Sob a Luz FRIA
Capítulo 1 – Helena
O despertador tocou às cinco e meia da manhã, mas Helena já estava desperta.
Ela raramente dormia profundamente. O sono era leve, quase cronometrado, como se até os sonhos respeitassem sua disciplina.
Do vigésimo quarto andar de um prédio moderno na Avenida Paulista, ela observava a cidade despertar.
O céu cinza começava a clarear, e lá embaixo as primeiras buzinas se misturavam ao som distante de sirenes.
Era assim todas as manhãs: São Paulo acordando, e ela junto — pronta para outro dia em que não poderia falhar.
Helena Vasconcellos tinha trinta e quatro anos e era a neurocirurgiã-chefe do maior hospital público da cidade.
Alta, de postura impecável, cabelos loiros sempre presos em um coque perfeito, e olhos azuis tão frios quanto as lâmpadas do centro cirúrgico, ela inspirava respeito imediato.
No hospital, os residentes a temiam quase tanto quanto a admiravam.
Para eles, ela era sinônimo de perfeição — e perfeição era tudo o que Helena sabia ser.
Filha única de dois advogados renomados, crescera em um apartamento espaçoso nos Jardins, onde a disciplina reinava.
Naquela casa, os silêncios eram longos, as expectativas, altas.
Notas abaixo de dez não traziam broncas, apenas olhares desapontados e jantares silenciosos.
Foi assim que ela entendeu, desde cedo, que ser impecável era a única maneira de ser vista.
A medicina surgiu como vocação, mas também como forma de provar algo.
Provar que era suficiente.
Durante a faculdade, Helena se tornou conhecida por sua dedicação.
Não bebia, não ia a festas, raramente sorria — até conhecer Marina.
Marina era seu oposto: cabelos cacheados, pele morena, riso escandaloso e uma forma de viver que beirava o caos.
Helena não soube como aconteceu. Só sabia que, de repente, estava apaixonada.
Foi seu primeiro e único amor.
Foram meses de intensidade.
Plantões divididos, noites viradas estudando juntas, beijos às escondidas nos corredores.
Marina a fazia rir, algo raro para Helena.
Mas, mesmo assim, havia uma barreira invisível entre elas.
Helena tinha medo de se entregar por completo, medo de perder o controle que custara tanto a construir.
No último ano da residência, Marina recebeu uma proposta para trabalhar no Rio de Janeiro.
Na noite da despedida, ficou na porta do apartamento, mala na mão.
“Você é brilhante, Lena. Mas parece que ama mais a neurocirurgia do que a mim.”
Helena ficou parada, imóvel, como se qualquer palavra fosse perigosa demais.
Quando Marina se foi, ela trancou a porta e voltou a estudar.
Não chorou. Não implorou. Não permitiu que a dor a derrubasse.
Depois daquela noite, Helena mergulhou de vez no trabalho.
Fez mestrado, doutorado, conquistou o cargo de chefia que todos sonhavam.
O hospital se tornou sua casa, e a sala de cirurgia, o único lugar onde ela realmente respirava.
Gostava das luzes frias, do som metálico dos instrumentos, do controle absoluto que tinha ali.
Nada fugia de seu domínio — pelo menos, era o que ela gostava de acreditar.
Às seis em ponto, Helena estava pronta.
Jaleco passado, coque impecável, maquiagem mínima.
Dirigiu pelas ruas ainda vazias, sentindo o ar frio da manhã bater no rosto.
O dia começava como tantos outros, mas, no fundo, uma sensação incômoda crescia.
Algo dizia que, em breve, sua vida deixaria de ser tão previsível.
Que alguém estava prestes a atravessar suas defesas — e talvez, quebrá-las de vez.
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Atualizado até capítulo 94
Comments
Erca Tovela
huuuu interessante 🥰
2025-10-07
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