A porta se abriu com um clique suave, e Rafaely se encolheu. Seu coração, já fragilizado pela fome e pelo desespero, bateu forte no peito, como um tambor de guerra. No entanto, não era a camareira fria, nem o servo silencioso que entrou. Era uma senhora, com cabelos brancos presos em um coque perfeito e um rosto que, apesar das rugas, tinha um ar de dignidade e seriedade. Seus olhos, de um cinza profundo e impassível, a observaram por um instante, avaliando-a de cima a baixo como se ela fosse uma peça de museu. A mulher usava um vestido simples, mas elegante, e seus movimentos eram tão graciosos quanto os de uma rainha.
A senhora, sem dizer uma palavra, caminhou até a cama e estendeu sobre ela um vestido. Era de uma seda líquida, cor de vinho, com alças finas e um decote discreto, mas que ressaltava a clavícula de Rafaely. Ao lado, um par de sapatos de salto alto, de uma cor prateada, com tiras finas. O vestido era uma obra de arte, uma peça de luxo que Rafaely nunca pensou em usar. Era bonito, mas para ela, era um novo tipo de corrente. O tecido macio e a cor escura pareciam a promessa de uma prisão ainda mais refinada.
"Vista-se", disse a senhora, com uma voz baixa e calma, mas com uma autoridade que não podia ser questionada. "O senhor Marcel a espera lá embaixo para o jantar. Ele não gosta de demoras."
Rafaely a olhou, com os olhos cheios de desespero e fúria. A senhora era tão impassível quanto os outros servos. Um novo tipo de carcereiro. Ela era a prova de que a gaiola de Marcel era bem administrada, e que o seu cativeiro era um negócio sério.
"Eu não vou a lugar algum com ele!", Rafaely disse, sua voz rouca, mas com a teimosia que ela não podia perder. A sua dignidade, que ela pensava que havia sido roubada, ainda estava ali, lutando.
A senhora não demonstrou qualquer emoção. Ela apenas suspirou, como se estivesse acostumada com a insolência de prisioneiros. "Você pode escolher. Vestir o vestido ou ir nua. De qualquer forma, você irá. E garanto-lhe, o senhor Marcel não terá qualquer hesitação em levá-la para o jantar da maneira mais... desagradável."
A ameaça era real. Rafaely podia ver em seus olhos. A senhora não a machucaria, mas a humilharia. Ela a forçaria a confrontar o seu próprio destino. A sua dignidade, o seu último escudo, estava sendo ameaçada. A sua mente, que antes estava presa por cordas, agora estava sendo desafiada por uma nova forma de poder.
"Não sou sua prisioneira!", ela disse, com lágrimas de fúria escorrendo pelo seu rosto.
"Não", disse a senhora, com uma calma assustadora. "Você é a prisioneira dele. E ele é o seu dono. Vista o vestido. Você precisa de comida e de água, e ele não vai lhe dar nada se você não o obedecer. A sua vida agora é uma série de escolhas, e a única coisa que você pode escolher é a maneira como você vai lutar."
A senhora saiu do quarto, deixando Rafaely sozinha novamente, com a bandeja de comida intocada e o vestido de seda sobre a cama. O tempo se tornou um inimigo. Ela não tinha tempo para lutar. Ela precisava de comida, de água, de força. Ela precisava de um plano, e para ter um plano, precisava de um pouco de tempo, de um pouco de sanidade.
Com os olhos cheios de lágrimas, Rafaely se levantou. O seu corpo estava fraco, mas a sua mente estava clara. Ela olhou para a comida, e a sua fome a venceu. Ela comeu, saboreando cada pedaço de frango, bebendo a água com a mesma ânsia. E então, com as mãos trêmulas, ela vestiu o vestido de seda. O tecido era macio e a abraçou como uma segunda pele. A cor do vinho era tão profunda que parecia sangue, e o seu corpo, que antes parecia ser dela, agora era uma tela de um quadro que ela não havia pintado. Ela se olhou no espelho, e a imagem que viu a aterrorizou. O cabelo ruivo ainda estava desgrenhado, o rosto pálido e cansado, mas o vestido de seda a transformou em uma obra de arte, em uma boneca para o seu dono.
Ela colocou os sapatos, e a sua altura a fez se sentir mais imponente, mas a sua alma estava encolhida. Ela estava pronta para a guerra, mas o seu inimigo era um monstro de elegância e de poder. A sua dignidade estava sendo roubada, mas o seu espírito ainda estava lá. O fogo de sua rebeldia ainda queimava, e ela sabia que o jogo de Marcel era um jogo de paciência. Ela não seria quebrada. Ela seria astuta. Ela seria a sua prisioneira, a sua obra de arte, mas em sua mente, ela ainda era a Rafaely, a artista selvagem que corria pelos campos, e o seu coração ainda era dela. E um dia, ela encontraria uma maneira de queimar a sua gaiola de ouro.
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Atualizado até capítulo 34
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