O salão estava cheio de vozes que soavam como ruído branco aos meus ouvidos. Conversas vazias, cumprimentos treinados, taças tilintando como sinos anunciando o teatro do poder. A atmosfera era a mesma de sempre — um circo disfarçado de diplomacia, onde homens fingem cortesia enquanto calculam traições. Eu já havia escaneado todos os rostos importantes, mapeado alianças ocultas por trás dos acenos e dos brindes.
Yasmin, minha suposta futura noiva, se portava como era esperado: bela, artificialmente polida, com cada sorriso milimetricamente moldado para agradar. Ela cumpria bem o papel que lhe foi atribuído, mas não despertava em mim qualquer interesse além do político. Seu pai, por outro lado, representava uma peça valiosa no tabuleiro — por isso eu estava ali. Por isso aceitara aquele jantar. Alianças são seladas não com anéis, mas com sangue, e eu precisava garantir que essa união fosse vantajosa até o último fio de poder.
A madrasta da família, sentada ao lado do patriarca, era uma mulher perspicaz. Observadora, discreta, com a elegância de quem sabe seu lugar e, mais importante, como usá-lo. Ela fazia comentários suaves ao ouvido do marido, ria com modéstia, media os gestos. Estava ali como apoio e escudo. Os dois me olhavam com respeito. Yasmin fazia questão de tocar meu braço em intervalos que me lembravam o quanto ela queria parecer íntima de mim. Eu deixava. Era parte do jogo. Mas então, algo mudou.
A conversa perdeu força ao redor da mesa, como se o ar tivesse sido lentamente drenado do ambiente. Não foi algo dito, mas algo sentido. Um silêncio estranho pairou por segundos que pareceram longos demais. Meus sentidos, acostumados a detectar rupturas sutis, se aguçaram. Me virei com a naturalidade de um predador que fareja algo fora do lugar — e vi.
Ela.
Solitária, cruzava o salão com passos calmos, sem hesitação, sem pressa, sem medo. A luz suave do ambiente tocava sua pele clara como se a revelasse em outra frequência. Vestia-se com uma simplicidade que desafiava todas as outras mulheres ali presentes. Não havia joias pendendo de seu pescoço. Não havia maquiagem pesada moldando seu rosto. Nada nela gritava por atenção, e ainda assim, ela era o epicentro de tudo. Cada olhar, voluntário ou não, se voltava para ela. Mas ela não buscava esses olhares. Não parecia notá-los. Seus olhos — límpidos, intensos e sem urgência — não desviavam para lugar algum, como se vissem através das camadas do mundo, como se o peso daquela ocasião não a afetasse da maneira como afetaria qualquer outro ser humano.
Sua beleza não era ensaiada. Era natural, crua, desconcertante. Mas o que me atingiu não foi apenas isso. Foi o silêncio. Ela não falava. Ela não sorria. Ela apenas… existia. Com firmeza. Com presença. Com uma pureza que soava como profanação dentro daquele ambiente disfarçado de elegância. Quando se aproximou da mesa, o pai se levantou antes mesmo que ela parasse ao lado dele. E o modo como ele a olhou — com ternura real, com orgulho, com a reverência de quem segura algo que a vida raramente permite manter — foi a primeira coisa naquela noite que me tirou do eixo. Ele tocou sua mão como se o mundo ao redor não importasse, como se ela fosse um tesouro precioso demais para ser tocado por qualquer outra pessoa ali. A madrasta também se levantou, seu rosto suavizado por um sorriso que não era social, mas genuíno. E quando ajeitou um fio solto de cabelo da jovem atrás da orelha, o gesto, simples e afetuoso, dizia mais do que mil discursos de lealdade.
