Conflitos iniciais na convivência

Capítulo 5: Conflitos iniciais na convivência

“O amor não nasce do conforto. Ele floresce entre o atrito e a surpresa.” — Diário de Eloise Montrose

A ideia de uma dama residir na casa do noivo antes do casamento era, no mínimo, incomum. Para alguns, escandalosa. Para outros, um ultraje.

Para Lady Eloise Montrose, era uma experiência sociológica fascinante.

— “Você está louca?” — dissera Cressida, sua irmã, com os olhos esbugalhados. — “Morar na casa do duque antes do casamento? A mamãe vai ter um ataque!”

— Mamãe já teve sete ataques esta semana — respondeu Eloise. — Oito, se contarmos o momento em que escolhi flores silvestres em vez de lírios franceses.

Na verdade, o convite para a estadia partira de Alexander — um gesto pragmático, segundo ele. Um meio de alinhar detalhes da cerimônia, rever contratos, escolher decorações e — nas palavras mais cuidadosamente entalhadas — acostumar-se à futura rotina conjugal.

Eloise aceitou, mas com condições:

Ela teria seus próprios aposentos.

Sua estufa particular seria entregue antes da mudança definitiva.

E teria acesso livre à biblioteca, ao jardim, e a todo e qualquer cômodo que não fosse explicitamente usado para tramas políticas ou armazenamento de cadáveres.

Alexander não respondeu a esse último item. O que, para Eloise, foi uma permissão silenciosa.

---

A carruagem atravessou os portões de ferro forjado da residência dos Cavendish ao meio-dia. O céu de Londres estava cinzento, o que, para Eloise, combinava perfeitamente com o humor de seu futuro marido.

— Estamos em solo inimigo — murmurou ela para a dama de companhia, Annie, uma moça risonha e dedicada que parecia sempre no lugar errado nas horas certas.

— A senhora quer dizer... a nova casa?

— Quero dizer que cada porta aqui parece julgar minha existência. Mas sim, a casa.

Ao descer, Eloise foi recebida por Mrs. Hargrove, a governanta. Uma mulher tão reta quanto um esquadro e com expressão de quem desaprova qualquer coisa que envolva criatividade, ousadia ou cor.

— Lady Eloise — disse a mulher, curvando-se levemente. — Seu quarto está preparado. E o Duque pediu que fosse levada à biblioteca assim que se instalasse.

— Ah, a biblioteca. Começamos bem.

O quarto que lhe foi designado era grande, com janelas altas, cortinas grossas e uma cama de dossel com cortinas de veludo azul-acinzentado. A decoração era bonita, mas excessivamente sóbria. Tudo parecia dizer “não toque”.

Eloise, naturalmente, tocou em tudo.

Fez questão de tirar os arranjos florais — “parecem funerários” — e substituí-los por um pequeno vaso com violetas trazido de casa. Empilhou alguns livros de botânica na mesinha de cabeceira e ordenou que Annie trouxesse sua caixa de sementes e uma muda de lírio-do-brejo que precisava de sol pleno.

— Se for para viver com um duque, que seja com dignidade — comentou, tirando os sapatos.

---

Duas horas depois, ela estava na biblioteca. E era, como esperava, magnífica.

Com estantes que iam do chão ao teto, escadas móveis de madeira escura, mapas antigos, luminárias de bronze e um aroma inconfundível de couro envelhecido e conhecimento acumulado, o espaço parecia feito para ela.

Exceto pelo fato de que Alexander já estava ali, sentado em uma poltrona, lendo como se o mundo exterior não existisse.

— Interrompo sua contemplação silenciosa do universo masculino e metódico? — disse ela ao entrar.

Ele ergueu os olhos devagar, mas não sorriu.

— Está pontual. Estou impressionado.

— Só porque me atraso para bailes não significa que sou negligente com compromissos sérios.

— Como casamentos?

— Como bibliotecas.

Ele se levantou e indicou uma poltrona.

— Vamos falar dos detalhes. Sua mãe e minha irmã nos enviaram uma lista com duzentas e trinta e quatro sugestões para o casamento. Temos que cortar pelo menos duzentas.

— Concordo. Comecemos pelas paletas de cores. Não me casarei cercada por rosa bebê.

— Odeio rosa bebê.

— Veja, já temos algo em comum.

Eles passaram a próxima hora debatendo decoração, o local da cerimônia — uma propriedade rural em Kent, que pertencia aos Cavendish — e a lista de convidados. Concordaram em cortar metade dos políticos e todos os barões que colecionavam escândalos judiciais.

Mas então vieram os conflitos reais.

— Sobre a música — disse Alexander, anotando algo. — Eu pensei em um quarteto de cordas. Discreto.

— E eu pensei em um grupo de câmara com flautas e harpas. Encantador.

— Harpas?

— Sim. Instrumento de ninfas. E eu me considero uma delas em noites inspiradas.

Ele piscou lentamente.

— Não há ninfas em Thornewood.

— Há agora.

Outro item da lista: o voto.

— Nada de juras poéticas — disse Alexander. — Prefiro que seja breve. Claro. Racional.

— Racional? — Eloise quase engasgou. — Um voto de casamento não é um contrato bancário. Precisa de emoção. Promessas. Literatura!

— Emoção é frágil. Juramentos públicos são fortes.

— Que romântico. Mal posso esperar por nossos votos apaixonados: “prometo não invadir sua biblioteca nem comer a última fatia de torta.”

Alexander finalmente sorriu. Um sorriso rápido, quase imperceptível — mas real.

— Promessa aceita — disse ele.

---

No fim do dia, Eloise voltou ao quarto cansada, frustrada e... estranhamente satisfeita.

Ela e Alexander haviam discordado de quase tudo — mas sem gritos, sem explosões. Apenas argumentos afiados, provocativos, intensos. E isso, para ela, era quase sedutor.

Ela estava tirando os grampos do cabelo quando alguém bateu à porta.

Era Alexander.

Ela prendeu a respiração por um instante, surpresa.

— Vossa Graça?

— Vim devolver isso. — Ele estendeu um livro. — Pegou por engano. Um tratado sobre a reprodução das briófitas.

— Ah, sim. Confundi com o meu.

— Claro que confundiu.

Silêncio.

— Sabe — disse ele, encarando o corredor —, esta convivência temporária é mais... estimulante do que eu esperava.

— E desgastante — completou ela, sorrindo.

— Mas ainda assim, melhor que o silêncio absoluto.

— A convivência é uma dança — disse ela, pegando o livro. — E estamos apenas aprendendo os primeiros passos.

Alexander hesitou.

— Boa noite, Lady Eloise.

— Boa noite, Vossa Graça.

Ela fechou a porta devagar e encostou-se nela, com o livro apertado contra o peito.

Sim, havia tensão. Havia conflito. Mas no meio de tudo isso, começava a haver algo mais: curiosidade. Interesse. Possibilidade.

E para Eloise Montrose, isso era o início de algo perigoso... e talvez maravilhoso.

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C S Rio

C S Rio

Não queria parar de ler.

2025-07-27

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