Capítulo 1 — Uma Casa Que Não Era Minha

Eu observei a janela do carro durante quase todo o caminho, como se aquele vidro embaçado pudesse me devolver algum sentido. Cada paisagem que passava se misturava às minhas lembranças, e em algum momento, tudo começou a parecer borrado — como as últimas semanas da minha vida. Tudo rápido demais, tudo fora do meu controle.

A estrada era longa e serpenteava entre colinas e campos verdes, como se zombasse do que eu sentia. Era bonita, admito. Mas a beleza não serve de consolo quando o peito está oco.

Minha mochila estava jogada ao meu lado, aberta. Metade das minhas coisas ainda estava dentro dela, a outra metade... eu nem sabia mais onde tinha ido parar. Depois que minha mãe se foi, ninguém me perguntou o que eu queria. Não houve escolha. Houve apenas decisões tomadas por advogados, um juiz, e um homem chamado Ernesto Calderon — que, até dois meses atrás, era apenas o novo marido da minha mãe, alguém com quem ela trocava e-mails e sorrisos discretos.

Ele não era meu pai.

Nem próximo disso.

Mas agora... era tudo o que eu tinha.

— Chegando, — disse ele, sem tirar os olhos da estrada.

Balancei a cabeça em silêncio, sem conseguir disfarçar a rigidez nos meus ombros. Ele tentou puxar conversa algumas vezes durante o trajeto, mas se cansou da minha indiferença. Eu não estava pronta para conversas. Talvez nunca estivesse.

Assim que viramos uma curva, avistei a casa. Era… enorme. Dois andares, janelas simétricas, uma varanda com vasos de plantas perfeitamente alinhados. Parecia saída de um catálogo imobiliário.

Nada nela parecia acolhedor.

Ernesto estacionou com cuidado e desligou o carro.

— Vai dar tudo certo, Valentina. Eu sei que isso é difícil.

— Não sabe, — rebati, finalmente. Minhas palavras saíram mais afiadas do que eu pretendia.

Ele suspirou, mas não respondeu.

A porta da frente se abriu antes que eu saísse do carro. Cinco rostos curiosos se empilharam no batente como se estivessem em fila para me analisar. Eu não sabia quem era quem, só sabia que todos eram filhos dele — meus “meio-irmãos”, segundo os papéis oficiais.

Meio-irmãos. Meio desconhecidos. Meio tudo.

Peguei minha mochila, respirei fundo e caminhei em direção à casa. Cada passo parecia mais pesado que o anterior. O ar ali tinha outro cheiro. Outro ritmo. Era como se eu tivesse atravessado para um universo paralelo.

A primeira a se aproximar foi uma menina ruiva, uns dois anos mais nova do que eu. Ela sorriu, hesitante, como se estivesse tentando ser gentil sem invadir meu espaço.

— Oi, eu sou a Bianca. Bem-vinda.

Não respondi de imediato. Só forcei um aceno com a cabeça e continuei andando. Os outros ficaram parados, observando. Um dos garotos, alto, de expressão fechada e braços cruzados, parecia particularmente irritado com a minha chegada. Ele não sorriu. Não se moveu. Só me encarou com olhos que diziam: “Você não pertence a isso aqui.”

Eu concordava com ele.

Ernesto me conduziu até o quarto que seria “meu”. Uma suíte no segundo andar, com cama arrumada, cortinas novas e uma escrivaninha com um caderno em cima, como se alguém estivesse tentando prever o que uma garota da minha idade gostaria.

— Compramos umas coisas novas pra você. Achamos que ia gostar.

— Não precisava, — murmurei, largando a mochila no chão.

— A porta fica trancada por dentro. Se quiser privacidade, fique à vontade. O jantar é às sete.

Ele hesitou antes de sair. Acho que queria dizer algo, mas desistiu.

Quando fiquei sozinha, sentei na beira da cama e fiquei ali. Olhando para o nada. O silêncio da casa era desconfortável. Não porque fosse quieta demais — havia sons vindos do andar de baixo, vozes, passos, uma risada distante —, mas porque era um silêncio que me excluía. Um silêncio que me dizia: "Você não faz parte disso."

Olhei para o caderno na escrivaninha. Abri a capa. Era novo, sem linhas, com folhas brancas e cheias de possibilidades que eu não queria explorar.

Peguei uma caneta da mochila e escrevi na primeira página:

“Essa não é minha casa.

Essa não é minha família.

Isso não é minha vida.

Ainda não.”

Depois fechei o caderno.

E chorei, pela primeira vez desde o enterro da minha mãe.

Não foi um choro barulhento ou dramático. Foi silencioso, cansado, e amargo. Um choro que só se permite quando você já não tem mais força para segurar nada.

A noite chegou devagar. Eu não desci para o jantar. Ninguém veio me chamar.

E, por algum motivo, isso doeu mais do que se tivessem batido na porta com um prato de comida.

