Relâmpago Imortal

Relâmpago Imortal

1 - A Noite em que Tudo Quebrou

Capítulo 1 - A Noite em que Tudo Quebrou

Nova Brisa era uma cidade média, esquecida entre o litoral e o interior, onde os dias passavam lentos e as noites pareciam ainda mais longas. Sem grandes atrativos, era um daqueles lugares onde nada realmente acontecia - e talvez por isso mesmo, tudo estivesse prestes a acontecer.

Harry segurava a vassoura com uma das mãos e o celular com a outra. O tédio era tão sufocante quanto as luzes brancas do letreiro da loja 24 horas em que ele trabalhava, em um bairro qualquer da cidade. Era sexta-feira, 03h47 da madrugada, e como sempre, os únicos clientes eram bêbados, solitários e delinquentes.

Ele era alto e magro, com os cabelos caindo nos olhos, escondendo seu olhar tímido. Apesar disso, havia uma centelha de esperança ali, de que algo um dia mudaria. Era o típico nerd que passava o dia assistindo animes, lendo novels chinesas e... estudando? Não. Ele se intitulava o "nerd burro" - mas apenas em seus pensamentos.

O barulho da porta automática o tirou da imersão.

- Droga... São eles de novo - pensou Harry, vendo os três jovens de jaquetas largas e tatuagens entrarem rindo alto.

Os mesmos de sempre. Os mesmos que levavam refrigerante, salgadinhos, cigarros e, às vezes, dinheiro - tudo na cara dura.

- Olha só, o guardinha de loja de novo - zombou o líder deles, Alexander, batendo na bancada com a mão suja de sangue seco. - Você ainda tá aí, fracassado?

Os dois capangas deram risada do infortúnio de Harry, sempre atrás de Alexander como dois carrapatos.

Harry fingiu que não ouviu. Apertou os lábios e tentou se afastar devagar até a porta dos fundos.

Mas como sempre... não foi rápido o suficiente.

O primeiro soco veio de lado. Depois outro. E outro. Harry tentou revidar, com um soco desajeitado que mal acertou o ombro de Alexander, mas isso só fez a surra piorar. Os três caíram sobre ele como hienas famintas, rindo e zombando enquanto chutavam e batiam sem piedade.

Lá de cima, no alto de um prédio próximo, uma figura observava. Um homem jovem, de vestes estranhas, permanecia imóvel na borda do telhado. Seus olhos brilharam por um instante ao ver o conflito abaixo. Ele tossiu discretamente, sangue escapando de seus lábios, e então desapareceu entre as nuvens como se nunca tivesse estado ali.

Quando tudo terminou, Harry estava jogado no beco lateral, com o uniforme rasgado e o orgulho em frangalhos. No silêncio da madrugada, entre latas amassadas e o som distante de uma sirene, ele finalmente pensou o que deveria ter pensado há muito tempo:

- Eu odeio esse lugar...

Levantando e se ajeitando, ele voltou para a loja, mais uma vez roubada. Lembrou-se das palavras do dono:

- Na próxima vez, tá na rua.

Dito e feito. Ao chegar, o dono já estava lá com a polícia. Após o depoimento, foi demitido de forma fria e injusta.

Harry, cansado e machucado, voltou para seu quarto alugado. Um espaço minúsculo com banheiro compartilhado e mofo nas paredes. Só havia um velho notebook e seu celular, seus portais para os mundos de fantasia que tanto amava. Tomou um banho rápido no banheiro fétido do corredor e caiu na cama, deixando-se afundar no colchão torto.

Na manhã seguinte, o rosto ainda inchado, abriu sua carteira: R$200.

- Acho que está na hora de voltar pra casa... - murmurou.

Mesmo tendo perdido os pais num acidente anos atrás, o sítio do tio, na pequena cidade interiorana de Vale Sereno ainda era o único lugar que ele podia chamar de lar.

...

