O sol mal havia nascido quando Mirella ouviu uma batida seca na porta. Não era um chamado urgente, mas havia algo naquela batida que impunha respeito. Autoridade. O tipo de coisa que se sente antes mesmo de ver quem está do outro lado.
Ela estava sentada na poltrona, com os olhos vermelhos de uma madrugada maldormida, envolta em um robe de cetim que não era seu, com o corpo cansado e a mente em colapso. Ainda não compreendia onde exatamente estava, muito menos o que esperavam dela.
A porta se abriu devagar. Um homem entrou.
Era alto, vestia um terno cinza escuro perfeitamente alinhado ao corpo atlético. O cabelo castanho-escuro estava penteado para trás, e o rosto trazia traços fortes, definidos, como se tivessem sido esculpidos com precisão. Seus olhos… os olhos eram o que mais impressionavam. Escuros. Profundos. E perigosamente atentos.
— Mirella, certo? — a voz dele era firme, baixa, com uma entonação quase cortante.
Ela assentiu devagar, sem saber se deveria levantar, falar ou apenas desaparecer dali.
— Sou Enrico Castellani — ele continuou, aproximando-se com calma. — Imagino que tenha muitas perguntas. Mas vamos direto ao ponto, porque eu não tenho tempo para rodeios. Você está aqui por escolha do seu pai. Em troca de algo que ele me devia.
Ela o encarou com um misto de medo e raiva. Estava cansada de ouvir que havia sido “trocada”. Como se fosse um pacote. Um favor. Um fardo.
— Eu não pedi para estar aqui — ela murmurou, firme, mesmo com a garganta seca.
Enrico arqueou uma sobrancelha, levemente surpreso com a resposta.
— Eu sei. Mas aqui não se trata do que você pediu. Se trata do que você representa.
— E o que eu represento, exatamente?
Ele deu um passo à frente. Parou a poucos metros dela. Mirella se sentiu exposta, como se cada camada de proteção invisível estivesse sendo arrancada.
— Isso… — ele disse, cruzando os braços — você vai descobrir com o tempo. Por enquanto, só precisa entender uma coisa: aqui, tudo tem um preço. Até o silêncio. Até o seu nome.
Mirella sentiu o coração bater forte. Havia algo naquela presença que a perturbava — não apenas pelo medo, mas pela forma como ele parecia vê-la por dentro. Como se soubesse de segredos que nem ela sabia que guardava.
— Eu não sou sua funcionária. E muito menos sua prisioneira — ela disse, se levantando de repente.
Enrico a observou em silêncio por alguns segundos, antes de sorrir com deboche.
— Não? Então me diga, Mirella, por que você ainda está aqui? Por que não saiu correndo pela porta?
Ela hesitou.
Ele se aproximou mais um passo. Agora, podia sentir o perfume dele — amadeirado, envolvente, forte demais para aquela manhã.
— Porque você sabe — ele sussurrou — que o mundo lá fora não é mais seu. O seu pai garantiu isso quando assinou aquele contrato. E enquanto estiver sob meu teto… você joga sob minhas regras.
Ela piscou com força, tentando não deixar as lágrimas virem.
— Você acha que é poderoso por me ter aqui contra a minha vontade?
— Eu não preciso te ter contra a vontade, Mirella — ele disse, e havia um toque perigoso em sua voz. — Eu só preciso que você entenda que esse jogo… já começou.
Ele então virou-se e caminhou até a porta. Antes de sair, parou.
— Vista-se. Um motorista vai levá-la ao Cassino hoje à noite. Quero que veja com os próprios olhos o mundo onde está pisando. Vai te ajudar a entender onde está se metendo.
E saiu, deixando um rastro de silêncio que parecia mais alto do que qualquer grito.
Mirella ficou ali, parada, com o coração descompassado e a mente confusa. Ela sentiu que havia algo dentro dela que não queria apenas fugir. Algo que começava a se acender, mesmo em meio ao medo: raiva. Curiosidade. E uma sede absurda por respostas.
O mundo onde você está pisando, ele dissera.
Pois bem. Se era um jogo… ela aprenderia a jogar.
Mas que não se enganasse o senhor Castellani: ela não seria uma peça passiva nesse tabuleiro.
Não por muito tempo.
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Atualizado até capítulo 70
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