O prato de comida sobre a mesa era um desafio. Rafaely, amarrada à poltrona de veludo, sentia o estômago roncar e a garganta implorar por água. A fome era uma inimiga traiçoeira, uma força biológica que a ameaçava mais do que as cordas. Por mais que a sua mente gritasse em fúria, o seu corpo estava se rendendo à fraqueza. Ela olhava para a comida, um peito de frango grelhado e vegetais cozidos no vapor, com uma mistura de repulsa e desejo. Comer significaria ceder. Significaria aceitar que ele estava no controle, que a sua sobrevivência dependia da generosidade de seu captor. Mas não comer significaria definhar, e a sua dignidade não valeria de nada se ela não estivesse viva para lutar.
A porta do quarto se abriu, e Rafaely estremeceu. Seu coração disparou. No entanto, não era o servo silencioso que entrou, mas Marcel. Ele caminhava com uma confiança que parecia tomar conta de todo o ambiente, e atrás dele, dois homens robustos carregavam um sofá de couro marrom, tão grande que parecia fora de lugar no quarto luxuoso. A presença deles, alta e intimidadora, era um lembrete do poder que cercava Marcel. Eles o colocaram em uma parede, em frente a lareira, e saíram do quarto sem dizer uma palavra, a presença deles tão invisível quanto a do primeiro homem.
Marcel se virou para Rafaely. Um sorriso lento e cruel se formou em seus lábios. Ele se sentou no novo sofá, como se fosse um trono, e cruzou as pernas, com um olhar de pura satisfação. Seus olhos, azuis como o oceano, pareciam examinar cada detalhe do quarto, e por fim, se fixaram em Rafaely, um olhar que a fazia sentir como se fosse a única coisa viva em um mundo de objetos inanimados.
"Gostou da nova decoração?", ele perguntou, a voz suave e controlada, mas com uma autoridade que congelava o ar. "Esse é o seu novo quarto. Juntei-o ao meu, para que você nunca se sinta sozinha."
Rafaely sentiu um nó na garganta. Ele não queria que ela se sentisse segura, mas que ela soubesse que ele estava sempre por perto, sempre a vigiando. Era uma promessa de solidão e de vigilância eterna.
"Esse quarto é uma cela de ouro. Você pode decorá-lo do jeito que quiser. Mudar as cores, as flores...", ele continuou, como se estivesse oferecendo um presente. "...mas nunca as paredes. Eu estarei aqui, te vigiando. Em cada passo que você der, em cada respiração que você der, em cada sonho que você tiver."
Rafaely o olhou com ódio puro. A fúria era um incêndio que queimava em seu peito, mas ela sabia que, para lutar, precisava de um plano, e para ter um plano, precisava de sua sanidade. Ela não cedeu. Ela apenas o encarou, com os olhos fixos nos dele, uma batalha silenciosa de vontades.
Ele sorriu novamente, desta vez com um brilho malicioso nos olhos. "Não há onde fugir, Rafaely. Esta não é uma cabana no meio do nada. Estamos no coração de Nova York. Em um dos edifícios mais altos e seguros da cidade. Minha segurança é a melhor do mundo, e a sua cela... é a mais luxuosa."
A revelação a atingiu como um soco no estômago. Nova York. A cidade dos sonhos, das oportunidades, da arte. A mesma cidade que ela sempre quis visitar, agora era a sua prisão. O pensamento fez seu coração afundar em um abismo de desespero. Ela era uma artista, uma estudante, uma sonhadora. E agora, ela era a propriedade de um mafioso, trancada no topo de um arranha-céu. O quão longe ele a havia levado? O quão poderoso ele era?
Ele se levantou e caminhou em direção a ela. Rafaely encolheu-se, esperando o pior. Mas, em vez de machucá-la, ele se inclinou e, com a mesma precisão com que a amarrou, desfez os nós da corda. Os pulsos de Rafaely ficaram livres, mas a liberdade foi mais assustadora do que o cativeiro. A dor da circulação que voltava era real, mas a sensação de impotência era ainda maior. Ele a havia soltado, mas o controle era mais forte do que nunca.
"Agora você está livre para explorar o seu quarto. Tente fugir, se quiser. Te desafio. Eu adoro um bom jogo de gato e rato." Ele sorriu. "Mas lembre-se: não há janelas que se abrem, e a porta... a porta está sempre trancada."
Marcel caminhou até a porta e, antes de sair, ele olhou para ela uma última vez. "A comida e a água estarão sempre na mesa. Não se esqueça de comer. Uma obra de arte precisa de sustento para se manter bela."
A porta se fechou com um som de aço, e Rafaely estava sozinha. Livre das cordas, mas mais aprisionada do que nunca. Ela se levantou, cambaleando, e correu para a janela. O vidro era grosso e inquebrável, e do lado de fora, a cidade era um mar de luzes. Os edifícios altos, a vastidão da metrópole, as luzes brilhantes... tudo isso a atingiu como uma onda de desespero. Era como se a cidade estivesse zombando dela, com sua promessa de liberdade e sua realidade cruel de cativeiro.
A sua liberdade, que ela pensava que poderia conquistar com força, havia sido roubada. O seu mundo, antes vasto e cheio de promessas, agora era uma sala de luxo no topo de um arranha-céu. A cidade que ela sempre sonhou em conhecer era a sua prisão, e o céu, o seu teto. A luta agora não era mais para quebrar as cordas, mas para quebrar a sua sanidade. Ela tocou a janela com a ponta dos dedos, e o vidro frio era um lembrete gelado da sua nova realidade. A cidade, um milhão de histórias e de vidas, estava lá fora, e ela, a artista que sonhava em pintá-la, estava trancada em uma gaiola de ouro. A batalha para manter sua mente intacta, sua alma indomável, estava apenas começando. E ela sabia que o jogo de Marcel estava longe de acabar.
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Atualizado até capítulo 34
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