Um Felizes Para Sempre Incompleto

Jensen Montserrat

Algumas pessoas acreditam que só se ama de verdade uma vez na vida. Por muito tempo, eu acreditei nisso também.

Soraya… ela era tudo que eu queria e tudo que eu perdi.

Nos conhecemos em uma reunião informal da empresa, num daqueles jantares de fim de ano em que todos se esforçam para parecer mais amigáveis do que realmente são. Eu estava sentado ao lado de Alceu, um dos meus sócios mais antigos, quando ela apareceu. Soraya Azevedo, a filha dele. Cabelos castanhos ondulados, sorriso que abria sem esforço e olhos cheios de inteligência. Havia algo nela que desarmava, mesmo à distância.

— Então você é o famoso Jensen Montserrat… — disse ela, puxando uma cadeira ao meu lado — Já ouvi tantas histórias sobre você que nem sei se devia estar sentando aqui.

— E você acredita em tudo que ouve? — retruquei, sorrindo.

— Só nas partes boas. — ela piscou.

Soraya era leve. Inteligente, sarcástica no ponto certo, rápida com as palavras e com um senso de humor raro. Ao longo daquele jantar, esquecemos do resto do salão. Conversamos sobre música, ela amava Queen, como eu, sobre filmes antigos, sobre livros que marcaram nossas infâncias. Era como reencontrar uma parte de mim que nem sabia que faltava.

O namoro começou alguns dias depois. Não houve joguinhos, nem promessas em excesso. Foi fácil. Leve. Natural.

— Você tem essa mania de me olhar como se já me conhecesse há anos. — ela dizia, deitada no meu peito nas manhãs de domingo.

— E talvez eu tenha mesmo. Só não sabia ainda que era você que faltava. — eu respondia, sempre com os dedos brincando nos cabelos dela.

Durante um ano, fomos inseparáveis. Viajamos, reformamos um apartamento juntos, escolhemos cortinas que nenhum de nós realmente entendia, mas nos divertíamos fingindo que sim. Ela adorava fazer planos. Era do tipo que rabiscava no canto do caderno o nome dos nossos futuros filhos.

— Se for menina, quero que se chame Lara. Se for menino, Caio. Promete que vai deixar?

— Prometo. Desde que o segundo possa se chamar Freddie. Em homenagem ao Mercury.

— Combinado, rockstar.

Eu nunca imaginei que algo pudesse nos tirar aquele futuro. Por isso, quando a pedi em casamento, coloquei tudo naquele momento. Alianças feitas sob medida, um jantar no lugar onde nos conhecemos, uma carta escrita à mão.

Ela chorou. Eu tremi. E por um instante, acreditei que o mundo realmente podia ser justo.

Nos casamos em uma cerimônia pequena, cercados por flores brancas e pessoas que amávamos. Soraya parecia ter saído de um sonho. Vestido rendado, sorriso emocionado, olhos brilhando de esperança. Eu me lembro do cheiro dela naquele dia. Lavanda e Rosas.

— Eu nunca mais vou deixar você sozinho. — ela disse no altar, entre lágrimas e risos.

Mas ela deixou. Uma semana depois.

Foi um acidente idiota. Um táxi desgovernado, uma tarde chuvosa, um retorno de um almoço com as amigas. Ela não estava comigo. Eu nem sabia que ela tinha saído. Recebi a ligação às 15h42, do hospital. A voz da pessoa do outro lado era fria demais para a gravidade que carregava.

— “O senhor Jensen Montserrat?”

— “Sim.”

— “Sua esposa, Soraya Azevedo Montserrat… sofreu um acidente. Ela está em estado crítico. Precisa vir imediatamente.”

O mundo se apagou. Saí correndo da empresa, o coração aos pulos, a respiração falha. Quando cheguei, ela ainda estava viva, mas apagando aos poucos. A costela dela havia perfurado o pulmão. Sangramento interno. Muita dor. Muito pouco tempo.

Entrei na sala de emergência e quase não a reconheci. Rosto machucado, cabelos sujos de sangue, os olhos tentando ficar abertos só para me ver.

— Jensen… — ela sussurrou — Desculpa… eu só queria… queria comprar aquele vinho que você gostou…

— Não fala. Não precisa falar nada. Estou aqui… Soraya, por favor, fica comigo. Fica comigo…

Ela tentou sorrir. As lágrimas escorreram antes que o monitor ficasse mudo.

Eu gritei. Três enfermeiros me tiraram da sala. E junto com eles, levaram a minha esperança.

Enterrei Soraya com as próprias mãos, num caixão branco que parecia zombar da nossa história curta. Na noite do dia que a enterrei sofri um acidente de carro que ironicamente me deixou uma cicatriz na costela. Durante semanas, fiquei trancado no nosso quarto. O apartamento cheirava a lavanda e ausência. Eu não comia. Não dormia. Olhava para as fotos e esperava que tudo fosse um pesadelo.

Nunca mais consegui ouvir Queen sem chorar. Nem assistir aos filmes que ela amava. Cada canto daquela casa era uma lembrança. Cada peça de roupa esquecida num canto, uma faca no peito.

— Você prometeu que nunca ia me deixar sozinho. — eu sussurrava no escuro.

Mas ela deixou.

E eu morri junto com ela. Só que continuo aqui… respirando o que sobrou.

Seis anos se passaram desde o último adeus. O luto deixou cicatrizes invisíveis, mas reais. Voltei ao trabalho cedo demais, escondendo meu vazio atrás de contratos milionários e copos de uísque que nunca me embriagavam o suficiente. Me tornei mais frio, mais seletivo. E completamente indiferente a relacionamentos. Até aquela noite.

