Alice narrando...
Depois do enterro, voltei para o meu quarto no hotel. Fechei a porta, tirei os sapatos e me joguei na cama. O travesseiro, antes tão macio, agora parecia pesar toneladas. Meu corpo doía, mas era a alma que sangrava.
O senhor William foi mais do que um chefe. Ele foi o pai que a vida esqueceu de me dar. E agora... agora ele também se foi.
David.
O nome dele martelava na minha cabeça. O jeito como me abraçou no cemitério, o calor do seu peito contra o meu, a força contida em seus braços... Tudo ainda era tão vívido. Eu podia sentir seu cheiro, sua presença. Mas aquilo era perigoso. Ele era tudo o que eu devia evitar: arrogante, frio, impulsivo. E ainda assim... havia algo de quebrado nele. Algo que me puxava para perto.
Eu me odiava por pensar nele.
Naquela noite, dormi mal. No dia seguinte, minha tia Elis chegou ao meu quarto com uma expressão serena, como sempre. Seus cabelos ruivos estavam soltos sobre os ombros, e apesar de seus 45 anos, ela tinha um olhar jovem e brilhante, como quem vê o mundo com curiosidade renovada a cada dia. Me abraçou forte, e foi só isso. Silêncio e aconchego. Às vezes, era tudo o que eu precisava.
Algumas horas depois, Isabela apareceu. Minha melhor amiga desde que me mudei do Brasil para os Estados Unidos. Estava ofegante, com o cabelo preso de qualquer jeito, os olhos marejados. Largou a bolsa no chão e me abraçou como se o tempo não tivesse passado.
— “Minha ruiva teimosa... você não vai passar por isso sozinha.”
Nos sentamos no chão do quarto, ainda abraçadas, quando a porta se abriu mais uma vez. Era Benjamin. Alto, de olhos castanhos, dono de um sorriso tranquilo. Americano de nascença, nosso amigo.
Benjamin entrou com o jeitão calmo de sempre, segurando dois cafés e um pão de mel embrulhado.
— “Você precisa comer algo, Alice.” — disse, colocando tudo sobre a mesa de canto. — “O hotel vai se virar sem você por algumas horas.”
Tentei sorrir. A presença deles três me ancorava.
Naquela noite, Isabela e eu ficamos sozinhas na cobertura, olhando para Manhattan lá embaixo. A cidade parecia mais quieta. Ou talvez fosse só minha cabeça, que ainda gritava por dentro.
Ela me cutucou levemente.
— “Tá, agora fala. E o tal do David? O filho do senhor William?”
Suspirei fundo e confessei, sem rodeios:
— “Ele é... intenso. Me abraçou no cemitério como se eu fosse a última coisa que restava. E por um segundo, eu achei que ele tinha sentido algo também. Foi forte. Sabe aquela coisa que arrepia até a alma?”
Isabela me olhou, interessada, já sorrindo de canto.
— “Alice Rodrigues... você está me dizendo que esse homem mexeu com você?”
— “Mexeu.” — confessei, baixando o olhar. — “Mas eu não quero isso. Ele é arrogante. Frio. Cruel, até. Tem um olhar que congela. E ainda assim, tem alguma coisa quebrada nele que... me atrai. É como se ele gritasse socorro em silêncio. Mas eu não posso. Não vou me envolver.”
— “Você tá com medo dele?” — ela perguntou, agora séria.
— “Não. Tô com medo de mim perto dele. Medo de me jogar no escuro... de me perder em alguém que nem quer ser encontrado.”
Ela me abraçou de novo. E, no fundo, eu sabia que Isabela não acreditava nem por um segundo que eu conseguiria manter essa distância.
Nos dias seguintes, David e eu nos cruzamos algumas vezes no hotel. Sempre educados. Sempre profissionais. Mas os olhares... os olhares eram outra história. Toda vez que nossos olhos se encontravam, havia um silêncio denso, cheio de palavras não ditas. Tensão, sim. Desejo também. Mas acima de tudo, dor.
