Aquela semana estava um desastre, como as anteriores.
Primeiro, o imbecil do Riku terminou comigo depois de mais de um ano juntos. Perdi tempo, energia, lágrimas e até dinheiro em encontros que ele nunca valorizou. E pra quê? Pra ele ter a covardia de terminar pelo telefone. Nem coragem de olhar nos meus olhos ele teve. Covarde.
Além do namoro fracassado, havia outro problema: mais um e-mail da faculdade aberto na tela do meu laptop. Outro aviso sobre a dívida da mensalidade. Outra cobrança. Outra ameaça velada de suspensão.
Logo percebi que foi uma péssima ideia abrir aquele e-mail antes de dormir.
"Droga, mais uma parcela atrasada." Pensei.
A faculdade de artes era meu sonho. Mas sonhos custam caro às vezes e eu estava sem chão, pior ainda, sem dinheiro.
Meus pais já não podiam me ajudar. Um dia fomos classe média alta, nunca passamos necessidade. Saudades daqueles tempos. Tínhamos uma galeria de arte em Yokohama, carro novo na garagem, viagens ocasionais. Mas isso acabou quando meu pai, Hiroshi Kato, decidiu apostar a vida em mesas de mahjong e cassinos clandestinos.
Ele perdeu tudo. A galeria, o carro, as economias. E agora até a casa onde vivíamos estava ameaçada.
A verdade nua e crua?
Estávamos fodidos, essa era a definição perfeita da situação.
— Mai… já passou da hora de dormir. — a voz cansada da minha mãe, Yui, veio da porta.
Virei-me na cadeira. Ela usava uma camisola simples, os ombros curvados pelo peso da preocupação. A cada noite mal dormida, parecia envelhecer mais dez anos.
— Eu… estava terminando um trabalho da faculdade. — menti sem pensar.
Ela caminhou até mim devagar, me abraçou por trás. Seu toque era quente, mas carregava tristeza.
— Você não precisa fingir pra mim, filha. É sobre a faculdade, não é?
Assenti, sem conseguir encarar aqueles olhos que sempre enxergavam além das minhas mentiras.
— Outra mensalidade vencida, mãe… — murmurei.
Ela fechou os olhos por alguns segundos, respirando fundo como quem tentava suportar mais um peso sobre os ombros já cheios demais.
— Eu sei o quanto isso significa pra você. — disse, com a voz embargada. — Mas não sei mais o que fazer… Tudo que nos resta é esta casa.
Sua voz falhou. Quase chorou.
Segurei suas mãos, firme.
— Ei, não se culpe. Isso não é culpa sua. Eu vou dar um jeito… de algum modo, vou. Nós vamos superar isso.
Ela forçou um sorriso pequeno, frágil, e saiu do quarto. Mas eu sabia a verdade. Ou eu largava meu sonho para trás, ou encontrava uma saída rápida. A segunda opção parecia cada vez mais impossível.
...----------------...
No dia seguinte, depois da aula, saí da faculdade acompanhada de Shiho, minha parceira de sempre. Um metro e sessenta de pura energia, cabelos curtos e dona das bochechas mais rosadas e rechonchudas que já conheci, ela era a responsável por arrancar risos de mim mesmo nos piores dias..
— Vai na exposição amanhã? — perguntou, mexendo no celular enquanto andávamos pelo portão de saída.
— Não sei… talvez. — respondi, distraída.
Ela me encarou de lado com aquele olhar desconfiado, enquanto afastava do rosto a única mecha azul-turquesa que sempre insistia em escapar do resto do cabelo castanho.
— Você anda distante, Mai. Tá com a cabeça em outro lugar. O que tá acontecendo?
— Problemas, Shiho. Daqueles que não dá pra contar agora... — suspirei, cansada.
Ela assentiu, respeitando meu silêncio.
Foi então que alguém se aproximou da saída distribuindo panfletos. Eu nem dei bola, mas Shiho pegou um.
— Olha só… esse negócio tá crescendo mesmo. — comentou.
— Que negócio? — perguntei, pegando o papel da mão dela.
— Compra de óvulos. Clínicas de fertilização pagam muito bem pras mulheres venderem óvulos. Dizem que um único já vale uma fortuna.
Arqueei a sobrancelha, surpresa.
— Isso não faz mal? Quer dizer… não deixa sequelas?
Ela deu de ombros.
— Pelo que ouvi, é tranquilo. Nada demais.
Minhas mãos apertaram o panfleto enquanto encarava aquelas letras coloridas que pareciam me encarar de volta. Mas, ao desviar os olhos para o outro lado, algo roubou minha total atenção.
