Malak fechou a última gaveta de ébano com um clique seco. Suas posses eram poucas e meticulosamente escolhidas: vestes escuras de tecido finíssimo, alguns tomos de magia proibida disfarçados de livros de história entediante, e um punhal serrilhado que absorvia a luz ao seu redor. Tudo estava arrumado em um baú negro e austero.
Korbin permanecia à entrada dos aposentos, uma silhueta de hesitação e preocupação. "Tudo está pronto,Alteza. O portal está estabilizado e à sua espera."
Malak passou por ele sem um olhar, seu manto fluindo atrás de si. No grande salão do portal, o vortex de energia sombria girava violentamente, um contraste gritante com o pequeno e sereno portal dourado que havia sido aberto ao seu lado – a passagem para Luminária.
"Cuide das Trevas, Korbin", ordenou Malak, sua voz ecoando na vastidão do salão. "Mantenha as aparências. Deixe todos pensarem que estou em um retiro espiritual... contemplando meus erros." O sarcasmo pingava de cada palavra.
"Sim, Alteza. E... o que devo esperar de seu retorno?" perguntou Korbin, ousando levantar os olhos.
Malak parou à beira do portal dourado, sua figura imponente e escura contra a luz suave e ofensiva que dele emanava. Ele olhou para trás, sobre o ombro, e seu rosto foi iluminado por um brilho áureo que não conseguiu vencer a escuridão em seus olhos.
"Não deixe esse reino muito feliz na minha ausência..." ele sussurrou, mas a ordem era clara como cristal. "Eu volto assim que terminar. E voltarei mais forte que nunca."
Korbin curvou-se profundamente, uma pontada de temor e antecipação percorrendo sua espinha. "Sim, senhor."
Sem mais cerimônias, Malak deu um passo decisivo para dentro do portal. A sensação foi imediata e nauseante. Era como ser dissolvido em mel e luz solar. Uma calorias enjoativa invadiu seus sentidos, tão oposta à fria e poderosa escuridão que sempre o envolveu. Ele fechou os olhos, suportando a agonia da viagem, até que seus pés pisaram em algo sólido e macio – grama.
Ele abriu os olhos.
O ar cheirava a flores doces e pão fresco. O céu era de um azul impossível, sem uma única nuvem. À sua frente, erguia-se uma escola de torres brancas e douradas, com vitrais que pintavam a luz do sol em cores vibrantes no chão. Era até bonito. Era enjoo.
"Seja bem-vindo, Malak."
A voz era calma, amigável, mas carregada de uma autoridade natural. Malak se virou lentamente. Diante dele estava um homem de cabelos prateados e olhos gentis, vestindo robes azuis imaculados. Era quase um rei, e Malak sabia exatamente quem era: o Príncipe Regente Renato, o herdeiro de Luminária, filho da rainha que seu próprio pai havia ajudado a salvar. A ironia queimava seu estômago.
Malak não sorriu. Apenas inclinou a cabeça num cumprimento mínimo e glacial. "Príncipe Renato."
Renato estendeu a mão em um gesto de paz. Malak olhou para ela como se fosse um inseto repugnante, mas depois, lembrando-se de seu disfarce, apertou-a rapidamente. O toque foi quente e firme.
"Como eu poderia dizer não a um convite desses?" disse Malak, sua voz um tom mais baixo, forçando uma neutralidade cortante.
Renato sorriu, um sorriso genuíno que Malak achou profundamente irritante. "Esperamos que seja uma experiência transformadora. Venha, vou mostrar a escola para você." Renato começou a andar, e Malak o seguiu, seus passos pesados e silenciosos na grama perfeita.
"Aqui não temos só princesas e príncipes", explicou Renato, gesticulando para os jardins onde grupos de jovens conversavam.
Malak lançou um olhar ao redor, seus olhos ágeis captando cada detalhe, cada ponto cego, cada janela possivelmente levando aos aposentos reais. "Vi sereias, fantasmas..."observou, sua voz plana.
Renato pareceu impressionado. "Acertou! Um olhar muito observador. Todos aqui querem um futuro muito melhor a cada dia. Por isso se dedicam cada vez mais nas aulas."
"São quantas aulas por dia?" perguntou Malak, já entediado com o discurso motivacional.
"Cinco. Mas não se preocupe, tudo está detalhado em um caderno em cima da sua cama, junto com seu uniforme." Renato parou diante de uma porta de carvalho maciço, com o número 8 gravado em prata. "E aqui estão os seus aposentos."
Ele abriu a porta. O quarto era amplo, ensolarado, com duas camas, duas escrivanias e uma grande janela com vista para os jardins. Em uma das camas, estava dobrado um uniforme azul e dourado. Na outra, sentado e lendo um livro, estava um jovem.
"Príncipe Thiago", apresentou Renato. "Ele será seu colega de quarto. Foi ele quem se ofereceu para te ajudar e te acompanhar nos primeiros dias."
Thiago ergueu os olhos do livro. Seus cabelos eram castanhos e cacheados, seus olhos da cor do mel e cheios de uma curiosidade tranquila. Ele tinha um queixo forte e um sorriso tímido pronto para surgir. Era, inegavelmente, desconcertantemente bonito.
Porra, que moleque bonito, foi o primeiro e involuntário pensamento que cruzou a mente de Malak, seguido imediatamente por uma onda de raiva por ter notado.
Thiago se levantou, fechando o livro. "É um prazer, Malak. Espero que se sinta em casa."
Malak ignorou completamente o cumprimento. Seus olhos se fixaram no uniforme azul, um símbolo de tudo que ele desprezava. Sua expressão se contraiu em um misto de nojo e resignação.
"Não podia piorar", murmurou Malak, para si mesmo, mas alto o suficiente para ser ouvido.
Ele pegou o uniforme, segurando-o entre o polegar e o indicador, como se estivesse segurando um animal morto. Olhou para Thiago, depois para Renato, e então de volta para o uniforme. Um sorriso sarcástico e amargo surgiu em seus lábios.
"E pode sim."
O tom não era de desânimo. Era um aviso. Um desafio silencioso lançado ao quarto ensolarado, ao colega de quarto bonito e ao mundo absurdamente feliz que o cercava. O jogo verdadeiro começava agora.
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