Uma semana depois, o advogado do senhor William nos convocou para a leitura do testamento. Fui com o coração apertado, sentindo que algo ali mudaria tudo.
Benjamin insistiu em me acompanhar até a porta da sala de reunião. Caminhamos juntos até a sala de reuniões do hotel. Quando entramos, David já estava lá, impecável em um terno escuro, a expressão impenetrável.
O advogado, um senhor grisalho de voz tranquila, iniciou a leitura. Pequenas doações para funcionários antigos. Doações generosas para instituições. Ações. Propriedades.
E então veio o choque.
— “Deixo o hotel Manhattan para Alice Rodrigues Oliveira, minha funcionária e filha de coração, com a condição de que continue gerindo-o com o mesmo amor e dedicação de sempre. Confio plenamente em sua capacidade.”
Senti minha garganta secar. Olhei para David. Ele permanecia estático. Sem expressão.
— “E deixo para David Miller, meu único filho, meu amor eterno e minha esperança, todo o resto das minhas propriedades e um vídeo. Nele, digo tudo o que meu coração deseja.”
O advogado nos entregou um pen drive e se retirou.
David hesitou, mas acabou conectando o dispositivo no notebook. A imagem do senhor William apareceu. Meu peito apertou de novo.
William (no vídeo):
— “Se você está vendo isso, é porque já não estou mais aí.
Alice, minha querida, obrigado por ser luz nos meus últimos anos. Você foi mais do que uma funcionária. Foi minha filha, foi minha amiga.
David... meu filho... eu te amo. Sinto muito por tudo o que deixamos de viver. Eu fui duro, sim, mas foi porque vi tanto de mim em você.
Sempre desejei que vocês dois se encontrassem. Sempre pensei que poderiam ser felizes juntos. Vocês se completam.
Se não enxergam isso agora, um dia vão enxergar. E se um dia ficarem juntos... isso seria o maior presente que poderiam me dar.”
Quando a tela escureceu, o silêncio foi sufocante. Eu olhei para David, esperando alguma reação.
David (voz fria, baixa):
— “Isso é um absurdo. Meu pai sempre teve essa mania de querer juntar as pessoas. Mas casamento? Eu jamais me casaria.”
As palavras dele me atravessaram. Duras. Gélidas.
Queria que ele dissesse: me dá um tempo. Ou mesmo: isso me confundiu. Mas não. Ele não me olhou. Nem hesitou.
Respirei fundo, segurei o choro e me levantei.
Alice:
— “Entendo. Ele só queria o melhor para nós. Isso não significa que tenhamos que seguir à risca seus desejos. Obrigada por assistir comigo, David.”
Ele assentiu. Frio. Silencioso.
Fechei a porta atrás de mim e encostei no corredor. Meus joelhos quase cederam. O coração doía mais do que eu queria admitir.
Voltei ao meu quarto, sentindo os olhos pesarem de tanto segurar lágrimas. Deitei na cama sem forças.
Lembrei do que disse à Isabela. Que não me aproximaria. Que ele era frio. Cruel.
Mas pela primeira vez, duvidei das minhas próprias palavras.
Eu não sabia o que doía mais: a perda do senhor William... ou a presença constante de David Miller nos meus pensamentos.
Mas algo dentro de mim dizia que essa história... estava apenas começando.
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Atualizado até capítulo 53
Comments
Tânia Principe Dos Santos
acredito que se irão entender. Alice não merece mais sofrimento e David tem k aprender a superar e dar uma nova oportunidade ao amor
2025-08-02
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Alvaneide Campos
Logo logo vão estar juntos!Ah!O amor é lindo ❤️ Estou amando a história!
2025-08-02
1
Gislaine Duarte
nossa ele foi bem grosseiro com ela 🙄
2025-08-03
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