A noite em que as flores falaram

O vento já estava mais agressivo naquela noite, batendo contra as janelas como se quisesse entrar. As montanhas, cobertas pela neblina espessa, pareciam ainda mais altas, fechando a cidade como as paredes de uma prisão natural.

Eu estava sentado no chão do meu quarto, encostado na parede, tentando ignorar o cheiro metálico que invadia o ar. Minha mãe já tinha ido dormir, e meu pai… nem se importou em perguntar se eu estava bem.

Mas as flores… as flores estavam diferentes hoje.

Eu conseguia vê-las da janela, balançando suavemente, como se respirassem. A cor vermelha parecia mais viva, mais molhada… como carne recém-cortada.

— Você sabe o que vai acontecer.

A voz foi clara. Sem sussurros desta vez. Forte, fria, diretamente no meu ouvido.

— Eles vão morrer por sua causa… um por um…

Me afastei da janela, batendo as costas na parede.

— N-Não… não é real… não é real… — murmurei, tremendo.

As vozes riram. Um coro inteiro, distorcido, como gargalhadas presas debaixo d’água.

— Você deveria ter fugido.

— Mas agora é tarde…

Tentei fechar os ouvidos, mas elas ficaram mais altas. E então ouvi.

Um miado.

Baixinho, fraco.

Olhei pela janela de novo. No meio da rua, o pequeno gato branco da vizinhança estava parado, tremendo. Era o mesmo que sempre me seguia na volta da escola. Ele estava miando, olhando diretamente para mim.

— Não… não… — murmurei, sentindo um frio percorrer meu corpo.

As flores ao redor dele começaram a balançar, mesmo sem vento. E… crescer.

Lentamente, avançando pelo chão, como se estivessem se arrastando em direção ao gato.

— Você não vai salvá-lo. — as vozes disseram.

— Você nunca salva ninguém.

— NÃO! — bati na janela, como se pudesse espantar as flores.

O gato deu um passo para trás, assustado, mas foi tarde demais. Um barulho seco ecoou pela rua.

Um carro passou rápido demais na ladeira escorregadia. O gato… o pequeno corpo foi lançado contra o asfalto com um estalo que ecoou alto demais no silêncio da noite.

— N-Não…

Desci correndo as escadas, ignorando os gritos da minha mãe perguntando para onde eu ia. Corri para a rua.

As flores já estavam brotando em volta do corpo dele. Vermelho e vermelho, misturados — sangue e pétalas. Era como se o chão estivesse sendo pintado.

Me ajoelhei, o coração disparado, e toquei o pelo branco agora sujo de sangue. As flores cresciam rápido demais, saindo do asfalto como se estivessem sendo alimentadas pelo sangue dele.

— D-Desculpa… desculpa… — minha voz tremia, e algo quente escorreu dos meus olhos.

As vozes sussurraram, mais baixas agora, quase gentis.

— Ele morreu por sua causa… mas você sabia disso, não sabia?

Levantei a cabeça, desesperado, e juro que vi.

Os olhos do gato se moveram. Ele me olhou.

E, com uma boca que não era de um gato, ele sussurrou, com uma voz arranhada e distorcida:

— Você deveria ter me salvado.

Afastei-me rápido, escorregando no chão. As flores estavam subindo pelo corpo dele, como se o estivessem engolindo.

— N-NÃO!

Corri de volta para casa, tropeçando nos degraus. Quando fechei a porta, fiquei ofegante, o peito doendo, as vozes ecoando:

— O próximo será alguém que você ama…

 

Tentei me acalmar no quarto, mas não consegui. A imagem do gato sendo engolido pelas flores não saía da minha cabeça.

Deitei no futon, mas o silêncio era pior do que os sussurros. E então… começou.

— Você não vai escapar.

— Eles estão vindo.

— Você também vai morrer logo.

Tapei os ouvidos, mas as vozes se tornaram gritos. Me encolhi no futon, tremendo, e então vi algo no canto do quarto.

O senhor Asahi estava lá.

O corpo dele… o pescoço quebrado, torto, e flores saindo da boca, como se ele estivesse vomitando pétalas.

Ele sorriu. Os olhos fundos, vazios, mas o sorriso largo demais.

— Você me deixou cair.

Tentei levantar, mas algo gelado agarrou meu tornozelo. Olhei rápido — uma mão branca, ossuda, segurava meu pé com força.

— Você também vai descer… comigo…

— N-NÃO!

Consegui chutar, mas a mão não soltou. Quando puxei de novo, senti… outra mão no meu braço. Olhei.

O gato. O corpo dele estava ali, metade coberto de flores, me encarando com olhos vermelhos.

— Você deveria ter me salvado.

Gritei, tentando me soltar, mas o quarto começou a mudar. As paredes escorriam sangue, as flores estavam crescendo em todos os cantos, pingando líquido vermelho no tatame.

E, de repente, tudo ficou escuro.

 

Acordei — ou achei que acordei — em um lugar diferente. Um corredor longo, coberto de flores, o chão molhado de sangue. Eu sentia os pés afundando em algo quente.

E então vi.

Corpos.

Corpos pendurados no teto, com flores saindo dos olhos e bocas, os membros torcidos em ângulos impossíveis.

Uma mulher estava no canto, o rosto esmagado, e ela sorriu para mim.

— Você vai ficar aqui também…

As vozes ficaram mais altas, um coro que me cercava.

— O amor que te cerca é feito de sangue.

— Você nunca escapa.

E então, no fim do corredor, Ryusei estava de pé, coberto de flores.

Ele me olhou, os olhos cheios de algo que eu não conseguia decifrar, e sussurrou:

— Você vai me matar também, Seong.

As flores subiram pelo corpo dele, cobrindo-o como se o estivessem devorando.

Corri até ele, gritando, tentando puxar as flores, mas quanto mais eu puxava, mais sangue saía…

E então acordei.

 

Na manhã seguinte o sol ainda não tinha nascido. Eu estava deitado no futon, suando frio.

Mas… as flores estavam no quarto.

Pequenas, no canto, brotando do tatame como se tivessem nascido durante a noite.

E no vidro da janela, com algo que parecia sangue, alguém havia escrito:

"VOCÊ NÃO VAI ESCAPAR."

 

Quando saí de casa, todos me olharam. As pessoas cochichavam, os olhos cheios de medo.

— É ele, não é? — alguém sussurrou.

— Ele estava lá quando o gato morreu…

— Dizem que as flores crescem perto dele agora.

As vozes baixas me seguiram até a rua principal. Parecia que as paredes estreitas das casas estavam me esmagando.

As flores… elas estavam por toda parte. Nos muros, nos degraus, brotando das rachaduras do asfalto. Vermelhas demais, vivas demais.

Foi quando eu senti. Alguém me olhando.

Virei devagar.

E lá estava Ryusei.

Ele estava parado do outro lado da rua, encostado em um poste. Os olhos castanhos escuros fixos em mim, sem expressão.

Por um momento, ninguém falou nada. Só o vento frio passando entre nós, carregando o cheiro de flores e algo metálico.

— Você parece cansado — ele disse, finalmente, a voz baixa, calma demais.

— Eu… — minha voz falhou. — R-Ryusei… você…

Ele me olhou mais fundo, como se pudesse ler meus pensamentos.

— As flores estão crescendo mais rápido, não estão?

Senti um arrepio.

Ele sorriu de um jeito triste.

— Você não vai escapar delas, Seong. Nenhum de nós vai.

> FIM DO CAPÍTULO 4

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