Aparências e Verdades
O silêncio do apartamento de cobertura de Helena Duarte era quase ensurdecedor. Do vigésimo segundo andar, as luzes de São Paulo cintilavam como constelações artificiais, mas nada conseguiam iluminar o vazio que ela sentia por dentro. A cidade vibrava, viva, enquanto ela se afundava no sofá de couro branco, cercada por uma decoração impecável, porém fria.
Era terça-feira, e mais uma vez havia enfrentado um dia interminável: reuniões com advogados sobre cláusulas do divórcio, relatórios financeiros da rede de hotéis herdada da família, telefonemas de relações públicas pedindo entrevistas para "reconstruir a imagem". Tudo parecia girar em torno do mesmo assunto: o escândalo que transformara sua vida privada em espetáculo público.
Helena suspirou e girou a taça de vinho nas mãos. O líquido rubi refletia sua expressão cansada. Ela tinha quarenta anos e ainda chamava atenção por sua beleza elegante — cabelos escuros sempre bem penteados, olhos castanhos profundos, postura impecável. Mas, por trás daquela imagem, carregava um cansaço que maquiagem nenhuma disfarçava.
De repente, a campainha soou.
O porteiro entregou-lhe um envelope dourado, pesado, com o brasão da família Duarte em alto-relevo. Helena reconheceu de imediato: era o convite anual para o Baile Beneficente do Instituto Duarte, a noite mais esperada do calendário social paulistano.
Por um instante, apenas segurou o envelope entre os dedos, hesitando em abri-lo. Desde o divórcio, evitava aparecer em público. Cada evento era uma tortura: cochichos às suas costas, olhares de pena, perguntas disfarçadas de curiosidade. Mas o baile era diferente. Era o evento criado por sua mãe, a vitrine da família, um lembrete de que os Duarte não apenas acumulavam fortuna, mas também devolviam à sociedade.
Ignorar o convite não era uma opção.
Finalmente, quebrou o lacre e leu as letras douradas. O coração apertou com a lembrança dos primeiros anos em que compareceu ao baile de braço dado com Marcelo, seu ex-marido. Na época, acreditava que vivia um conto de fadas. Hoje, restava-lhe apenas a cicatriz de uma traição exposta ao público.
Deixou o convite sobre a mesa de vidro e, por alguns minutos, encarou a cidade através da parede de janelas. O reflexo devolveu-lhe a imagem de uma mulher forte, mas solitária. Era impossível ignorar: se fosse sozinha, seria humilhada em silêncio por sorrisos falsos e comentários venenosos. Se não fosse, os jornais diriam que estava derrotada.
A taça de vinho foi ao encontro dos lábios novamente. Helena fechou os olhos. Precisava de uma decisão.
E foi aí que uma ideia ousada lhe ocorreu. Pela primeira vez em anos, pensou em algo fora de seus padrões rígidos: não iria sozinha.
Não buscava companhia verdadeira — não acreditava mais em promessas de amor. O que precisava era de presença, um aliado de ocasião, alguém que lhe desse segurança para atravessar aquele salão iluminado sem vacilar.
A mente recordou-se de uma conversa com uma amiga indiscreta, meses antes. Entre risadas, a amiga lhe dera um cartão de uma agência de acompanhantes de luxo. Helena guardara o contato em uma gaveta, jurando que nunca o usaria. Mas, naquela noite, ao olhar para o convite dourado, pensou diferente.
Pegou o celular. Os dedos hesitaram sobre a tela. Sentiu-se tola, vulnerável, até mesmo ridícula. Mas a sensação de impotência diante da sociedade era ainda pior.
Respirou fundo e discou.
— Boa noite. — sua voz saiu firme, apesar do turbilhão interior. — Preciso de companhia para um evento.
Do outro lado, uma atendente respondeu com profissionalismo.
— Claro, senhora. Gostaria de descrever o tipo de acompanhante que procura?
Helena mordeu o lábio. Não queria um homem espalhafatoso, nem alguém que parecesse uma caricatura de sedutor. O que precisava era discrição, elegância e confiança.
— Alguém que saiba se portar em sociedade. Discreto, mas seguro.
— Tenho a pessoa ideal. — garantiu a atendente, sem hesitar. — Posso agendar um encontro amanhã à tarde, em nosso escritório, para que conheça o acompanhante e defina os detalhes.
Helena concordou.
Quando desligou, permaneceu imóvel, encarando o celular. O vinho já não lhe aquecia; era a adrenalina da ousadia que percorria suas veias. Pela primeira vez desde o divórcio, sentiu que estava retomando algum controle sobre a própria narrativa.
Na manhã seguinte, acordou cedo, mesmo depois de uma noite inquieta. Passou mais tempo do que o habitual escolhendo a roupa: um conjunto elegante de alfaiataria cinza, maquiagem leve, cabelo preso em coque. Queria transmitir seriedade — não estava ali por diversão, mas por estratégia.
O escritório da agência ficava em um edifício discreto nos Jardins. Ao entrar, foi recebida com cortesia. O ambiente exalava profissionalismo: móveis modernos, aroma suave de lavanda, nada de escândalos.
Após alguns minutos, a atendente retornou.
— Senhora Helena, este é Gabriel Moretti.
Ela se virou — e, por um instante, esqueceu como respirar.
Gabriel não tinha a aparência caricata que temera. Vestia-se de forma impecável: terno escuro bem cortado, camisa clara sem gravata. O cabelo castanho levemente desalinhado e os olhos verde-acinzentados transmitiam uma mistura de seriedade e calma. Havia nele algo diferente: não era apenas beleza, era presença.
— Um prazer conhecê-la, senhora Duarte. — disse ele, com um sorriso discreto, estendendo a mão.
O aperto de mão foi firme, mas não invasivo. Helena sentiu-se, estranhamente, segura.
— O prazer é meu. — respondeu, tentando manter a voz estável.
A atendente explicou os termos, mas Helena mal prestava atenção. Observava Gabriel, analisando cada detalhe: a postura, a forma como ouvia com atenção, o olhar direto mas respeitoso. Ele não parecia interpretar um papel; parecia simplesmente… ser.
— Então, será apenas companhia para o baile beneficente? — perguntou Gabriel, após a explicação.
— Sim. — respondeu Helena. — Nada além disso. Preciso de alguém que se apresente como meu par, para evitar comentários indesejados.
— Entendido. — Ele inclinou a cabeça, num gesto que soou quase como um voto de lealdade. — Posso garantir que ninguém terá motivos para duvidar.
Helena respirou fundo. Parte dela ainda gritava que aquilo era insensato, mas outra parte — talvez a mais verdadeira — sentia-se aliviada.
Enquanto assinava os papéis do contrato, percebeu que, pela primeira vez em meses, não estava sendo observada com pena ou julgamento. Gabriel a tratava como alguém comum, como uma mulher que merecia respeito.
Quando deixou o escritório, o sol de fim de tarde dourava os prédios de São Paulo. Segurando sua bolsa com firmeza, Helena caminhou até o carro com uma sensação nova.
Não era felicidade, ainda. Nem mesmo esperança. Era apenas a sensação de que, talvez, sua história não estivesse acabada.
O baile ainda estava a alguns dias de distância, mas, pela primeira vez em muito tempo, Helena Duarte tinha algo que parecia um plano.
E, sem perceber, havia dado o primeiro passo em direção a um caminho que mudaria não apenas sua imagem perante o mundo, mas sua própria vida.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 34
Comments