Solenne subiu correndo os degraus da varanda, tentando se livrar da sensação incômoda que ainda carregava desde o encontro com aquele homem estranho. O coração acelerado não era só de medo — havia algo nela que queimava, como se estivesse prestes a explodir.
— Mãe? — chamou, empurrando a porta da frente. — Pai?
O silêncio foi a primeira coisa que a atingiu. Silêncio pesado, sufocante. O tipo de silêncio que nunca deveria existir em um lar.
Ela largou os livros no sofá e avançou pelo corredor.
— Mãe? — repetiu, a voz embargada.
Foi então que viu.
A cozinha estava um caos. Cadeiras viradas, cacos de vidro no chão, a mesa quebrada. E no centro, caídos entre manchas escuras e pegajosas que se espalhavam como poças grotescas, estavam seus pais.
Solenne sentiu o mundo desabar. O ar sumiu dos pulmões. As pernas falharam.
— N-não… — a voz saiu num sussurro fraco, enquanto ela se aproximava cambaleante. — Não… por favor… não…
Ela caiu de joelhos, tocando a mão fria da mãe. O sangue já seco denunciava que não havia nada a ser feito.
— Acorda… por favor, acorda… — soluçou, desesperada. — Pai… mãe…
As lágrimas desciam quentes, mas o coração parecia congelado.
Foi quando ouviu.
Um arranhar baixo, vindo do teto. Outro, da janela. E outro, atrás dela.
O corpo inteiro dela gelou. Lentamente, ergueu a cabeça.
Sombras. Elas se mexiam sozinhas, deslizando pelas paredes como se tivessem vida própria. Dos cantos da cozinha, criaturas começaram a emergir: corpos retorcidos, pele cinzenta como cinzas, olhos brilhando em vermelho. As bocas se abriram, revelando dentes longos e afiados, e delas saiu um som gutural, faminto.
Solenne recuou até bater contra a parede, o coração disparado, os soluços presos na garganta.
— O… o que são vocês? — a voz quase não saiu.
As coisas não responderam. Apenas avançaram, devagar, cercando-a, as garras arranhando o chão, deixando marcas profundas.
Ela tentou se levantar, mas o medo travou seu corpo. As lágrimas turvavam a visão, a respiração era um caos. Uma das criaturas se aproximou demais, e Solenne soltou um grito de puro terror.
— AZERIEEEEEEEEEEEEEEEEL!
O som rasgou o ar como um trovão, tão desesperado que até as criaturas hesitaram.
As lâmpadas estouraram uma a uma, a escuridão tomou a casa inteira. No meio dela, uma fenda abriu-se como um rasgo no ar, e dele emergiu Azeriel.
Alto, envolto em sombras que se moviam como serpentes vivas, seus olhos ardiam em fogo dourado e frio. O chão estremeceu sob seus passos, e até o ar pareceu fugir dele.
As criaturas guincharam, reconhecendo sua presença. Não recuaram. Atacaram.
Azeriel sorriu. Um sorriso cruel, de puro sarcasmo.
— Que ousadia… tentar caçar diante de mim.
Elas vieram em investida. Uma pulou contra ele, garras prontas para rasgar. Azeriel a agarrou no ar pelo pescoço, esmagando ossos num estalo seco. A criatura virou pó antes mesmo de tocar o chão.
Outra avançou por baixo, mas Azeriel ergueu o braço, e correntes de chamas negras se esticaram pelo cômodo, chicoteando-a em pedaços. O cheiro de carne queimada se espalhou no ar.
Duas tentaram cercar Solenne. Ela gritou e recuou, mas Azeriel apareceu em frente a ela em um piscar de olhos, bloqueando a passagem.
— Tocarem nela? — sua voz desceu como uma sentença. — Só por isso merecem uma morte lenta.
Ele ergueu a mão, e um círculo de símbolos incandescentes se abriu no chão. As criaturas gritaram quando lanças de fogo e sombra as atravessaram, desintegrando seus corpos.
O silêncio voltou.
Solenne tremia, caída no chão, olhando horrorizada para a cena. Seus pais mortos, sua casa destruída, monstros queimados… e aquele homem — ou o que quer que fosse — parado ali, como se nada tivesse acontecido.
Azeriel limpou a poeira da manga do casaco e suspirou, entediado.
— Patético. Sempre mandam as pragas mais fracas primeiro.
Ele então voltou o olhar para ela. Intenso, como se atravessasse sua alma.
— Agora eu entendo… — murmurou, mais para si mesmo do que para ela. — Você é a razão de tudo isso.
Solenne engoliu em seco, a respiração descompassada.
— O… o que eram aquelas coisas?
— Parasitas. Criaturas do vazio. — respondeu, se aproximando devagar. — Foram atraídas por você. Pela sua luz.
Ela balançou a cabeça, negando, em lágrimas.
— Eu não sou nada! Eu não tenho luz nenhuma! Eu sou só… só uma garota!
Ele riu baixo, sarcástico.
— Garotas comuns não me chamam pelo nome e me trazem até aqui.
Solenne recuou, a voz quebrada.
— M-meus pais… eles…
Por um instante, ele a observou em silêncio. O sarcasmo se apagou de seu rosto, substituído por algo mais sério. Não compaixão, mas reconhecimento. Dor ele entendia.
Então, se ergueu novamente, imponente.
— Seus pais se foram. E mais virão atrás de você. — Sua voz foi cortante. — A não ser que confie em mim.
Ela ergueu os olhos cheios de medo e ódio.
— Confiar em você? Você é um monstro!
Ele sorriu, sombrio, inclinando-se perto do rosto dela.
— Eu sou o único monstro que pode te manter viva.
E então, em um sussurro frio, completou:
— Quando quiser respostas, grite meu nome de novo. Eu sempre estarei ouvindo.
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Atualizado até capítulo 65
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