Entre Cicatrizes e Desejos

Entre Cicatrizes e Desejos

Capítulo 1 — O Convite

O som da chuva escorrendo pela vidraça preenchia o silêncio do pequeno apartamento. Kate olhava fixamente para o envelope creme em sua mão. Seus dedos trêmulos o apertavam como se ele fosse a única âncora entre ela e o abismo de memórias que insistiam em arrastá-la de volta.

> “Senhorita Kate M. Vasconcellos,

Temos interesse em seus serviços como assistente particular.

Alojamento incluso.

Pagamento em dinheiro.

Compareça até o fim da semana.

— M.”

Nenhum remetente. Nenhum número para contato.

Apenas um endereço nas montanhas de Santa Aurélia, uma cidade que ela sequer sabia se ainda existia no mapa.

Kate leu o bilhete pela décima vez. Tinha certeza de que não se candidatou a emprego nenhum. Mas o nome dela estava ali. Escrito com tinta preta, caligrafia firme.

Eles sabiam quem ela era.

Alguém a estava observando.

Mesmo assim... não era medo o que dominava seu peito.

Era alívio.

Alívio por ter uma desculpa para fugir.

Do ex que a perseguia em sonhos. Da solidão sufocante. Das paredes que conheciam seus choros abafados à noite.

— Talvez seja só isso — murmurou para si mesma. — Uma chance de desaparecer.

Na manhã seguinte, com uma mochila gasta nas costas e o coração acelerado, Kate embarcou em um ônibus quase vazio. As janelas embaçadas mostravam estradas cercadas de árvores sem folhas, como dedos secos apontando para o céu.

A viagem foi longa e silenciosa.

O motorista parecia saber exatamente onde deixá-la — o que a deixou ainda mais inquieta.

Ao descer, se deparou com uma estrada de terra vermelha. Nenhuma placa. Nenhuma alma viva à vista. Um carro preto a aguardava — luxuoso demais para aquele cenário — com vidros escuros e um motorista que a encarou como se soubesse cada centímetro da sua história.

— Senhorita Vasconcellos? — perguntou ele, sem emoção.

Kate apenas assentiu. Entrou no carro sem dizer uma palavra.

O cheiro do estofado era forte. Novo. Mas algo no ar parecia... antigo.

Assustadoramente antigo.

A estrada subia em curvas sinuosas por mais de meia hora, até que grandes portões de ferro surgiram no meio do nada. Gravados neles, em letras gastas, estava o nome:

> MOREAU.

A mansão era imensa, de pedra escura, com janelas altas e uma torre lateral que lembrava um castelo esquecido. A neblina tornava difícil distinguir os detalhes, mas ela sentiu os olhos dela... dele... mesmo sem vê-lo ainda.

Quando o carro parou, a porta foi aberta por uma mulher alta, esguia, com cabelos platinados presos num coque impecável. Ela sorria, mas seus olhos pareciam analisar cada movimento de Kate.

— Bem-vinda à propriedade Moreau — disse a mulher, com voz suave. — Sou Helena. Cuido da casa... e de outras coisas.

— Quem me contratou? — Kate perguntou.

Helena sorriu ainda mais.

— Meu irmão. Ele está... curioso a seu respeito.

Kate sentiu o estômago revirar.

Havia algo naquele lugar que fazia os pelos da nuca se arrepiarem.

Ela foi conduzida para dentro da mansão.

O chão de mármore refletia sua silhueta pálida. Os quadros nas paredes exibiam rostos sérios de antepassados. Tudo ali parecia carregar uma história — e nenhum final feliz.

Ao passar por um corredor estreito, ouviu passos vindos da escuridão. Firmes. Lentos. E então, finalmente, ele apareceu.

Um homem alto, de terno escuro, pele pálida, olhos tão intensos que pareciam atravessar a alma. Ele não sorriu. Apenas a encarou.

— Kate — disse ele, com voz baixa, rouca, perigosa. — Bem-vinda à sua nova realidade.

E naquele instante, ela soube:

tinha saído do seu inferno particular... para entrar em outro ainda mais profundo.

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Comments

Lia_Vicuña

Lia_Vicuña

Incrível! Estou obcecada por essa história.

2025-08-05

2

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