O sol ainda bocejava atrás das nuvens quando Luna foi despertada por três batidas secas na porta do pequeno quarto dos fundos.
— São cinco e meia. Madeleine quer você pronta em dez minutos — disse uma voz masculina.
Ela sentou-se na cama estreita, ainda com os olhos pesados de sono. O colchão era duro, o cobertor fino, mas ela não reclamaria. Não podia.
Vestiu o uniforme preto com o avental branco que Madeleine havia deixado na noite anterior. Prendeu os cabelos em um coque simples e calçou os sapatos confortáveis. Quando se olhou no espelho redondo preso à parede, viu uma versão de si mesma que ainda estava se ajustando a esse novo mundo.
Descendo as escadas dos fundos, chegou até a cozinha principal, onde já havia movimento. O cheirinho de café fresco se misturava ao som de panelas sendo organizadas.
— Luna, certo? — disse uma mulher mais velha, de olhos vivos e rosto redondo. — Sou Tereza, a cozinheira da casa. Bem-vinda ao hospício.
Luna riu, mesmo sem saber se era brincadeira ou aviso.
— Obrigada. Prazer em conhecê-la.
— Vai precisar mais de força do que de sorte por aqui, menina.
Enquanto isso, Madeleine surgiu como uma sombra silenciosa, os braços cruzados e os olhos afiados.
— A cozinha não é o seu setor, Santiago. Você é responsável pelo primeiro andar. Salas, hall principal, banheiro de visitas, academia e a biblioteca. Quero tudo impecável antes das oito. O Sr. Vilela desce às nove em ponto. E não tolere erros. Entendido?
— Sim, senhora.
Madeleine se afastou sem esperar resposta. Tereza apenas ergueu as sobrancelhas como quem dizia coragem e voltou a cortar frutas com a precisão de quem já viu muitos começos… e muitos finais.
Luna começou o trabalho em silêncio, com a firmeza que o nervosismo tentava sabotar. Cada superfície que limpava, cada móvel que organizava, era um esforço para se manter invisível. E eficiente.
A mansão parecia ainda maior por dentro. Havia uma grandiosidade que a fazia sentir pequena, mas também determinada. Ela não estava ali para se encantar. Estava para lutar por sua sobrevivência, como sempre fizera.
Enquanto polia a mesa da biblioteca, pensou em sua mãe.
Dona Joana havia sido empregada doméstica por trinta anos no Brasil. Morreu cedo, de um câncer silencioso, e Luna prometeu a si mesma que honraria o legado dela. Não com lamento, mas com dignidade.
“Eu só não quero morrer no mesmo lugar onde nasci sem tentar mudar a história”, ela dizia, nos dias em que faltava arroz, mas sobrava esperança.
Foi com essa força que atravessou oceanos, enfrentou a saudade e chegou até ali.
— Você é a nova? — uma voz masculina perguntou atrás dela.
Luna se virou. Um rapaz de sorriso fácil, uniforme preto e avental, segurava um aspirador desligado.
— Sou, sim. Luna.
— Diego. Faço manutenção e apoio aqui no primeiro andar. Se precisar de ajuda com os equipamentos, é só chamar. Mas só isso, tá? Madeleine é ciumenta.
Ela sorriu. Era bom ver um rosto leve em meio à rigidez da mansão.
— Obrigada, Diego. Eu me viro bem, mas aviso se algo travar.
— Bom saber. O pessoal daqui demora pra confiar, mas você me parece… diferente.
— Diferente como?
— Como alguém que sabe mais do que mostra.
Ela riu, surpresa. E antes que pudesse responder, ouviu passos firmes no corredor.
Os dois se viraram ao mesmo tempo.
Bernardo.
O CEO descia as escadas com uma presença que fazia o ar parecer mais denso. Usava calça social cinza escura e camisa branca dobrada até os antebraços. Os cabelos estavam ligeiramente bagunçados, como se recém-saído do banho.
Luna baixou os olhos rapidamente, voltando à limpeza da mesa. Mas sentia. Sentia o olhar dele cravado nela.
Bernardo passou devagar, sem dizer palavra. Diego ficou estático, como se congelado.
— Ele é assim sempre? — Luna perguntou, baixinho, depois que ele sumiu no corredor.
— Pior. Hoje até que tá calmo — respondeu Diego. — Dizem que ele já mandou três funcionários embora só por ouvirem música.
— E ninguém questiona?
— Quem vai? Ele paga bem. E tem olhos em todo lugar. A casa parece ter câmeras invisíveis.
Luna respirou fundo. Ela não tinha vindo até ali para medir forças com ninguém, mas não abaixaria a cabeça por qualquer um nem por um CEO mal-humorado.
Mais tarde, enquanto limpava o chão da academia, ouviu a porta se abrir.
Bernardo.
De novo.
Agora vestia uma regata preta e uma bermuda de treino. Os braços fortes, veias marcadas, expressão focada. Ela desviou o olhar rápido, mas não conseguiu evitar o calor que subiu pelo rosto.
Ele não disse nada. Pegou os halteres e começou a série de exercícios, como se ela não estivesse ali. Ou talvez… exatamente porque ela estava.
A cada movimento dele, Luna sentia seu autocontrole ser testado.
O que você está fazendo, mulher? Concentra!
Terminou de passar pano no último canto e foi sair da sala, mas ouviu a voz dele firme, sem olhar para ela:
— Você está fazendo um bom trabalho.
Ela parou.
Virou-se devagar, surpresa.
— Obrigada, senhor Vilela.
Ele apenas assentiu. Sem sorrisos. Sem emoção.
Mas Luna sabia reconhecer um elogio velado quando via um.
E por mais que tentasse não se afetar… o coração dela bateu diferente.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 45
Comments