O carro percorria as ruas da cidade como se seguisse um caminho já traçado há muito tempo. Mirella, sentada no banco de trás, mantinha os olhos fixos na janela, mas não enxergava nada. A paisagem urbana passava diante dela como um borrão sem cor, como se o mundo ao redor tivesse perdido o brilho. Era como se estivesse sendo levada para um destino que não lhe pertencia, arrancada à força da sua própria história.
As mãos estavam frias. Os dedos trêmulos se apertavam um contra o outro. O estômago revirava em silêncio. Ela não tinha feito perguntas. Não tinha implorado para ficar. Porque, no fundo, sabia que não havia mais nada que pudesse ser dito.
Orlando a vendera.
Essa frase ecoava em sua mente com uma crueldade que doía mais do que qualquer tapa. Mais do que qualquer abandono. Ela tinha sido negociada como se fosse uma dívida... um objeto... um fardo. E, mesmo que não conhecesse ainda os detalhes, o fato era esse: não era mais dona de si.
A viagem durou mais do que o necessário. Ou talvez o tempo tivesse se esticado por causa do vazio dentro dela. Quando o carro finalmente saiu da estrada principal e entrou por uma alameda de árvores altas e escuras, Mirella sentiu o ar ficar mais denso. O lugar exalava silêncio e poder.
No fim da estrada, uma construção imponente surgiu diante dela. Não era uma mansão no estilo clássico. Era mais moderna, cercada por muros altos e portões de ferro. Havia algo frio naquele lugar. Uma ausência de cor. Uma ausência de alma.
O portão se abriu lentamente. O carro seguiu sem hesitar.
Do lado de dentro, a recepção não foi calorosa. Um homem de terno, com expressão neutra, aguardava na porta. Ele não se apresentou. Apenas abriu a porta do carro e indicou para que ela saísse. Mirella obedeceu em silêncio.
Foi conduzida para dentro, por corredores elegantes demais para sua realidade. Tapetes persas. Lustres de cristal. Obras de arte penduradas nas paredes. Tudo era bonito, sim… mas estéril. Frio. Sem vida.
— O senhor Castellani chegará em breve — disse o homem, por fim, parando diante de uma porta de madeira escura. — Enquanto isso, você vai aguardar aqui.
Ela entrou no quarto. Luxuoso. Sofisticado. Um contraste cruel com seu quarto de paredes rachadas e lençóis velhos. Havia uma cama king size com cabeceira estofada, cortinas pesadas, espelhos dourados, e até uma penteadeira repleta de cosméticos caros.
Mirella se sentiu ainda menor ali dentro. Como se tivesse invadido um cenário de novela.
Andou até a janela, puxou a cortina com cuidado e viu o que parecia ser o quintal de um cassino privativo — luzes ao longe, movimentação de carros importados, homens de terno indo e vindo com mulheres deslumbrantes nos braços.
Ela não pertencia àquele mundo. Nunca pertencera.
Sentou-se na beira da cama. O silêncio do quarto era cortante. Um arrepio percorreu sua espinha. Não era medo… ainda. Era o pavor do desconhecido.
Ela só queria saber por quê.
Por que seu pai a entregou assim? Por que aqueles homens a queriam? E quem era esse “senhor Castellani”?
Ela nem imaginava que, naquele exato momento, Enrico Castellani já observava tudo de longe. Do andar de cima, por trás de uma parede espelhada, ele analisava Mirella como quem avalia uma jogada ousada em uma mesa de apostas.
Enrico era o tipo de homem que não desperdiçava tempo com incertezas. Herdara o império do jogo das mãos de um pai frio e calculista. Cresceu entre cifras, chantagens e acordos silenciosos. Aprendeu cedo que sentimentos não combinavam com poder. Que confiança era uma moeda rara — e cara.
Mas havia algo na presença daquela garota — aquela jovem franzina, de olhar perdido, mas que não tremia de medo como os outros — que o intrigava.
— É ela? — perguntou, sem desviar os olhos.
— Sim, senhor. Mirella. A filha de Orlando Vasques.
Enrico soltou um sorriso torto, cético.
— Filha adotiva — corrigiu. — Não vamos esquecer esse detalhe.
Ele conhecia aquela história melhor do que a própria Mirella. Sabia o que estava por trás da adoção. Sabia quem ela realmente era. E por isso a queria ali.
Ela era a peça-chave. A jogada que poderia virar todo o tabuleiro.
Mas Mirella não sabia disso. Ainda.
Naquela noite, ela não dormiu. Ficou deitada sob lençóis caros, com o coração apertado e os olhos perdidos no teto. Esperando. Temendo. Tentando entender se aquilo era um pesadelo ou apenas o começo de um jogo muito maior do que poderia imaginar.
E, no fim, era exatamente isso.
O jogo da sua vida tinha começado.
E o preço… ainda estava sendo definido.
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Atualizado até capítulo 70
Comments
Dulce Rodrigues
MENTIRAS MAL CONTADAS! Quem realmente a verdade interessa,vive no escuro. Maldade alheia,/Awkward/
2025-09-08
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