Acordei com o som da chuva batendo no telhado. O céu estava cinzento, e o vento fazia as janelas tremerem. Era como se o dia já tivesse acordado cansado, exausto, assim como eu.
Sentei-me na cama os cabelos bagunçados caindo sobre os olhos. O quarto estava gelado, e as flores que meu pai havia colocado no altar no corredor agora estavam murchas. Isso me deixou inquieto.
Abri porta e caminhei pelo corredor. O cheiro de miso e peixe seco vinha da cozinha, onde minha mãe mexia distraída numa panela.
Ela não me olhou.
— Seong, coma antes de sair.
— Não estou com fome.
— Você está ficando pálido demais. Vai desmaiar um dia desses.
Não respondi. Peguei a mochila e saí.
No genkan, troquei os chinelos pelos sapatos e, antes de abrir a porta, olhei para o portão do quintal. Mais flores. Três higanbanas novas haviam brotado durante a noite.
Respirei fundo. Cheiro metálico. O ar parecia mais denso do que ontem.
A rua estava estranhamente silenciosa, mesmo com as vassouras raspando as pedras. O vento trazia o cheiro forte de terra molhada misturado com algo azedo. Um grupo de senhoras cochichava do outro lado da rua, olhando em direção à casa do vizinho idoso.
— Encontraram ele caído na escada…
— Sangue demais para uma queda normal.
— E flores… flores brotando na entrada, como se tivessem esperado por ele.
Meu coração disparou.
Olhei para a casa. A escada de pedra que levava à entrada estava manchada de vermelho. O corpo já havia sido levado, mas o rastro de sangue ainda estava lá, escorrendo até as higanbanas que haviam crescido no portão. Era como se elas estivessem se alimentando do sangue.
Um homem que passava murmurou:
— Isso não é normal…
Abaixei o olhar, apertando a alça da mochila. Senti um arrepio subir pela espinha.
E então, por um momento, tive certeza de que vi uma mão ensanguentada tentando agarrar uma das flores.
Pisquei. Nada lá. Só o rastro vermelho escorrendo lentamente.
Foi então que as vozes vieram.
— Você deveria ter fugido…
— Você viu. Você sabe.
Tapei os ouvidos, fingindo que era o vento. Mas o vento não fala.
Apressei o passo em direção ao colégio.
O caminho até o colégio estava mais cheio do que o normal. As pessoas andavam rápido, evitando parar perto das flores que haviam surgido na rua. Algumas pareciam mais altas do que ontem, como se tivessem crescido durante a madrugada.
Cochichos me seguiam.
— Ele estava lá ontem, não estava?
— Ouvi dizer que ele sempre aparece onde as flores brotam primeiro…
— Isso é só coincidência, né?
Apertei o passo. Eles estavam falando de mim.
Passei pela ponte de pedra, e o rio estava mais turvo com a chuva. As flores estavam alinhadas na borda, como um tapete vermelho, molhadas e brilhantes. Duas crianças apontavam, curiosas, e a mãe delas as puxou rápido:
— Não encostem! É perigoso.
Tudo estava… errado.
O corredor do colégio estava mais silencioso do que nunca. As conversas eram sussurradas, e alguns alunos olhavam pela janela, para o pátio. Novas flores haviam aparecido lá também.
Quando entrei na sala, um grupo de alunos cochichou.
— Ele chegou.
— Olha a cara dele…
Fingi não ouvir. Sentei perto da janela.
E foi quando ele entrou. Ryusei Tsuchiya.
Seus cabelos rosa queimado estavam úmidos pela chuva, e ele caminhou com passos lentos, o olhar baixo, como se o barulho dos cochichos não o atingisse. Mas eu vi quando alguns alunos se afastaram, como se ele carregasse algo ruim.
Ele me olhou, de relance, e por um momento senti aquele cheiro metálico de novo.
Ele se sentou duas fileiras atrás.
Tentei me concentrar na aula, mas a sensação de estar sendo observado era sufocante. Às vezes, eu virava rápido, e Ryusei estava me olhando.
Quando o sinal tocou, fui direto para o clube de arte. Hina estava lá, mexendo nas tintas, mas até ela parecia inquieta.
— Você ouviu sobre o senhor Asahi? — perguntou, referindo-se ao vizinho morto.
Assenti, sentando.
— Dizem que ele estava tentando arrancar as flores quando caiu… — ela mordeu o lábio. — Seong, você acha que essas flores são… ruins?
— Não sei. — minha voz soou baixa demais.
Peguei um pincel. Eu não queria pintar, mas minha mão se moveu sozinha de novo. Flores. Sempre flores. Dessa vez, com pétalas escorrendo tinta vermelha demais.
Hina me olhou assustada.
— Isso… parece sangue.
Foi quando a porta deslizou.
Ryusei entrou.
— Posso ficar aqui um pouco? — perguntou, com aquela voz calma demais.
Hina assentiu. Ele sentou-se num canto, silencioso, observando a janela.
O quarto ficou sufocante. O cheiro metálico ficou mais forte.
E então ouvi.
— Ele vai te levar também.
Olhei para Ryusei. Ele parecia tranquilo, mas algo no fundo dos olhos dele… era pesado, como se carregasse todos os segredos que ninguém queria saber.
Quando voltei para casa, a neblina estava tão densa que quase não dava para ver a rua. As flores pareciam me seguir com os olhos invisíveis, balançando levemente com o vento.
Parei na frente da casa do vizinho morto. O portão ainda tinha manchas de sangue. As flores estavam maiores, quase tocando a escada.
Foi quando ouvi.
— Você viu ele morrer, não viu?
— Você podia ter ajudado.
— Vai ser o próximo.
Olhei ao redor. Os vultos entre as árvores pareciam mais próximos.
Cheguei em casa quase correndo. No quarto, sentei na cama, o coração acelerado.
Então senti.
Algo gelado segurou meu pulso. Olhei rápido, mas só vi minha própria mão tremendo.
As vozes vieram de novo, sussurrando em coro, grudadas nos meus ouvidos:
— O amor que te cerca é feito de sangue.
— Você não vai escapar.
— Ele não vai sobreviver… e a culpa vai ser sua.
Fechei os olhos com força. Quando os abri, vi o rosto do senhor Asahi, o vizinho morto, sorrindo no canto do quarto.
E na manhã seguinte… as flores estavam ainda mais próximas da minha janela.
> FIM DO CAPÍTULO 2
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Atualizado até capítulo 36
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