A vida na mansão Valmont se desenrolava como um teatro silencioso, cheio de regras invisíveis, expressões contidas e sorrisos milimetricamente ensaiados. Ícaro observava tudo — cada gesto, cada conversa superficial nos jantares, cada olhar trocado entre os membros da elite que frequentavam a casa. Ele percebia, ainda em silêncio, que ali, naquela bolha dourada, o poder não era gritado. Era sussurrado. Era herdado. Era disfarçado.
Elisa foi a primeira a incentivá-lo a estudar com os filhos da alta sociedade. “Você tem inteligência, Ícaro. Não desperdiça isso tentando apenas se encaixar. Supera”, dizia ela. Mesmo sem saber se aquelas palavras vinham de um sentimento genuíno ou apenas de compaixão, ele as usava como combustível.
Na escola particular onde foi matriculado — graças à influência direta dos Valmont —, Ícaro era um estranho entre herdeiros e filhos de empresários. Os outros jovens ostentavam celulares de última geração, mochilas de grife, viagens ao exterior, sobrenomes com peso. Ele chegou com cadernos comuns e uma caneta emprestada. Mas o que faltava em luxo, sobrava em observação.
Ícaro nunca se colocava como vítima. Pelo contrário, usava sua posição como um jogo estratégico: ouvia tudo, guardava nomes, memorizava relações, e com o tempo, aprendeu a falar como eles. Não apenas o vocabulário, mas o tom. O modo de andar. O jeito de sorrir quando, na verdade, desprezava.
Começou a se aproximar de alguns alunos influentes, sempre com o cuidado de nunca parecer carente. Tinha o dom de ouvir e saber o momento certo de comentar algo inteligente. As professoras elogiavam seu desempenho, e logo, os outros alunos começaram a notá-lo. Primeiro por curiosidade, depois por respeito.
Mas o respeito que Ícaro buscava não era o escolar. Era o social. Ele queria ser reconhecido, desejado, temido até. Não por sua bondade, mas por sua astúcia. E para isso, aprendeu a usar máscaras.
Em casa, diante dos Valmont, era o menino educado e grato. Na escola, era o estrategista silencioso. E quando estava sozinho, encarando o espelho no banheiro da suíte onde agora morava, se via como algo ainda em construção. Algo prestes a explodir.
Numa tarde chuvosa, enquanto lia um livro sobre dinastias econômicas na biblioteca da mansão, Ícaro teve uma conversa com o patriarca da família, o Sr. Valmont. Foi rápida, mas marcante. “Você gosta de dinheiro, garoto?”, perguntou ele, de forma direta, com um copo de uísque na mão.
“Gosto do que o dinheiro representa”, respondeu Ícaro, sem piscar.
O velho sorriu com os lábios, mas seus olhos continuaram frios. “Então você vai se dar bem nesse mundo.”
Essa frase ficou na cabeça de Ícaro por semanas. Mais do que um elogio, parecia um aviso. A partir daí, ele intensificou seus esforços: começou a estudar economia por conta própria, analisava movimentos do mercado, observava como os adultos da elite se comportavam em reuniões e festas.
Não demorou para perceber que o jogo do poder se jogava em silêncio. E ele estava se preparando para ser o próximo mestre desse tabuleiro.
Na mesma época, Elisa começou a demonstrar um certo desconforto. Ícaro estava mudando, e ela sabia. O menino doce do orfanato estava dando lugar a alguém mais frio, mais calculista. Ela tentava se aproximar, puxar conversas, reacender a conexão que tinham. Mas Ícaro já não via sentido em vínculos sentimentais.
Aos olhos dele, o amor era uma distração. Uma vulnerabilidade.
Ainda assim, quando ela sorria para ele, algo dentro dele vacilava por um segundo. Só um segundo. E então ele voltava a erguer a máscara.
Porque Ícaro sabia de uma coisa: naquele mundo, ou você devora... ou é devorado.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Mar Briyith ER
Vou seguir esse livro 😍
2025-07-23
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