A madrugada ainda não tinha terminado quando Nilo empurrou a porta do camarim, sentindo o cheiro pesado de fumaça e perfume doce misturado ao suor da multidão. O som do baixo ainda reverberava nos seus ouvidos, mesmo depois que o show havia acabado. Ele estava acostumado àquilo — ao aplauso ensurdecedor, aos flashes dos celulares, às mãos que tentavam alcançá-lo quando ele passava pela beira do palco. Era a vida que escolhera, a vida que todos diziam ser perfeita. Mas, naquela noite, enquanto deixava o microfone sobre a mesa e tirava a jaqueta de couro encharcada de calor, Nilo não sentia nada.
Nem alegria, nem orgulho. Apenas um vazio que crescia a cada dia.
— Você foi foda, mano! — gritou Rafa, seu DJ e parceiro de estrada, jogando-se no sofá do camarim. — A galera quase derrubou a casa hoje.
Nilo sorriu de canto, um sorriso automático, ensaiado. — É, foi da hora.
Mas sua voz saiu baixa, distante.
O camarim estava cheio: duas garotas riam alto encostadas no balcão, uma delas já bebendo no gargalo da garrafa de champanhe; um produtor falava no celular resolvendo a logística do próximo show; e outro amigo, Léo, fazia stories no Instagram, exibindo os bastidores como se fosse um troféu. Todos vibravam, todos pareciam satisfeitos. Menos ele.
Nilo se serviu de um copo de whisky, girou o líquido âmbar entre os dedos e ficou encarando o reflexo distorcido na superfície. O que via não lhe agradava.
— Ei, Nilo! — uma das garotas chamou, se aproximando com o olhar brilhante. — A gente vai pra o after, você vai também?
Ele respirou fundo, sustentando o sorriso de sempre. — Claro, já tô indo.
Mas, por dentro, uma voz ecoava: pra quê?
O after foi igual a todos os outros. Música alta, corpos se tocando sem pudor, bebidas derramadas em mesas de vidro, beijos que começavam e terminavam em questão de minutos. As mulheres realmente se jogavam para cima dele, como sempre, e Nilo cedia por inércia, por hábito. Mas a cada toque, a cada palavra sussurrada em seu ouvido, ele sentia mais a distância entre o que vivia e o que realmente queria viver.
No amanhecer, quando voltou para casa, jogou-se no sofá e olhou para o teto. O apartamento era amplo, luxuoso, mas o silêncio ali dentro gritava mais alto que qualquer multidão.
É isso a vida que eu construí?
Alguns dias depois, Nilo estava em reunião com seu empresário e amigo de longa data, Caio. Eles estavam sentados em um café reservado, longe dos olhares curiosos.
— Cara, você tá estranho faz semanas. — Rafa disse, apoiando o copo na mesa. — O que tá pegando? Tá cansado da rotina? Porque se for, a gente pode dar uma pausa nos shows, espaçar um pouco...
Nilo deu de ombros. — Não é cansaço, Rafa. É... sei lá. Eu sinto que falta alguma coisa.
— Alguma coisa? — o Dj arqueou a sobrancelha. — Você tem tudo, Nilo. Grana, fama, mulheres, sua música estourada... O que mais você pode querer?
Nilo suspirou, encarando a rua pela vidraça. — Talvez eu queira sentir de verdade.
Rafa riu, balançando a cabeça. — Você tá ficando velho, é isso. Tá começando a filosofar.
— Não, não é isso. — Nilo respondeu sério. — Eu tô cansado de tudo ser tão fácil. Antes, eu vibrava em conquistar, em lutar por um espaço. Agora... até as mulheres... — ele fez uma pausa, procurando as palavras. — Elas se jogam. Não tem graça. Eu não sinto mais nada.
O silêncio se instalou entre eles. Rafa o observava com atenção, sem a costumeira ironia.
— Então o que você vai fazer, Nilo? — perguntou por fim.
Antes que Nilo respondesse, seu celular vibrou. Ele pegou o aparelho sem muito interesse, mas o nome da emissora na tela chamou sua atenção.
— Estranho... — murmurou, atendendo. — Alô?
Do outro lado da linha, uma voz profissional, mas animada, explicou: o convite era para participar do maior reality show do país. Três meses de confinamento, câmeras ligadas vinte e quatro horas por dia, convivendo com pessoas completamente diferentes, exposto a julgamentos, provas, dinâmicas. E, claro, a promessa da chance de mostrar um lado que o público ainda não conhecia.
Nilo permaneceu em silêncio por alguns segundos, assimilando.
— Você tá de sacanagem. — disse, enfim, com uma risada curta.
Mas a proposta era real.
Quando desligou, Rafa quase pulou da cadeira. — Não acredito que te chamaram pro BBB!
— Pois é. — Nilo passou a mão pelos cabelos, ainda confuso. — E aí? O que você acha?
— O que eu acho? — o empresário arregalou os olhos. — Eu acho loucura. Três meses trancado, sem show, sem lançar nada, sem aproveitar o auge... Cara, você tem noção do que vai deixar pra trás?
Nilo apoiou os cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos. — Eu tenho.
— E ainda vai ficar sob as câmeras, exposto... Qualquer deslize lá dentro e você pode ser cancelado. Não dá pra controlar a narrativa, não dá pra ensaiar. É vida real.
— Justamente. — Nilo interrompeu, encarando-o firme. — Talvez seja isso que eu precise. Vida real.
Caio ficou em silêncio, surpreso com a convicção no tom do amigo.
Naquela noite, sozinho em casa, Nilo ficou olhando para a cidade pela janela do apartamento. As luzes piscavam lá embaixo, carros passavam apressados, a vida seguia frenética. Ele pensou em todos os rostos que havia conhecido nas últimas festas, em todos os beijos que não significaram nada, em todas as noites que terminaram iguais.
Se eu continuar nesse ciclo, vou me perder de vez.
O convite para o reality parecia uma oportunidade de ruptura. De pausa. De respiro. Talvez até de se redescobrir.
Pegou o celular e enviou a resposta. “Sim, eu aceito.”
Encostou-se no sofá e fechou os olhos. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu uma pontada de expectativa. Não era a certeza de que encontraria algo lá dentro, mas a sensação de que, ao menos, estaria se colocando em movimento de novo.
Do outro lado da cidade, milhares de pessoas ainda dançavam, bebiam, gritavam ao som das suas músicas. Mas, naquela madrugada, Nilo não queria estar em nenhum desses lugares. Pela primeira vez, estava satisfeito apenas em esperar pelo que viria.
E, no fundo, ele sabia: aquela decisão mudaria tudo.
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Atualizado até capítulo 39
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