VÍNCULO PROIBIDO
A neve escondia o sangue por algumas horas, mas nunca o apagava.
Jay Volkov sabia disso desde criança.
O galpão de Moscou cheirava a ferro e pólvora. Três homens estavam amarrados, dois ainda vivos. Jay limpou a lâmina em um pano branco que agora já não era tão branco assim. Só então guardou a faca dentro do sobretudo escuro.
Oleg, seu homem de confiança, aproximou-se.
— O Conselho está esperando o seu sinal. O emissário do Win já chegou a Bangkok. Querem saber se vamos ou se acabamos com isso aqui mesmo.
Jay ajustou a manga da camisa, revelando por um instante o braço tatuado de dragões e nós eslavos. A respiração dele era calma, mas o olhar frio cortava como gelo.
— Vamos. — A voz era firme, sem emoção. — Guerra rende dinheiro, mas a paz assina cheques maiores.
Oleg assentiu em silêncio. Jay caminhou até a porta do galpão e saiu para o frio. As botas esmagaram a neve com passos pesados. Moscou brilhava ao longe, mas Jay sabia que por baixo das luzes havia apenas monstros de terno.
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Do outro lado do mundo, em Bangkok, o calor grudava na pele.
Win caminhava pelo porão de um antigo mercado abandonado, agora transformado em sala de acerto de contas. O ventilador girava preguiçoso no teto, espalhando o cheiro de suor e sangue.
Ton, seu braço direito e amigo de infância, falou baixo:
— Volkov aceitou vir. Não confio nisso.
Win limpou o sangue da mão com um pano, sem pressa.
— Você nunca confia em nada, Ton. — A voz dele carregava ironia. — E eu não confio em emissários. Quero olhar Jay nos olhos.
Ton cerrou o maxilar.
— Ele vai querer ditar termos, humilhar você.
Win riu curto, mas o riso não tinha humor.
— Se ele quiser me humilhar, vai ter que me enterrar junto.
O nome da irmã atravessou sua mente como uma lâmina. Nin. A lembrança dela era a única coisa capaz de suavizar por um instante o peso do mundo. Mas logo veio a raiva: saber que ela estava prestes a ser oferecida como moeda num jogo de poder.
— Prepare o hotel do rio — ordenou Win, virando-se para Ton. — Lugar neutro o bastante para que ninguém exploda nada.
Ton assentiu. Mas no fundo dos olhos, havia preocupação.
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O hotel escolhido era luxuoso, com vista para o rio Chao Phraya. Luzes refletiam na água escura, desenhando um caminho cintilante. O saguão era de mármore e silêncio tenso.
Jay foi o primeiro a chegar. Entrou vestindo um terno negro impecável, o olhar cinzento frio, acompanhado de Oleg e mais quatro homens. Caminhava devagar, como um predador que já domina o território.
Logo depois, Win atravessou as portas de vidro. Camisa preta parcialmente aberta, revelando o início de sua tatuagem nas costas. Olhos escuros e faiscantes, expressão carregada de orgulho. Ton vinha logo atrás.
O encontro dos dois foi um choque silencioso.
Win encarou Jay de cima a baixo e falou com desprezo:
— Volkov.
Jay arqueou uma sobrancelha, a boca se curvando em um meio sorriso frio.
— Win.
Eles se mediram por alguns segundos que pareceram minutos. O ambiente ao redor parecia desaparecer, restando apenas a tensão entre eles.
Um funcionário do hotel, visivelmente nervoso, conduziu os grupos até uma sala reservada no último andar. Dentro, havia uma mesa longa, cortinas pesadas e nenhuma decoração além de garrafas de água e chá.
O advogado mediador pigarreou, tentando soar firme.
— Senhores, agradeço a presença. Vamos discutir os termos de paz.
Jay sentou-se à mesa, apoiando o braço tatuado de forma visível.
— A trégua interessa apenas a quem perde. Eu não perco.
Win permaneceu de pé, as mãos nos bolsos, a voz carregada de deboche.
— Estranho. Tenho visto muitos russos ocupando cemitérios ultimamente. Não parece vitória.
Ton avançou meio passo, pronto para reagir, mas Win ergueu a mão em aviso.
O advogado abriu a pasta.
— O acordo proposto prevê cessar as hostilidades por seis meses, renováveis. Rotas compartilhadas em partes iguais. E, para selar o pacto... o casamento do senhor Jay Volkov com a irmã do senhor Win.
O silêncio foi cortante.
Jay estreitou os olhos, fitando o rival.
— Então é isso? Você vai me dar sua irmã para me amarrar?
Win estreitou o sorriso, o olhar queimando.
— Eu não dou nada. Estou apenas fazendo você engolir o próprio orgulho.
Jay inclinou-se para frente, aproximando-se da mesa.
— Eu protejo o que é meu.
Win respondeu de imediato, a voz como um rugido contido:
— E eu não entrego nada do que é meu. Nem quando digo que dou.
A tensão era tanta que Oleg e Ton colocaram discretamente as mãos sobre as armas.
O advogado interveio rápido.
— Talvez possamos conhecer a senhora Nicha. Assim confirmamos a seriedade do acordo.
A porta se abriu minutos depois. Nin entrou, usando um vestido preto elegante, cabelos presos, postura firme. Olhou para o irmão primeiro, recebendo um breve aceno, antes de encarar Jay.
— Senhor Volkov — disse ela, com a voz firme apesar da situação.
Jay inclinou levemente a cabeça, olhando-a nos olhos.
— Nin. — Ele usou o apelido de imediato, testando limites.
Win endureceu a expressão, quase perdendo o controle.
Nin sustentou o olhar.
— Não sou uma ponte. Se tentarem me atravessar, eu quebro no meio.
O silêncio que seguiu foi pesado. Jay, pela primeira vez, pareceu conter um sorriso.
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As negociações avançaram durante horas, cheias de provocações.
Quando restava apenas a última cláusula, Jay perguntou em tom frio:
— O casamento. Quando.
Win respondeu sem hesitar:
— Trinta dias. Aqui, em Bangkok.
Jay assinou o documento, o traço firme.
— Aqui, então.
O advogado colocou duas pequenas caixas sobre a mesa. Dentro, anéis simples de platina.
— Tradição.
Win pegou o dele sem emoção. Jay fez o mesmo. Os dois se levantaram, próximos demais, como se o ar entre eles fosse pólvora prestes a explodir.
Jay falou baixo, perto do rosto do rival:
— Um lembrete: o que é meu, eu protejo.
Win respondeu no mesmo tom, os olhos faiscando.
— Um aviso: o que é meu, eu não entrego. Nem quando dou.
O advogado pigarreou, quebrando o feitiço.
— Está selado.
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Na saída, Nin abraçou o irmão em silêncio.
Depois olhou para Jay uma última vez.
— Se alguém tentar me usar nesse jogo, eu mesma escolherei quem queimar primeiro.
Jay inclinou a cabeça, como quem aprova.
— Bom saber.
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Quando deixaram o hotel, Win murmurou a Ton:
— Ele acha que vai me dobrar. Mas se encostar um dedo errado na minha irmã, eu arranco o braço inteiro.
No carro, Jay comentou com Oleg:
— Ele vai queimar a própria casa para não me deixar ver as paredes.
Oleg perguntou:
— E você acredita nele?
Jay olhou para a cidade iluminada pelo rio e respondeu com frieza:
— Acredito no que vi. E vi um homem que vai quebrar... ou me quebrar.
A noite seguiu densa, carregada de promessas de guerra e de algo ainda mais perigoso.
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Atualizado até capítulo 43
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