Foi em um evento beneficente. Eu tinha sido um dos patrocinadores e, como de costume, precisei comparecer. Estava entediado, pronto para sair mais cedo, quando a vi.

Ela usava um vestido vermelho discreto, mas que a deixava com uma elegância difícil de ignorar. Os cabelos castanhos estavam presos em um coque baixo, e os olhos… ah, os olhos carregavam algo que me puxou antes mesmo que eu pudesse pensar.

— Boa noite. — Ela sorriu, estendendo a mão — Sou Mayra Marshall. Nos conhecemos?

— Ainda não. Mas pretendo corrigir isso agora. Jensen Montserrat. — Apertei sua mão e senti algo estranho. Um calor discreto. Um clique silencioso.

Conversamos por longos minutos. Depois por horas. Ela era sagaz, educada, surpreendentemente culta. Sabia citar autores clássicos e ao mesmo tempo debatia cinema com leveza. Tinha o tipo de humor refinado que me fazia rir mesmo sem perceber.

Mas o que me intrigou foi sua reserva.

Nas semanas seguintes, saímos várias vezes. Restaurantes, jantares sociais, caminhadas tranquilas. E em todos esses encontros… nada de beijo.

Ela desviava o rosto, sorria tímida, recuava com delicadeza.

— Está tudo bem? — perguntei uma vez, quando nossos rostos quase se tocaram ao final de uma noite.

— Eu só… não costumo correr com certas coisas. — Sua voz era suave — Não me leve a mal. Gosto de você. Mas prefiro esperar.

— Esperar o quê, exatamente?

— O momento certo. — E desviou os olhos com um rubor que me confundia.

Voltei para casa naquela noite tentando entender o que havia ali. Era medo? Trauma? Jogo? Mas havia uma doçura tão sincera nela, uma hesitação que me tocava. Comecei a acreditar que Mayra talvez fosse… virgem.

A ideia me pegou de surpresa, mas explicaria tanta coisa. E me deu ainda mais vontade de proteger aquela mulher. Comecei a observá-la com outros olhos. Cada gesto, cada palavra, cada recuo. Comecei a vê-la como algo raro. Precioso.

Certa noite, comentei com Enzo, um amigo antigo e sócio:

— Acho que estou me apaixonando de novo.

— Por uma mulher que ainda nem te beijou? — ele riu, apoiado no balcão do nosso bar particular.

— Justamente por isso. Ela me faz querer mais. E não falo de cama. Falo de vida. De futuro. Com Soraya foi rápido, intenso. Com Mayra… é calmo. E ainda assim, avassalador.

Enzo me olhou por um momento, mais sério:

— E você tem certeza que está pronto pra isso?

— Não. Mas pela primeira vez em seis anos… eu quero tentar.

E eu tentei. Na semana seguinte, a pedi em casamento.

— Jensen… — Ela arregalou os olhos — Tem certeza?

— Não. Mas eu tive certeza com Soraya, e veja no que deu. Talvez amar seja isso: arriscar sem ter garantias. Só me diga que vai ficar.

— Eu vou. — Ela sorriu — Mas promete que vai segurar se eu cair?

— Prometo. Até mesmo se o mundo cair.

O dia do casamento chegou. O céu estava limpo, a igreja decorada com lírios brancos e velas suaves. Minhas mãos estavam frias e o coração acelerado como há muito tempo não sentia. Vesti o terno cinza escolhido por ela, e ao me olhar no espelho, senti uma paz diferente.

Os convidados foram chegando. Minha mãe, alguns amigos antigos, sócios, empresários. A cerimônia estava marcada para as 17h em ponto. Quando o relógio marcou 17h15 e nada da noiva, senti um leve desconforto. Mas não me preocupei. Noivas sempre se atrasam. É tradição, não é?

E então… os portões se abriram.

Lá estava ela.

Atravessando a igreja com o braço enlaçado ao da mãe. O véu cobria seu rosto, mas havia algo em sua postura… na suavidade dos passos… que me paralisou. Senti um arrepio na espinha, uma pressão no peito. Quando chegou perto, e sua mãe colocou a mão dela na minha, senti meu coração tropeçar uma batida. Minha respiração falhou. Era como se meu corpo soubesse o que minha mente ainda não conseguia entender.

O padre começou a cerimônia. As palavras passaram por mim como se eu estivesse submerso. Só voltei à realidade quando chegou o momento do beijo.

Ela estava ali. Diante de mim. E mesmo sem ter visto nitidamente seu rosto, eu sabia: era agora. Era o momento que eu havia esperado por meses.

— Finalmente… — sussurrei, emocionado — O nosso primeiro beijo.

E então, levantei o véu.

Seus olhos se encontraram com os meus. E por um segundo, tudo em mim silenciou. O mundo parou. O ar sumiu. Eu não soube quem eu era, nem onde estávamos. Só sabia… que ali, nos braços dela, eu poderia morrer e viver ao mesmo tempo.

E a beijei.

Jensen Montserrat

Mavis/Mayra Marshall

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Comments

Gloria Souza

Gloria Souza

nossa Autora tem um desse pra mim só para mim brincar de esconde esconde vou logo pro quarto só pra ver se ele me acha kkkkkkkkk

2025-08-13

10

Graça Oliveira

Graça Oliveira

Mavis é linda simples e humilde, depois as duas víboras vão perturbar a Mavis aí é o momento dele mandar a cobra pro Butantã.

2025-08-14

2

Marcia Ribeiro

Marcia Ribeiro

Autora minha linda, será que eu acho um desses na Shopee? Tô precisando de um desse com urgência, gostoso demais uffa

2025-08-14

1

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