CAPÍTULO 2

Na manhã seguinte.

   O cheiro do café recém-passado e do arroz quente preenchia a cozinha. A mesa estava posta com um típico café da manhã japonês: arroz, sopa de missô, peixe grelhado e um pouco de tsukemono.

Meus pais já estavam sentados, em silêncio. O tipo de silêncio que não precisa de palavras pra ser entendido.

   — Bom dia… — murmurei, puxando a cadeira. Minha voz saiu baixa, quase preguiçosa. Ainda usava o pijama largo de seda branca, do tipo que me fazia sentir escondida do mundo.

   — Bom dia, filha… — respondeu meu pai, sem ousar me encarar. O olhar dele estava preso à tigela, como se o arroz fosse mais interessante que a própria família.

   Minha mãe, por outro lado, sequer abriu a boca. Apenas manteve os olhos baixos, cansados demais até para fingir normalidade.

   Comi em silêncio, mastigando devagar só pra não ficar de estômago vazio. A cada colherada, o peso do ambiente me sufocava.

Meu pai foi o primeiro a quebrar o momento:

   — Vou pro trabalho. — disse, levantando-se e ajeitando o casaco meio amassado.

   “Trabalho.” Engoli a vontade de rir. Aquele que um dia foi dono de uma das galerias mais respeitadas de Yokohama, agora se limitava a consertar molduras quebradas e restaurar pinturas baratas para sobreviver.

   Assenti apenas, sem erguer a cabeça. Ele saiu meio sem jeito, como um estranho dentro da própria casa.

    Restamos só nós duas. Eu e minha mãe, cercadas por um silêncio espesso que dizia muito mais do que qualquer palavra.

   — Vou me aprontar pra exposição… — avisei, levantando e fazendo uma leve reverência.

   Ela apenas assentiu, forçando um meio sorriso tranquilo que não enganava ninguém.

   Minutos depois, já no quarto, terminei de ajustar a gravata preta do uniforme diante do espelho. Encarei meu reflexo: nada de extraordinário. Olhos amendoados e ligeiramente puxados, maiores que a média, um presente genético do meu pai que me diferenciava sutilmente das outras garotas. A altura modesta de um metro e cinquenta e cinco e os cabelos lisos que desciam até a cintura, essas características vinham da minha mãe.

   Suspirei. Talvez eu parecesse comum demais, mas minha vida estava longe disso.

   Olhei para o relógio. Estava atrasada para o metrô. Corri, peguei a mochila e, antes de sair, meus olhos pousaram novamente sobre o panfleto.

   Aquele pequeno papel parecia gritar dentro da minha mente. Hesitei por alguns segundos… mas acabei dobrando e enfiando no bolso.

...----------------...

   A exposição estava um espetáculo. As paredes brancas da galeria estavam cobertas de cores vivas, traços precisos e obras que pareciam respirar. Minha turma inteira estava lá, boquiaberta diante dos grandes mestres japoneses.

   — Olha isso, Mai… — Shiho parou diante de um quadro realista de uma mulher tailandesa. — É como se ela fosse sair da tela agora. O olhar dela é tão… vivo.

   Parei ao lado dela, observando os detalhes minuciosos que realmente beiravam a perfeição.

   — É realmente encantador — murmurei.

   Ficamos mais alguns minutos passeando pelos corredores, parando em frente a outras obras de tirar o fôlego. Mas eu não conseguia relaxar.

   — Shiho… preciso ir agora. — falei baixo, quase cortando a frase pela metade.

Ela se virou, franzindo o cenho.

   — Como assim? A exposição mal começou… — a voz dela soou num sussurro indignado.

   Shiho sempre teve aquele jeito de me decifrar fácil demais. A franja curta que caía sobre as sobrancelhas dava a ela um ar doce, mas o olhar perspicaz dizia outra coisa: ela sabia que eu escondia algo.

   — É sério. Preciso resolver uma coisa… depois te explico. — cortei rápido, já me afastando antes que ela me segurasse pelo braço.

   Acelerei o passo em direção à saída. Foi aí que aconteceu.

   Entrei na porta de correr no mesmo instante em que outro homem tentava passar. Só que a maldita emperrou, e eu fui direto com o rosto contra o vidro.

— Ai, droga! Meu nariz… — levei a mão ao rosto, sentindo a dor latejar.

   Do outro lado, ele também estava preso. Um homem alto, absurdamente bonito. E coloque bonito naquele monumento de gente. Sério demais para aquele ambiente. Todo de preto, com um sobretudo longo e luvas de couro que o deixava ainda mais imponente e misterioso.

   — Senhor, não se preocupe… vamos resolver em instantes! — um funcionário baixinho correu em volta da porta, nervoso. O rosto dele denunciava o medo que sentia.

   Tentei manter a compostura, mas quando ergui o rosto nossos olhos se encontraram, como em câmera lenta. E foi estranho.

   O olhar dele carregava algo pesado, quase perigoso. Um frio percorreu minha espinha na mesma hora.

   Ele não disse nada. Nem sequer perguntou se eu estava bem. Apenas me estudou em silêncio.

   — Só mais alguns minutos, senhor! — gritou o funcionário, tentando forçar o mecanismo.

Finalmente, a porta deslizou.

   Eu fiquei do lado de fora, ele seguiu para dentro. Mas, antes que o vidro nos separasse de vez, ele olhou para trás.

    E aquele olhar me prendeu de um jeito que não consegui explicar. Foi breve, mas intenso o suficiente para me deixar completamente desconcertada.

E então ele desapareceu.

   — O que foi aquilo?! — sussurrei para mim mesma.

    Fiquei ali parada por alguns segundos, ainda processando o que havia acontecido. Balancei a cabeça, afastando os pensamentos confusos. Tinha algo muito mais urgente esperando por mim, e estava no meu bolso.

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Comments

Carolina Luz

Carolina Luz

até eu fiquei em câmera lenta com esse olhar

2025-09-11

3

Amanda

Amanda

🫣🫣🫣🫣🫣🫣🫣🫣🫣Já estou curiosa e ansiosa pela próximo capítulo
Essa estória está boa demais 👏👏👏

2025-09-11

3

Selma

Selma

Ela já encontrou com o pai do filho dela, só ainda não sabe.

2025-09-11

3

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