Capítulos
1 Prefácio — Entre Nós, os Calderon
2 Capítulo 1 — Uma Casa Que Não Era Minha
3 Capítulo 2 — Paredes que Escutam
4 Capítulo 3 — Por Trás das Cortinas
5 Capítulo 4 — Quando Ninguém Está Olhando
6 Capítulo 5 — Mesa para Sete
7 Capítulo 6 — O Lugar Onde Tudo Ecoa
8 Capítulo 7 — As Coisas que Não Dizemos
9 Capítulo 8 — Onde o Silêncio Quebra
10 Capítulo 9 — Tudo que Não Dizemos em Voz Alta
11 Capítulo 10 — Coisas que se Revelam no Silêncio
12 Capítulo 11 — Coisas que se Partem em Silêncio
13 Capítulo 12 — Coisas Que Doem em Voz Alta
14 Capítulo 13 — Depois do Aplauso
15 Capítulo 14 — Quando a Luz Incomoda
16 Capítulo 15 — O Dia em que a Cidade Escutou
17 Capítulo 16 — O Dia Antes
18 Capítulo 17 — Entre a Partida e o Sábado
19 Capítulo 18 — As Coisas que Voltam
20 Capítulo 19 — O Sábado que Chegou
21 Capítulo 20 — Quando as Rachaduras Se Mostram
22 Capítulo 21 — O Peso das Regras
23 Capítulo 22 — O Peso do Olhar
24 Capítulo 23 — O Quebra-Cabeça dos Irmãos
25 Capítulo 24 — A Casa em Estado de Sítio
26 Capítulo 25 — O Peso de Um Nome
27 Capítulo 26 — Quando As Paredes Escutam
28 Capítulo 27 — O Que Ele Nunca Disse
29 Capítulo 28 — O Peso do Que Não se Diz
30 Capítulo 29 — O Segredo que Queima
31 Capítulo 30 — Quando a Verdade Se Arrasta para a Luz
32 Capítulo 31 — Entre o Fogo e o Sangue
33 Capítulo 32 — Linhas que Não Podem Ser Cruzadas
34 Capítulo 33 — Trégua com Bordas (I)
35 Capítulo 33 — Trégua com Bordas (II)
36 Capítulo 34 — Vozes que Não se Apagam
37 Capítulo 35 — O Fantasma da Sala Fechada
38 Capítulo 36 — Vozes da Estrada
39 Capítulo 37 — O Peso das Verdades
40 Capítulo 38 — O Contra-ataque
41 Capítulo 39 — O Julgamento Dentro de Casa
42 Capítulo 40 — Quando o Silêncio Ecoa Para Fora
43 Capítulo 41 — Quando as Vozes se Tornam Grito
44 Epílogo — Entre Nós, os Calderon
Capítulos

Atualizado até capítulo 44

1
Prefácio — Entre Nós, os Calderon
2
Capítulo 1 — Uma Casa Que Não Era Minha
3
Capítulo 2 — Paredes que Escutam
4
Capítulo 3 — Por Trás das Cortinas
5
Capítulo 4 — Quando Ninguém Está Olhando
6
Capítulo 5 — Mesa para Sete
7
Capítulo 6 — O Lugar Onde Tudo Ecoa
8
Capítulo 7 — As Coisas que Não Dizemos
9
Capítulo 8 — Onde o Silêncio Quebra
10
Capítulo 9 — Tudo que Não Dizemos em Voz Alta
11
Capítulo 10 — Coisas que se Revelam no Silêncio
12
Capítulo 11 — Coisas que se Partem em Silêncio
13
Capítulo 12 — Coisas Que Doem em Voz Alta
14
Capítulo 13 — Depois do Aplauso
15
Capítulo 14 — Quando a Luz Incomoda
16
Capítulo 15 — O Dia em que a Cidade Escutou
17
Capítulo 16 — O Dia Antes
18
Capítulo 17 — Entre a Partida e o Sábado
19
Capítulo 18 — As Coisas que Voltam
20
Capítulo 19 — O Sábado que Chegou
21
Capítulo 20 — Quando as Rachaduras Se Mostram
22
Capítulo 21 — O Peso das Regras
23
Capítulo 22 — O Peso do Olhar
24
Capítulo 23 — O Quebra-Cabeça dos Irmãos
25
Capítulo 24 — A Casa em Estado de Sítio
26
Capítulo 25 — O Peso de Um Nome
27
Capítulo 26 — Quando As Paredes Escutam
28
Capítulo 27 — O Que Ele Nunca Disse
29
Capítulo 28 — O Peso do Que Não se Diz
30
Capítulo 29 — O Segredo que Queima
31
Capítulo 30 — Quando a Verdade Se Arrasta para a Luz
32
Capítulo 31 — Entre o Fogo e o Sangue
33
Capítulo 32 — Linhas que Não Podem Ser Cruzadas
34
Capítulo 33 — Trégua com Bordas (I)
35
Capítulo 33 — Trégua com Bordas (II)
36
Capítulo 34 — Vozes que Não se Apagam
37
Capítulo 35 — O Fantasma da Sala Fechada
38
Capítulo 36 — Vozes da Estrada
39
Capítulo 37 — O Peso das Verdades
40
Capítulo 38 — O Contra-ataque
41
Capítulo 39 — O Julgamento Dentro de Casa
42
Capítulo 40 — Quando o Silêncio Ecoa Para Fora
43
Capítulo 41 — Quando as Vozes se Tornam Grito
44
Epílogo — Entre Nós, os Calderon

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