— Mas que filho da puta… — murmurei entre dentes, sentindo a raiva subir pelo corpo.
Ali, bem na minha frente, estava Riku. O desgraçado. Beijando outra garota, uma patricinha da nossa faculdade. Aquele tipinho de menina que sempre postava fotos forçadas no Instagram e que ele curtia em excesso. Eu sabia que tinha algo ali, e o cretino ainda me chamou de louca por questioná-lo.
— Que desgraçado… — Shiho também arregalou os olhos, indignada.
Minha vontade? Quebrar a cara dele. Quebrar até não sobrar nada.
— Vai lá? — ela perguntou, quase torcendo pra que eu fosse.
Quase fui. Quase. Mas respirei fundo e me forcei a virar o rosto.
— Não. Não vale a pena. — falei firme. — Vamos antes que eu mude de ideia e faça picadinho dos dois bem aqui no campus.
Shiho riu nervosa e assentiu. Nós nos afastamos, deixando aqueles dois nojentos pra trás.
...----------------...
À noite
A tela diante de mim refletia o mesmo caos que fervia dentro da minha cabeça. As pinceladas estavam todas erradas, as cores não se encaixavam. Eu queria pintar uma paisagem serena de Kyoto na primavera, mas o que saía era um borrão disfarçado de frustração.
— Tá horrível… — larguei o pincel na mesa, frustrada. — Um verdadeiro desastre. — Murmurei.
Encostei na cadeira e fiquei encarando a tela, tentando encontrar sentido no que já não tinha. Mas no fundo, eu só pensava em uma coisa: dinheiro. Eu precisava dele. Urgente. Para a faculdade, para salvar minha família, para tirar a gente desse buraco.
Foi então que meu olhar se desviou. Ali, sobre a penteadeira branca, estava o pequeno panfleto.
Levantei, largando o quadro para depois, e fui até a cama. Abri o laptop, minhas mãos hesitantes sobre o teclado. Digitei na barra de pesquisa: “Venda de óvulos, GenLife, preço e riscos”.
Cada clique era como atravessar uma fronteira. O coração acelerava, a mente fervia. Quanto mais lia, mais sentia aquela centelha de esperança acender dentro de mim. Talvez fosse loucura. Talvez fosse perigoso. Mas era dinheiro… e muito.
Estava tão imersa que quase não percebi as vozes que começaram a ecoar do lado de fora do quarto. Gritos. Outra briga.
Fechei o laptop de uma vez, já exausta.
— De novo não… — resmunguei, esfregando o rosto.
Mas a gritaria só aumentava, cortando o ar como navalha. Suspirei fundo e saí do quarto. Cada passo pelo corredor era acompanhado do som deles se destruindo aos poucos.
— Enquanto você continua torrando tudo nesses jogos, a nossa família afunda cada vez mais! — a voz da minha mãe ecoava, carregada de mágoa e raiva.
Do outro lado, meu pai tentava se justificar, mas soava patético.
— Eu só queria recuperar o que perdemos, Yui! Só tentei jogar pra trazer dinheiro de volta!
Eu fiquei parada na porta da cozinha, observando em silêncio. Ele mal ousava encarar minha mãe porque sabia que estava errado. Sabia que estava acabando com a gente.
Ela avançou um passo, apontando o dedo para ele como quem lança uma sentença:
— Você não vê o que está fazendo conosco, Hiroshi? Esse vício está destruindo nossa família! Você perde, promete parar, mas volta e perde ainda mais. E quando acordar, não vai sobrar nada. Nem esta casa, nem o respeito da Mai. É assim que quer que sua filha lembre de você? Como o homem que jogou tudo fora por causa de apostas?
As palavras dela cortaram o ar como lâmina. Eu quase intervi, quase gritei junto, mas… não consegui. Já estava cansada demais. Apenas virei as costas e voltei para o meu quarto, carregando o peso de um mundo que parecia ruir em cima de mim.
Me joguei na cama, puxei o edredom por cima da cabeça e deixei a mente me torturar com mil pensamentos.
Precisava dar um jeito nisso, e rápido.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 25
Comments
Erika Silva
coitada passando por tudo isso ainda o safado do namorado termina com ela
2025-09-11
3
Amanda
Como dizem, sempre tem como piorar antes de melhorar, então não desista pois do fundo só há saída por cima, pode demorar mais um dia consegue
2025-09-11
2
Carolina Luz
nossa é muita coisa pesada acontecendo com ela ao mesmo tempo 😕
2025-09-11
4