Na segunda-feira, mesmo machucado, Harry foi para a faculdade. Estudava Ciência da Computação na Universidade Estadual de Nova Brisa (UENB). Atravessando o campus com um capuz tentando esconder os hematomas, foi direto para o prédio de tecnologia.

Na porta, encontrou seu melhor amigo, Vinícius - um nerd alto, de óculos grossos, cabelo bagunçado e camiseta de anime.

- Caraca, mano! O que aconteceu com você? - exclamou Vinícius, arregalando os olhos.

- De novo os caras da loja... fui demitido também - disse Harry com um suspiro.

- Pô, isso é sacanagem. Esses babacas têm que se ferrar um dia. E agora, como cê vai se virar?

- Vou voltar pra Vale Sereno. Ficar um tempo no sítio do meu tio. Tô sem grana e sem cabeça pra mais nada.

Vinícius colocou a mão no ombro dele.

- Qualquer coisa me chama. Leva o note pelo menos, né? Se der, a gente joga um pouco pra distrair.

Harry sorriu, mesmo que levemente.

- Pode deixar. Valeu.

Mais adiante, ele avistou Luu. Estava sentada num banco, mexendo no celular. Bonita, com cabelos loiros e lisos até os ombros, usava óculos finos e parecia sempre distante, como se vivesse num mundo só dela.

Antes do fim das aulas, Harry sentou-se na sala de provas, o rosto ainda marcado pelas agressões recentes. Enquanto os colegas preenchiam suas respostas concentrados, ele mal conseguia focar na folha à sua frente. A mente vagava para as lembranças da loja, da demissão e da viagem para Vale Sereno que se aproximava. A caneta parecia pesar nas mãos, e o barulho do relógio soando parecia mais alto do que tudo.

Quando a prova terminou, Harry juntou seus materiais lentamente, ainda sem muita vontade. Vinícius se aproximou, sorrindo para ele.

- Então, é isso, mano. Vê se cuida, tá? Não some do mapa, hein.

Harry deu um sorriso cansado.

- Pode deixar. Valeu por tudo. Quando eu estiver no sítio, te mando mensagem.

Vinícius assentiu, colocando a mão no ombro dele.

- Boa viagem, cara. Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me achar.

Harry respirou fundo, sentindo o peso do momento.

- Obrigado, Vinícius. Até mais.

Eles se despediram com um aceno e seguiram em direções opostas.

Ao sair do prédio da faculdade, Harry avistou Luu de longe, que estava de costas indo embora junto com sua melhor amiga. Ele soltou um suspiro baixo, misto de saudade e insegurança.

Alexander que viu a ação de Harry fala para si mesmo em desprezo - um sapo olhando para um cisne, então ele se vira e vai junto com seus dois carrapatos em algum beco.

Sem saber o que dizer, virou-se lentamente e caminhou até o ponto de ônibus. O ônibus já estava ali, esperando, pronto para levá-lo para longe de Nova Brisa - rumo a Vale Sereno, ao sítio do tio e a um novo começo.

As férias estavam chegando. E com elas, o fim de mais um semestre.

E o fim - ou talvez o começo - de algo muito maior em sua vida.

Com a mochila nas costas e a alma cansada, Harry deixou Nova Brisa para trás naquela sexta à tarde. Pegou o ônibus rumo a Vale Sereno, o lugar onde tudo mudaria. Lá, no sítio do tio, só morava ele - o único parente vivo que restava. Era com ele que Harry teria que recomeçar.

...

Nas nuvens, flutuando entre o vento invisível, o mesmo homem que havia observado a briga agora seguia os passos de Harry à distância. Seu olhar estava pesado, mas determinado.

- Acho que ele é o ideal... meu tempo está acabando... - murmurou, antes de tossir mais uma vez, o sangue manchando seus dedos.

Seu olhar caiu sobre o medalhão em seu pescoço, que tremia levemente com um brilho dourado.

- Ferido, mas não derrotado... Se o medalhão brilhar de novo, significa que o inimigo está próximo. Aquele demônio ainda vive... mas está ferido. Harry, você deve tomar cuidado.

E então, desapareceu no horizonte.

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