A noite caiu pesada sobre a mansão, e com ela, um silêncio ainda mais espesso do que durante o dia. Os funcionários haviam encerrado suas tarefas. A cozinha estava limpa, os lustres apagados e os tapetes alinhados. Cada canto brilhava, como exigido.
Luna se deitou em sua cama com o corpo exausto, os braços doendo após tantas horas esfregando chão e polindo móveis. Ainda não tinha se acostumado com o ritmo da casa mas não reclamava.
Ao contrário, sentia-se… viva.
Cansada, sim. Mas viva.
Na cabeceira, repousava a única foto que trouxe do Brasil: ela, aos 12 anos, ao lado de sua mãe, Joana. Um sorriso de duas mulheres que sabiam pouco sobre o que era descanso, mas muito sobre o que era lutar.
Joana fora a força, o alicerce, a mão que ensinou que dignidade não vinha do quanto se tinha, mas do quanto se era fiel a si mesma.
Luna fechou os olhos com a imagem da mãe ainda viva na mente, mas o sono não veio de imediato. Talvez por causa do novo ambiente. Talvez por causa da sensação de que alguém a observava… mesmo sem estar ali.
Quase meia-noite.
A sede venceu.
Luna levantou devagar, pegou um casaco e saiu de seu quarto, os passos leves sobre o piso frio dos fundos da casa. Conhecia bem o caminho até a cozinha, e não precisaria acender nenhuma luz.
A mansão à noite parecia ainda maior. Os quadros nas paredes pareciam observá-la, os móveis pareciam sussurrar segredos.
Ela alcançou a cozinha, pegou um copo e encheu de água. Bebeu lentamente, sentindo o líquido gelado aliviar o calor que subia por dentro. Só então percebeu que não estava sozinha.
— Costuma andar pela casa à noite?
A voz masculina soou baixa e rouca atrás dela, mas ainda assim, fez sua espinha se arrepiar.
Luna virou-se devagar.
Bernardo estava encostado no batente da porta, de braços cruzados. Usava apenas uma calça de pijama cinza, sem camisa. O cabelo levemente bagunçado e o peito exposto revelavam músculos bem definidos e cicatrizes discretas.
Ela engoliu seco.
— Sede. Não imaginei que alguém mais estaria acordado.
— Essa casa quase nunca dorme. Eu, muito menos.
Ele deu alguns passos para dentro, e Luna se afastou instintivamente, sem saber por quê.
— Algum problema com o trabalho? — ele perguntou, parando a poucos metros dela.
— Nenhum. Estou me adaptando.
— Rápido demais. A maioria dos novos erra nos primeiros dias.
Ela sustentou o olhar dele, mesmo sentindo o ar rarefeito entre os dois.
— Eu não posso me dar ao luxo de errar.
Bernardo a analisou com aquele olhar que parecia atravessar camadas. Como se tentasse entender o que havia por trás da calma dela. Do tom firme. Da boca que dizia pouco, mas dizia o suficiente.
— Por que está aqui, Santiago?
— Por que o senhor me contratou?
— Não. Por que aqui. Por que essa cidade, essa vida?
Ela hesitou. Por um instante, pensou em mentir. Mas havia algo na vulnerabilidade silenciosa daquela hora que a fez baixar um pouco a guarda.
— Porque eu precisava recomeçar. Longe de tudo o que me quebrava. E porque minha mãe me ensinou que dignidade a gente carrega na mala, não importa onde esteja.
Ele ficou em silêncio. Era raro alguém mencionar família perto dele. Raro ouvir algo com verdade nos olhos.
— E o que você fazia antes? — perguntou, mais baixo.
— Tentava sobreviver. Com mais coragem do que dinheiro.
Um silêncio se instalou entre os dois. Não era constrangedor. Era… denso. Intenso. Como se ambos se reconhecessem ali, naquela madrugada silenciosa e crua, onde ninguém estava fingindo.
Bernardo se aproximou mais um passo. Ela não recuou.
— Você me intriga, Santiago.
— Isso não soa como um elogio.
— Não é. Mas também não é uma crítica.
Ela sorriu de canto. E foi aí que ele notou pela primeira vez o brilho verdadeiro nos olhos dela. Não era só beleza. Era algo mais.
Algo que ele não conseguia nomear. E detestava não entender.
— Volte pro quarto. Funcionários devem descansar para render no dia seguinte.
Ela assentiu e passou por ele com calma, o ombro quase roçando no dele. Sentiu o calor da pele dele a milímetros da sua. E soube sem que precisasse olhar pra trás que ele também havia sentido.
Na porta, ela parou e virou o rosto de leve.
— Boa noite, senhor Vilela.
— Bernardo.
Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa.
Ele a fitou, ainda parado no meio da cozinha.
— Pode me chamar de Bernardo… quando não tiver ninguém por perto.
Luna apenas sorriu.
E desapareceu pelo corredor.
Mas naquela noite, nem ela, nem ele, dormiram bem.
E pela primeira vez, o silêncio da mansão… parecia cheio demais.
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Atualizado até capítulo 45
Comments
Sônia Ribeiro
👏👏👏👏 já tá deixando o patrão apaixonado 🤣🤣♥️♥️👏👏👏👏👏
2025-07-26
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