Capítulo 2 - Vestido

Volto para meu quarto com passos firmes, o coração acelerado como se já pressentisse o peso da conversa que estava prestes a ter.

O ambiente ainda guardava o aroma suave das flores frescas que Julie havia colocado em um vaso ao lado da cama, mas nem mesmo o perfume delicado era capaz de aliviar a tensão que dominava meu peito.

Troco rapidamente de vestido, escolhendo um modelo mais sóbrio, de um azul profundo que refletia a seriedade do encontro, e penteio meus cabelos com precisão, como se cada fio arrumado fosse uma forma de manter minha mente sob controle.

Logo, o capitão Harry, do exército Ducal, é anunciado. Ele entra com sua postura impecável, porte militar que exala disciplina e honra.

Sua figura esbelta e olhos atentos sempre me transmitiram confiança — uma confiança que eu já havia sentido no passado, ou melhor, no futuro que vivi.

— Jovem dama Kate, soube pelo Duque que irá ter aulas comigo para se tornar comandante. — Sua voz era firme, porém educada, como um homem que reconhece a formalidade da situação, mas sem deixar de lado a humanidade.

Ordeno, em tom frio, que os empregados se retirem.

A sala fica em silêncio, apenas o som do bater das portas ao se fecharem ecoa pelo ambiente. Harry me olha, confuso, franzindo as sobrancelhas. Espero alguns instantes, certificando-me de que não há ninguém espiando ou escutando atrás das cortinas pesadas, e só então decido abrir a boca:

— A informação que irei passar é extremamente confidencial... e nem mesmo o Duque deve saber dela.

Ele se aproxima, surpreso, mas atento.

— Informação? — repete, com uma mistura de dúvida e curiosidade.

Respiro fundo, sentindo um arrepio percorrer meu corpo. A revelação era um peso que só eu carregava.

— Daqui a nove anos, uma guerra será declarada. — Minha voz treme, mas não hesita. — Turlon irá trair a aliança com Rafta e nos atacar sem piedade.

O capitão estreita os olhos, tentando absorver o que acabara de ouvir.

— Isso é algo muito sério, senhorita... como poderia saber de algo assim?

Mesmo que a incredulidade estivesse em suas palavras, sua postura não era de desprezo. Ele me escutava, ignorando o fato absurdo de ser uma criança de nove anos falando como uma veterana.

— Porque eu vim do futuro. — A confissão faz seu semblante congelar, seus olhos antes serenos agora chocados.

Levanto o queixo, sem recuar.

— Não precisa acreditar em mim agora. Vou provar minha origem no Festival Celeste, quando revelarei acontecimentos inevitáveis. Mas antes... preciso de dois favores.

Ele cruza os braços, refletindo. Mesmo relutante, concorda.

— O primeiro é que me ensine verdadeiramente a lutar esgrima. Não como uma dama em aulas superficiais, mas como um soldado que precisa sobreviver.

— E o segundo? — Sua voz carrega um peso de cautela.

— Que marque uma reunião com o príncipe herdeiro Leonardo Armani.

Harry arqueou as sobrancelhas, confuso.

— Uma reunião com o príncipe herdeiro?

Assinto, firme.

— O que irei revelar sobre o Festival tem mais relevância para ele do que para você. Além disso, mesmo que me torne comandante do exército Ducal, não terei voz suficiente por ser inexperiente... e por ser mulher.

Preciso do apoio dele. — Ergo minha xícara de chá e tomo um gole, a fim de esconder a emoção em minhas mãos trêmulas. — Você e o príncipe deverão ser os únicos a conhecer meu segredo.

É a única forma de prevenir a morte do meu pai e do meu irmão, e ainda garantir a vitória de Rafta.

O silêncio pesa. O capitão me encara, sério, mas consigo notar a sombra da compaixão em seus olhos.

— O duque e o jovem mestre morrem nessa guerra?

— pergunta, quase hesitando em ouvir a resposta.

Fecho os olhos por um instante. A lembrança ainda queima como ferro em brasa.

— Sim. Do nosso ducado, só restaram eu e minha empregada Julie... Você mesmo me ensinou esgrima por ordem do meu pai, mas depois de ser convocado não tive mais notícias suas. Nem sei se sobreviveu.

Harry inspira fundo, e sua expressão endurece.

— Se o que diz for verdade, deve ter sido... insuportável.

Seus olhos não demonstravam pena, mas no fundo eu sabia que era exatamente isso. Se fosse o contrário, eu também sentiria o mesmo.

— Não sei como, mas me deram uma segunda chance. Eu preciso fazer a diferença desta vez. — Minha voz quase falha, mas encontro forças no meu próprio juramento interno.

Ele se aproxima um passo, baixando o tom.

— Não se preocupe, senhorita. Não falarei ao Duque.

Um sorriso escapa em meus lábios, pequeno, mas sincero.

— Obrigada, Harry. Agora preciso ir comprar o vestido para o Festival... e roupas de treino.

Levanto-me, encerrando a conversa.

[...]

A loja “Emma” era nova, refinada, e já competia com as mais tradicionais da capital. As vitrines exibem vestidos tão exuberantes que ofuscavam até mesmo os olhares mais acostumados ao luxo. Não pude evitar o incômodo: depois de ter sobrevivido à fome e à guerra, cercada de miséria, aquelas sedas cintilantes pareciam... irreais. Supérfluas.

— Boa tarde. Sou Caroline, uma das atendentes. A jovem dama tem algum modelo em mente? — perguntou uma mulher esguia, de sorriso ensaiado, assim que entramos.

Olhei ao redor, sem entusiasmo.

— Vestidos para o Festival Celeste... e roupas para treino de espada.

Ela piscou, surpresa, mas retomou o sorriso profissional.

— Infelizmente não trabalhamos com roupas de esgrima femininas, mas temos modelos deslumbrantes para o Festival. Por favor, me acompanhem.

Julie agradeceu com um aceno e respondeu por mim quando a atendente perguntou se eu preferia ver o catálogo ou tirar medidas.

— Primeiro o catálogo.

Enquanto folheamos as páginas brilhantes, carregadas de bordados e pedrarias, eu só pensava na simplicidade que a sobrevivência me ensinara. Escolhemos um vestido digno, mas não espalhafatoso.

Quanto às roupas de treino, tivemos que procurar em outras lojas. Foi assim que minha tarde inteira se esvaiu — entre tecidos, provadores e o peso de uma vida que eu já não sentia ser minha.

Na manhã seguinte, encontrei Harry no campo de treinamento que haviam preparado para mim. O vento carregava o cheiro da madeira recém-polida e da terra batida. Antes de começarmos, ele quis conversar.

— Se já treinou comigo, qual foi a primeira regra que ensinei? — perguntou, enquanto eu me alongava.

— Nunca abaixar a guarda. — Respondi sem pensar.

Aquela frase ainda ecoava em mim como a primeira lição de sobrevivência.

Ele assentiu.

— Exato. Você pode conhecer o futuro, mas lembre-se: ao mudar um evento, cria-se um espaço para o desconhecido.

Assenti.

— Ainda tenho nove anos para planejar cada passo.

E agora, tenho você. Logo terei o príncipe também.

Ele me entregou uma espada de madeira.

— Então me diga, o que mais ensinei?

— O básico da esgrima, truques e como perceber a presença de alguém.

Harry riu baixo.

— Veremos se seu corpo se lembra.

E começamos. Cada movimento doía em músculos adormecidos pelo sedentarismo infantil. Meu corpo já não era o mesmo da mulher que sobrevivera à guerra. Mas a dor era bem-vinda. Era o lembrete de que eu estava viva... e desta vez, preparada.

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