Na mansão, Ícaro aprendeu ética, línguas, bons modos. Ganhou roupas novas, um quarto só dele, e até um tutor particular. Mas por dentro, seu foco era outro: aprender como aquela fortuna foi construída e descobrir como poderia ser dono de algo ainda maior.
Logo nos primeiros dias, Ícaro percebeu que a mansão dos Valmont funcionava como uma empresa disfarçada de lar. Tudo tinha horário, propósito e controle. A governanta cuidava da rotina como um gerente de produção; os funcionários se reportavam como se estivessem numa reunião executiva; e até os momentos de lazer da família pareciam ensaiados.
A nova vida não era um mar de rosas. Ele precisava se adaptar rápido. Aprendeu a usar talheres corretamente, a se sentar com postura, a cumprimentar convidados com firmeza, sem parecer invasivo. Aprendeu que falar demais era mal visto, mas falar pouco com inteligência era admirado. Observava tudo: as palavras que os Valmont usavam, como escolhiam o vinho, como investiam dinheiro, e até como evitavam certas conversas.
O tutor particular, Sr. Ramon, era um homem rígido, com sotaque europeu e métodos de ensino exigentes. Ícaro odiava ele no início, mas logo percebeu que era uma mina de ouro. Ramon ensinava economia, história, lógica, geopolítica. Dava livros que não estavam nos currículos escolares. E Ícaro devorava tudo. Cada fórmula, cada conceito, cada biografia de grandes líderes. Não era por prazer. Era estratégia.
Às escondidas, ele vasculhava a biblioteca da casa. Descobriu documentos antigos, contratos empresariais, pastas com o histórico das empresas dos Valmont. Começou a montar mentalmente o império da família, como peças de um quebra-cabeça. Sabia quem eram os sócios, os nomes das holdings, os investimentos em offshores. Se tornou uma espécie de espião discreto no próprio lar.
Elisa, por outro lado, tentava manter a relação leve. Ela tratava Ícaro como irmão, o incluía nas conversas, ria das piadas bobas dele e até o defendia quando Ramon o pressionava demais. Mas Ícaro tinha dificuldade de se abrir. Não porque não gostasse dela, mas porque não sabia mais ser apenas criança. A ambição pesava em cada gesto.
Numa tarde chuvosa, enquanto tomavam chocolate quente na varanda, Elisa comentou:
— Você nunca se diverte de verdade, sabia? Parece que tá sempre numa missão secreta.
Ícaro respondeu, olhando o jardim: — Talvez eu esteja.
Ela riu. Achou que era brincadeira. Mas não era.
Nos jantares, Ícaro ouvia mais do que falava. Arthur Valmont, o patriarca, discutia com sócios por telefone, falava sobre ações, fusões e aquisições. Helena coordenava projetos filantrópicos e cuidava da imagem pública da família. Tudo girava em torno de poder e influência. E Ícaro queria dominar aquilo.
Ele começou a imitar a linguagem deles. Usava palavras difíceis na escola. Participava das reuniões da fundação da Sra. Valmont. E, com o tempo, foi ganhando destaque. Professores elogiavam sua inteligência, diretores o convidavam para eventos, e empresários o viam como uma promessa. Ele se tornou o garoto-prodígio da elite.
Mas, por trás dos aplausos, Ícaro mantinha o foco frio. Criava mapas mentais dos investimentos da família. Fazia anotações escondidas. Simulava cenários. Criou até uma planilha no computador do quarto onde simulava ser CEO do grupo Valmont.
Certa noite, invadiu o escritório do Sr. Valmont — o lugar mais proibido da casa. Era madrugada. Usou um grampo que aprendeu a moldar como chave improvisada. Entrou em silêncio. As paredes eram cobertas de estantes. No centro, uma mesa robusta com pilhas de papéis.
Pegou um contrato, leu cláusulas, grifou mentalmente números. Descobriu que parte das ações da principal empresa dos Valmont estava em nome de uma holding na Suíça. Descobriu também que o filho legítimo da família, Thomas, estava há anos afastado por conta de desentendimentos com o pai — algo que ninguém falava abertamente.
Ícaro sorriu.
Saiu do escritório em silêncio, mas com a mente em chamas. Aquilo era mais do que ele esperava. O trono estava vazio. E ele podia sentar.
No entanto, algo começou a incomodar. À medida que se aproximava do topo, se distanciava das pessoas. Elisa notava sua frieza, sua falta de empatia com os outros colegas da escola, seu desprezo por quem não tinha utilidade.
Numa discussão, ela disse: — Você não é o mesmo garoto que conheci naquele orfanato. Esse aqui… esse Ícaro novo… não sei se eu gosto dele.
Ele respondeu seco: — Então talvez seja hora de você crescer também.
Ela saiu chorando.
Mas ele não voltou atrás. Porque no mundo dos Valmont, hesitar era perder. E ele não estava disposto a perder nada.
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Atualizado até capítulo 22
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