Foi então que vi a madrasta inclinar-se em sua direção e murmurar algo em seu ouvido. Alina não reagiu com palavras. Seus olhos piscaram com leveza, e, num gesto sereno, ergueu as mãos e respondeu em Libras. Seus dedos se moveram com fluidez, como se dançassem no ar — e aquela resposta silenciosa, carregada de significado, caiu sobre mim como uma lâmina oculta. Ela compreendia tudo, ouvia tudo, mas não falava. Era muda, não surda. E isso, por algum motivo, acendeu em mim uma faísca sórdida, um interesse que não nascia da compaixão, mas da fascinação que só os homens perigosos sentem quando se deparam com algo tão raro, tão fora do padrão, que não pode ser decifrado pelos códigos comuns.
O pai e a madrasta sorriram com naturalidade, acostumados àquela forma de comunicação que para mim era, até então, insólita. Mas não para ela. Para Alina, o silêncio não era ausência — era linguagem. E eu compreendi, naquele exato momento, que aquela mulher era o oposto do mundo que eu conhecia. Não fazia parte do teatro. Não era uma peça no jogo. Era algo fora dele. E exatamente por isso, se tornava a ameaça mais perigosa. Porque não podia ser manipulada pelas regras que eu conhecia. Não sorriu para mim. Não tentou se mostrar. Não se moldou para agradar. E por algum motivo que eu ainda não compreendia, aquilo acendeu dentro de mim um desconforto primitivo — não de medo, mas de alerta. Como se meu corpo, antes mesmo da mente, já reconhecesse que havia algo ali que fugia do controle.
Observei cada mínimo detalhe: o modo como ela acomodou as mãos no colo ao se sentar, como mantinha os olhos fixos em algum ponto do centro da mesa sem dispersar, como parecia ouvir sem reagir da forma esperada. E, mais do que isso, o modo como o pai e a madrasta não tentavam forçá-la a se encaixar. Eles a aceitavam. Eles a protegiam. Não havia vergonha ou constrangimento naquela dinâmica. Apenas cuidado. Apenas amor. E foi isso que me desequilibrou mais do que sua beleza ou seu silêncio: o fato de que ela era cuidada. Amada. Sem precisar dizer uma palavra sequer.
O mundo inteiro pareceu esvaziar-se por um instante. Eu, Bassam Shadid, o homem que fazia os poderosos se curvarem, que enterrava traidores com um sorriso e comandava um império de sombras, me vi ali — calado. Observando uma mulher muda que não precisava falar nada para desordenar meu eixo.
Eu não sabia o que ela representava. Mas sabia, com certeza, que não fazia parte dos planos. E tudo que não é previsto por mim… me fascina. Porque não existe nada mais perigoso para um homem como eu do que algo que não pode ser dominado.
O pai dela fez menção de se levantar outra vez, puxando levemente a cadeira ao lado de Alina, como se a simples presença dela justificasse uma nova reverência silenciosa ao ambiente. Seu gesto foi interrompido pela própria madrasta, que se adiantou com um brilho orgulhoso nos olhos, pousando a mão no ombro da jovem com um carinho sutil, quase ritualístico.
— Bassam... — ela começou, com a voz suave, cuidadosa, como quem está apresentando algo sagrado. — Esta é Alina. Minha enteada. Filha de Haydar... — seus olhos deslizaram até o marido, que assentiu em silêncio, com um orgulho mudo — ...e uma das criaturas mais preciosas que este mundo já teve a graça de conhecer.
Alina me olhou então. Direto. Sem desviar. Seus olhos eram grandes, límpidos, com uma profundidade que não vinha da dor ou da experiência — mas da percepção. Ela não carregava o peso do mundo, como eu. Carregava algo mais raro: uma consciência delicada, limpa de artifícios. Havia um brilho ali que desafiava a sujeira onde eu me movia. Um brilho que não deveria me interessar, e ainda assim, me desarmava como nenhuma arma jamais o fizera.
Ela me examinou, não como os outros faziam — com medo, com bajulação, com desconfiança —, mas com atenção genuína. Como se quisesse entender. E então sorriu.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 34
Comments
Carla Santos
Esse já está abatido kkkkkkkk foi amor a primeira vista
2025-08-06
0
Erlete Rodrigues
mafioso caído com sucesso só de ver já se apaixonou
2025-08-05
0