No comando

Alanzin 💥

Tava difícil manter a mente no lugar. O Talibã sumido, o Silva jogando a polícia pra dentro do Alemão todo dia, e os irmão da boca querendo saber o que fazer. Tava tudo no meu colo, e eu tentava fingir tranquilidade, mas por dentro... era só guerra.

Eu sabia que ele não tava morto. Não tinha corpo, não tinha sangue o suficiente na cena, não tinha nada que convencesse quem realmente conhecia o Talibã. Só que provar isso era outra história.

Era começo da noite quando eu sentei no canto da laje da sede. O radinho chiando, o céu nublado, e eu com o pensamento no que faltava. Foi aí que o Banana subiu correndo com os olhos arregalados.

— Alanzin... cê tem que ver isso aqui.

Desci com ele até o barracão abandonado na Rua 3, o mesmo lugar onde os moleque tinham visto o Talibã pouco antes do confronto. Chegando lá, o Banana me mostrou uma mochila surrada, escondida debaixo de um tanque velho. A mochila era preta, daquelas de couro simples que o Talibã sempre usava nos corres.

— Ninguém viu isso aqui antes? — perguntei, agachado, abrindo o zíper.

— Não, mano. Isso aqui apareceu agora. Certeza que alguém trouxe depois.

Dentro da mochila, tinha uma camisa rasgada, o carregador portátil do celular do Talibã, e um pedaço de pano com sangue seco. Mas o que mais me chamou atenção foi um pedaço de papel amassado com um código que só nós entendíamos:

“Alamão no encalço"

Meu sangue gelou. Aquilo era uma mensagem. Um código antigo de guerra que significava: “Tô vivo, mas cercado. Preciso me esconder com aliado.”

Me afastei, respirei fundo, olhei pro Banana e falei:

— Vai embora. Deixa essa mochila aqui comigo. E não comenta isso com ninguém.

— Fechou, chefe. Tô no sigilo.

Assim que ele saiu, puxei o radinho do bolso. Sintonizei o canal número 7-1-1, que a gente só usava em último caso. O mesmo que o Talibã usava quando queria mandar sinal em casos mais extremos

Fiquei esperando. Por minutos que pareceram horas, só estática. Até que, às 23h47, o sinal bateu. Uma voz fraca, abafada, entrou no rádio:

— “Alemão no encalço... repito... Alemão no encalço"

Meu coração disparou. Era ele. Talibã. Vivo.

— É tu, mano? É tu mesmo?! — perguntei, segurando a respiração.

— “Sou eu, Alanzin... levei dois tiros... mas consegui fugir. Tava sangrando muito. Apaguei na entrada do beco do Limoeiro. Quem me achou foi o Jacaré, pedir ajuda dele.

Jacaré era o dono do Morro da cidade Alta. Um irmão de mil fita, parceiro antigo do Talibã, que devia mais de uma vida pra ele.

— Cê tá onde? Me fala que eu vou aí buscar tu, caralho!

— “Não, não vem. O Silva ainda tá na minha cola. Se tu for visto, a gente perde tudo. Precisei sumir pra não botar o Alemão em risco.”

— O morro tá bagunçado, mano. Os protestos esfriaram, mas o povo ainda tá sem saber se tu tá vivo ou não. Os irmão tão tentando manter tudo, mas a Rocinha tá desprotegida.

— “É por isso que tô falando contigo. Quero que tu assuma o Alemão por enquanto. Organiza as bocas, faz girar de novo. E manda o Russo voltar pra Rocinha urgente. Se o Silva descobrir que tá tudo largado lá, ele entra com o caveirão.”

— E a Helô? A mina tá sofrendo, tá orando por tu todo dia na igreja, irmão. Ela acredita que tu tá vivo.

— (silêncio)

— Não posso falar nada pra ela... não posso aparecer agora. E Alanzin... guarda esse segredo. Ninguém pode saber. Nem ela, nem o Russo. Se vazar, tudo vai por água abaixo.”

Engoli seco, o peso da responsabilidade me esmagando.

— Pode contar comigo. O morro vai tá de pé quando tu voltar. Palavra de cria.

— “Confio em tu, irmão. Fica ligeiro... qualquer coisa, frequência 7-1-1, me chama que a gente desenrola.

A transmissão cortou.

Fiquei ali no barracão, sozinho, olhando pro chão.

Ele tava vivo.

E agora, eu era o único que sabia disso.

Russo 💣

Ficar deitado era pior que levar tiro.

