Bassam Shadid.

Não era um sorriso largo. Nem tímido. Era contido, mas inteiro. Como se ela não estivesse tentando causar uma boa impressão, apenas sendo honesta. A curva de seus lábios delicados trouxe calor a um ambiente onde até o vinho parecia frio demais. E sem dizer palavra alguma, ela moveu as mãos. Gestos lentos, suaves, graciosos. As pontas dos dedos dançaram no ar entre nós, traçando um caminho que eu não compreendia, mas que me atingiu com uma precisão desconcertante. Como se sua linguagem silenciosa tivesse encontrado uma brecha na minha couraça, e por ali entrasse — não com violência, mas com verdade.

A madrasta, com um sorriso afetuoso, fez a ponte.

— Ela disse: “É uma honra conhecê-lo. Espero que a noite lhe seja agradável.” — Fez uma pausa breve e acrescentou, com os olhos iluminados: — Alina não fala com palavras, mas tudo nela comunica. Desde pequena aprendeu a escutar mais do que a falar. E, talvez por isso, entende mais do que qualquer um de nós.

Eu poderia ter respondido com uma formalidade qualquer. Um gesto com a cabeça. Um murmúrio educado. Mas algo em mim se recusava a ser superficial. Olhei para Alina como nunca olhei para ninguém ali. Não como um homem examina uma futura aliada ou ameaça. Mas como um homem examina aquilo que não compreende, e por isso mesmo, deseja. Deseja entender. Dominar. Sentir.

— A honra é minha — disse em voz baixa, com o tom grave e limpo. — É raro encontrar alguém cuja presença fala mais do que palavras.

Ela piscou uma vez, e mesmo sem emitir som algum, pude jurar que havia riso no fundo dos seus olhos. Não deboche. Não flerte. Apenas um pequeno fascínio mudo, que soou mais sincero que qualquer declaração. Suas mãos responderam outra vez, com a mesma delicadeza controlada.

— “Obrigado”, — traduziu a madrasta. — Ela diz que gostou da sua voz. Que combina com você.

Isso me pegou de um jeito que não admiti nem a mim mesmo. Eu não estava preparado para isso. Para ser visto por alguém que não conhecia o meu nome pelos jornais, que não havia decorado minha ficha criminal, que não media minha reputação com medo ou reverência. Alina me olhava como se eu fosse um homem, e não um monstro.

A filha que ninguém mencionara nos brindes. A presença que nenhum anfitrião destacara nos discursos. Alina, silenciosa e inteira, havia subvertido tudo. Em poucos segundos, ela havia se tornado o ponto mais perigoso daquela sala — porque não me temia, não me bajulava, e nem sequer tentava me agradar.

E era exatamente por isso que eu queria saber mais.

O jantar continuava, com seus rituais refinados e falsamente amenos, como uma ópera silenciosa onde cada gesto era regido por interesses velados. Conversas se cruzavam à minha frente como lâminas bem polidas, afiadas, mas cuidadosamente guardadas em bainhas de veludo. Eu escutava, claro. Cumpria com precisão a função de anfitrião silencioso e atento, como um general disfarçado de cavalheiro. Mas minha atenção não estava nas palavras lançadas ao redor da mesa — estava nela. Alina. Sua presença preenchia os espaços entre a fala e o silêncio, entre o que é dito e o que permanece oculto. Eu não a observava de forma invasiva, mas meu olhar se atraía naturalmente para onde ela estivesse. Não havia necessidade de qualquer esforço. Ela era, simplesmente, o ponto fixo em um salão que girava em vaidade.

Foi durante a troca de pratos, entre um gole de vinho e outro, que Haydar falou. Sua voz era firme, como a de um homem que domina a sala sem erguer o tom. Seu olhar pousou sobre Alina por um instante, e então varreu a mesa com aquela serenidade própria dos que têm orgulho real do que possuem.

