase de manhã, se encontraram na copa.
Laura estava sentada, segurando uma caneca de café, quando Helena entrou.
O jaleco dela estava aberto, revelando a blusa por baixo.
Parecia menos impenetrável naquele momento.
— Você não dorme nunca? — perguntou Laura, com um sorriso cansado.
Helena ergueu uma sobrancelha.
— Você também não.
Ficaram em silêncio por alguns segundos, o barulho distante dos monitores preenchendo o ambiente.
Laura quebrou o silêncio.
— Quando eu tinha quinze anos, meu irmão ficou internado por uma semana.
Helena a olhou, surpresa pela confissão repentina.
— Foi quando decidi que queria ser médica. Eu passava horas ao lado dele, observando as enfermeiras, os médicos... Foi a primeira vez que senti que alguém realmente cuidava da gente.
Helena ficou quieta por um momento, como se estivesse processando aquilo.
— Eu não lembro de ter tido esse tipo de momento — disse por fim. — Só lembro de querer ser perfeita para meus pais.
Laura inclinou a cabeça, estudando o rosto da outra.
— E conseguiu?
Helena riu, um som baixo, quase irônico.
— Nunca é suficiente.
A conversa foi interrompida por uma chamada no pager de Helena.
Ela se levantou imediatamente, o momento de vulnerabilidade desaparecendo tão rápido quanto veio.
— Obrigada pelo café — disse, antes de sair.
Laura ficou olhando para a porta por alguns segundos depois que ela se foi.
Havia algo naquela mulher que a intrigava profundamente.
A frieza era real, mas escondia algo que Laura tinha certeza de querer conhecer melhor.
Nos dias seguintes, Helena e Laura se viram cada vez mais.
Casos pediátricos que precisavam de neurocirurgia tornaram-se quase rotina.
E cada vez que estavam na mesma sala, havia algo no ar — algo que nenhum dos residentes ousava comentar.
Certa noite, após mais um plantão exaustivo, Laura saiu para o estacionamento.
Encontrou Helena parada ao lado do carro, olhando o celular com expressão fechada.
— Está tudo bem? — perguntou, se aproximando.
Helena hesitou, como se estivesse decidindo se respondia ou não.
— Minha ex me mandou mensagem — disse, de repente. — Depois de anos.
Laura piscou, surpresa com a sinceridade.
— Isso é bom ou ruim?
Helena deu de ombros.
— Ainda não sei.
O silêncio que se seguiu não foi desconfortável.
Na verdade, Laura sentiu como se estivesse sendo convidada para atravessar uma linha invisível.
Uma linha que separava a chefe rígida da mulher que agora parecia quase... humana.
— Quer companhia até em casa? — Laura se ouviu perguntar.
Helena a encarou, surpresa.
E, por um instante, algo brilhou nos olhos azuis.
Mas ela balançou a cabeça.
— Não. Mas obrigada.
Laura sorriu de leve e se despediu.
Enquanto caminhava até seu próprio carro, sentiu o coração acelerado.
Algo estava acontecendo ali.
Algo que poderia mudar tudo.
E, pela primeira vez em muito tempo, Helena sentiu o mesmo.
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Atualizado até capítulo 94
Comments
Suzy❤️Koko
Se não atualizar logo, vou ter um colapso nervoso! 😫
2025-09-21
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