Eu já tava em casa tinha recebido alta ontem... Comida quente, colchão firme, a Clara cuidando de mim como se eu fosse feito de vidro... mas minha cabeça era só guerra. Tava com a perna enfaixada, o corpo quieto, mas a mente gritando. Cada minuto deitado era um minuto longe do corre, do morro, dos irmão. Longe do Talibã.

Eu não conseguia aceitar aquilo.

Não tinha caixão. Não teve enterro. Sem corpo, sem luto. Pra mim, ele ainda tava vivo em algum canto, esperando a chance certa pra voltar com sangue nos olhos.

A Clara apareceu na sala com suco de caju na bandeja.

— Tá tomando os remédio direitinho, Russo?

— Tô, clara — falei, sem paciência, ajeitando o travesseiro atrás das costas. — Mas o que eu queria mesmo era tomar um café na laje, com o rádio chiando e a mão na massa

Ela riu, mesmo sabendo que eu não tava brincando.

Foi quando bateram na porta.

A Clara olhou pra mim, surpresa.

— Cê tá esperando alguém?

— Não.

Ela abriu e deu de cara com o Alanzin, camisa preta, corrente no pescoço, cara de quem tava segurando o mundo nas costas.

— Posso trocar uma ideia com o Russo? _falou olhando pra mim

— Pode, entra aí. Ele tá azedo, mas tá vivo. _falou em fim de brincadeira

O moleque entrou e sentou no sofá em frente. Ficou uns segundos calado, só me olhando.

— Pode falar, Alanzin. Que que tu veio fazer aqui?

— Vim pedir um bagulho — ele disse, direto. — Quero que tu volte pro morro da Rocinha. Os cria de lá tão perdidos. Tão precisando de comando.

Fiquei uns segundos encarando ele. Aquilo foi um tapa na cara.

— E o Talibã?

Ele abaixou os olhos. Respirou fundo.

— Já procurei em tudo quanto é canto, Russo. Já entrei em viela, barraco, beco, barracão, perguntei pra informante, sondamos rádio, até a polícia. Não tem rastro. Não tem pista. Nada. A real... é que ele deve ter ido de ralo.

— Cala essa porra dessa boca — falei alto, me endireitando mesmo com a dor na perna.

— Russo...

— Cala a boca, Alanzin! Tu sabe que o Talibã não ia cair fácil assim! Tu conhece ele! Se ele tivesse morrido, a favela ia saber, Tu vem aqui me pedir pra abandonar a busca e ir brincar de dono de morro enquanto o nosso amigo pode tá respirando em algum canto?

— Não é isso, porra — ele respondeu, voz embargada. — Só tô tentando manter o que sobrou em pé. Alguém tem que cuidar da Rocinha, e tu sempre foi o cara pra isso.

— Não me fode. Cê já desistiu dele, é isso?

— Eu tô tentando manter a tropa viva, caralho!

O clima pesou.

A Clara entrou na sala de novo, ficou parada na porta olhando a gente de testa franzida. O silêncio engoliu tudo por uns segundos.

Levantei um pouco da poltrona, mesmo sentindo a fisgada na perna.

— Se tu acha que ele morreu, beleza. Mas eu não vou viver como se fosse verdade. Enquanto não tiver corpo, ele vive. Pra mim, vive. E se tu não entende isso... então vaza.

O Alanzin ficou de pé devagar, com aquele olhar misturado de raiva e frustração.

— Não vim aqui pra brigar contigo, Russo. Vim por respeito. Tu sabe que eu não sou fraco. Mas se tu quer bancar o coração partido e fingir que o mundo parou, é contigo.

— Sai fora, então.

Ele me olhou por mais dois segundos... depois virou e saiu.

A porta bateu.

A Clara me olhou, cruzou os braços.

— Tu precisava gritar desse jeito?

— Ele precisava ouvir.

Ela balançou a cabeça e veio ajeitar meu travesseiro, e me dar o suco

Mas nem toquei o suco. Fiquei ali parado, olhando pro teto, pensando no Talibã.

Se ele tiver vivo... ele vai voltar. E se tiver morto, eu vou descobrir quem foi.

Palavra do Russo.

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Comments

Leneborges_

Leneborges_

Coitado do Alanzin não pode conta pra ele que Talibã está vivo.... Russo também tem q pensar na Rocinha que está sem ele lá e a comunidade ficar a mercê da polícia invadir....

2025-08-01

1

Mary Regi

Mary Regi

agora ta ficando muito bom e fiquei animada com. a volta do talibã

2025-08-01

1

Leitora compulsiva

Leitora compulsiva

o talibã deveria entrar em contato com o russo tbm

2025-08-15

0

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