Enquanto Mavie se perdia entre contratos e sonhos de vidro e concreto, Zoe vivia em um universo completamente diferente.
Seu refúgio era um pequeno estúdio de tatuagens no centro do bairro, com paredes cobertas de desenhos, cartazes de bandas antigas e o cheiro permanente de tinta e cigarro. Ali, o tempo parecia andar em outro ritmo.
Brian, o dono do lugar, era seu melhor amigo desde a adolescência. Alto, cabelos bagunçados e braços cobertos de tatuagens, tinha um jeito calmo que contrastava com o ar inquieto de Zoe. No estúdio, ele era mais que um tatuador: era confidente, parceiro de bebedeiras ocasionais e o ouvido que ela procurava sempre que queria fugir dos sermões da mãe.
— Achei que você não vinha hoje — disse Brian, sem levantar os olhos da pele do cliente que tatuava.
— Onde mais eu estaria? — Zoe jogou-se no sofá gasto do canto, acendendo um cigarro.
Enquanto observava a agulha deslizar pela pele alheia, sentia-se estranhamente em paz. A cada desenho que Brian terminava, Zoe pensava que tatuagens eram como as escolhas da vida: marcas que ninguém podia apagar. E talvez fosse por isso que se sentia tão ligada àquele lugar — ali, não precisava fingir ser alguém que não era.
— E a sua mãe, ainda pegando no seu pé? — perguntou Brian, terminando o contorno.
Zoe soltou a fumaça devagar, como se quisesse que o ar carregasse junto as preocupações.
— Como sempre. Ela acha que eu devia estar estudando, trabalhando, pensando no futuro. Mas eu não quero isso, Brian. Eu quero viver o agora. O futuro é chato demais.
Ele riu, trocando as agulhas com habilidade.
— Um dia você vai cansar desse “agora”, Zoe.
— Talvez. Mas não hoje.
O celular vibrou em seu bolso. Era mais uma mensagem não lida de Mavie, provavelmente perguntando se ela voltaria cedo para casa. Zoe ignorou. Não tinha paciência para sermões nem para comparações. No fundo, amava a irmã, mas odiava se sentir um peso diante da perfeição dela.
Ali, no estúdio de Brian, não era a filha problemática de Violeta nem a irmã rebelde de Mavie. Era apenas Zoe: uma garota de vinte e quatro anos tentando encontrar sentido nas marcas da pele e na liberdade que acreditava ter.
Além de passar horas observando Brian trabalhar e respirando aquele ar cheio de tinta e música alta, Zoe ajudava o amigo de vez em quando. Organizar materiais, esterilizar agulhas, cuidar da agenda de clientes… eram pequenas tarefas que rendiam um dinheiro extra, suficiente para comprar os cigarros que tanto gostava.
Ela sabia que não estava acumulando nada de verdade, nem construindo um futuro sólido, mas sentia uma estranha liberdade ao contar apenas com ela mesma. Cada pagamento que entrava em sua mão trazia a sensação de independência, ainda que fosse mínima.
— Aqui, Zoe. Passa essa bandeja pra mim — Brian pediu, sem olhar, enquanto terminava um esboço detalhado no braço de um cliente.
— Pode deixar — ela respondeu, pegando a bandeja com cuidado.
Enquanto limpava a área de trabalho, olhou para o teto do estúdio, cheio de desenhos inacabados e inspirações espalhadas. Por um momento, sentiu que aquele era o seu mundo, seu pequeno refúgio. Não importava que a mãe estivesse em casa, preocupada com sua irmã perfeita, nem que Mavie estivesse se construindo passo a passo em direção a um futuro brilhante. Ali, Zoe podia simplesmente existir.
Ela tragou um cigarro, observando o movimento do estúdio e a precisão de Brian, e sorriu. Talvez o futuro não importasse tanto quanto a liberdade de escolher cada momento — mesmo que isso significasse se perder um pouco no caminho.
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Atualizado até capítulo 69
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