— Sempre disse que fui abençoado com duas joias raras — ele começou, com um sorriso leve. — Alina e Yasmin. Tão diferentes, mas igualmente brilhantes à sua maneira. Yasmin sempre teve uma mente afiada, lógica, direta. Consegue ler uma sala como poucos, adaptar-se a qualquer ambiente com uma inteligência social que poucos possuem. Fluente em quatro idiomas, estratégias políticas são como xadrez para ela. Sempre dois lances à frente.

Yasmin sorriu com modéstia, mas sem falsa humildade. Sabia que era tudo isso e mais. Não se envergonhava de ser competente, nem fazia questão de parecer menos. Ainda assim, quando o pai virou o olhar para Alina, ela própria o acompanhou com um brilho afetuoso no olhar. Não havia competição ali. Apenas contraste.

— Já Alina... — Haydar prosseguiu. — É silêncio e intensidade. Desde pequena mostrou sinais que nos desafiaram, é verdade. Diagnosticada com autismo de nível 1, mais especificamente com o antigo termo ‘Síndrome de Asperger’. Mas nunca encaramos como limitação. Ela é o tipo de mente que vê o mundo em camadas que nós não alcançamos. E quando achamos que ela estava distante, ela apenas estava observando tudo de forma mais profunda do que imaginávamos.

Ele então fez uma pausa breve, apenas o tempo de dar espaço ao peso das palavras. O salão, por um momento, suavizou seus ruídos. Havia algo magnético naquela revelação.

— Aprendeu Libras sozinha, com quatro anos. Decifrou partituras antes mesmo de entender números. Compõe, pinta, memoriza padrões com uma velocidade absurda. A memória de Alina é quase fotográfica, mas é a sensibilidade dela que impressiona. Consegue notar mudanças de humor em alguém apenas pelos gestos. E quando se entrega a um hiperfoco... é como se o resto do mundo deixasse de existir.

Yasmin assentiu, sorrindo com ternura.

— Ela não precisa de muitas palavras — completou com um tom fraterno. — Quando ela pinta, por exemplo, é como se dissesse o que nenhum de nós conseguiria. Eu sempre admirei isso nela.

Alina olhou de lado para a irmã e fez um gesto curto em Libras, respondido com um sorriso. Era discreto, quase imperceptível, mas havia um laço ali, construído não pela semelhança, mas pelo respeito. Duas mulheres de inteligência incomum, moldadas por forças diferentes. Yasmin era feita de fogo contido, de cálculo e ambição. Alina era feita de brisa, de luz difusa e profundezas. Ambas, no entanto, sabiam exatamente quem eram. E talvez por isso não precisassem competir.

Eu observei tudo em silêncio, sem deixar transparecer o que me atravessava. Cada traço, cada gesto, cada minúscula reação de Alina me dizia mais do que qualquer conversa. Sua beleza era natural, crua, sem adornos desnecessários. Nenhuma joia exagerada, nenhuma maquiagem que escondesse seus traços — tudo nela parecia verdadeiro. Não havia máscaras. E isso, num mundo onde todos se vestem com disfarces, era o que mais me chamava atenção. Aquela jovem mulher sentada diante de mim, em silêncio, de olhar curioso e sorriso gentil, irradiava uma espécie de paz que não combinava com a escuridão onde eu estava acostumado a reinar.

E enquanto o jantar seguia, com mais brindes, mais cortesias, mais negócios implícitos sob cada prato servido, eu percebi que já havia começado a decifrar o novo jogo que se armava. E o ponto de partida não estava na promessa de alianças comerciais ou políticas. Estava ali, no jeito como Alina tocava o mundo em silêncio... e, sem querer, começava a tocar o meu.

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Comments

Carla Santos

Carla Santos

Aline combina com ele em tudo eita porra como será essa decisão que ele tomará agora em diante

2025-08-06

0

Erlete Rodrigues

Erlete Rodrigues

muito interessante eu quero ver o que ele vai fazer agora

2025-08-05

0

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